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01/02/2016 -

A utilização de empresas estatais como meio de regulação: os limites e restrições para a criação e atribuições de competências às estatais sob a perspectiva regulatória

Teoria do Estado Regulador: volume II (organizador: Sérgio Guerra). Curitiba: Ed. Juruá, 2016, p. 245-263
  1. O advento do Estado Regulador na experiência brasileira

O Direito da Regulação é um dos campos em mais notória evolução atualmente no Brasil. Isso se deve ao fato de que o objeto principal da disciplina, a regulação estatal, está na ordem do dia da agenda jurídico-econômica nacional, sendo diárias as manchetes que noticiam possíveis alterações em marcos regulatórios de importantes setores da economia brasileira, lançamentos próximos de editais para concessões em setores de infraestrutura, bem como outros assuntos que se relacionam, direta ou indiretamente, com a função reguladora exercida pelo Estado.

Apenas para citar alguns poucos exemplos, lembremos que a Lei Geral de Telecomunicações está em vias de ser remodelada, com a edição de novo marco para o setor, e que o Governo Federal tem divulgado frequentemente que aposta na outorga de inúmeros concessões de aeroportos, rodovias e outros setores de infraestrutura como forma de diminuir a presença do Estado na economia e de arrecadar recursos.

A função reguladora do Estado, definida por DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO como “um complexo de funções clássicas, administrativas, normativas e judicantes, nela variando apenas o método decisório”[1], ganhou força no Brasil a partir da década de 1990, com a adoção do modelo de agências reguladoras e de reformas liberalizantes que modernizaram todo o arcabouço regulatório vigente no país, no âmbito do Programa Nacional de Desestatização (PND), inicialmente implementado com a edição da Lei nº 8.031/90, posteriormente revogada pela Lei nº 9.491/97.

Como se nota do rol de objetivos fundamentais constante do art. 1º da citada Lei nº 9.491/97, uma das principais finalidades do PND era “reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público” (inciso I), o que se concilia com outra das finalidades ali inseridas, qual seja, a de “permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais” (inciso V).

Tais diretrizes refletem, ainda que tardiamente na experiência brasileira, um movimento que se fez presente em todo o mundo desde a década de 1970: a migração, nas palavras de GIANDOMENICO MAJONE, de um modelo (1) de Estado positivo ou intervencionista (implantado em grande parte do mundo após a crise de 1929, inspirado em premissas keynesianas), calcado na intervenção frequente do Estado na economia e com objetivos de redistribuição de renda, estabilização macroeconômica e regulação de mercados, para o modelo (2) de Estado regulador, que traz consigo privatizações, liberalização, reforma de esquemas de bem-estar (programas sociais), bem como a desregulação (deregulation).[2] A fim de evitar qualquer confusão decorrente da expressão “desregulação”, o citado autor faz a seguinte ressalva:

“Realmente, junto com a privatização, a desregulação é geralmente considerada como uma de suas características mais distintivas. Paradoxalmente, o mesmo período assistiu a um crescimento expressivo da formulação de políticas reguladoras tanto em nível nacional quanto europeu (ver abaixo). No entanto, o paradoxo é mais aparente do que real. A verdade é que, neste período, métodos tradicionais de regulação e de controle estavam ruindo sob a pressão de potentes forças tecnológicas, econômicas e ideológicas, e foram desmantelados ou radicalmente transformados. Isto é frequentemente chamado de ‘desregulação’, mas o termo é enganador. O que se observa na prática não é um desmantelamento de toda a regulação governamental – uma volta a uma situação de laissez-faire que na realidade nunca existiu na Europa – mas, em vez disso, uma combinação de desregulação e nova regulação, possivelmente em um nível diferente de governança.”[3]

Na prática, portanto, a desregulação (seguida do que foi por vezes chamada de re-regulação) se propôs a viabilizar justamente a reordenação da posição do Estado na economia, para que (i) o Poder Público deixasse, em muitos casos, de ostentar a posição de prestador direto de atividades econômicas que poderiam ser transferidas à livre iniciativa e (ii) a regulação por meio da função normativa (isto é, de edição de normas regulatórias) pudesse ser exercida por órgãos descentralizados e técnicos, e não por gabinetes centralizados do Poder Executivo e Legislativo, o que se deu mediante a adoção do modelo de agências reguladoras, às quais se atribuiu competência para editar normas setoriais, desde que em consonância com diretrizes gerais estabelecidas por leis emanadas do Poder Legislativo.[4]

A partir do momento em que pôs em prática essa reordenação estratégica, o Estado brasileiro procurou assumir papel de supervisão do mercado, preservando, sobretudo por meio da atuação das citadas agências, as prerrogativas de (i) ditar as regras do jogo, ou seja, as condições sob as quais os agentes particulares competirão no mercado (portanto, não mais como protagonista, mas como árbitro, idealmente) e (ii) exercer o seu poder de polícia, impondo sanções quando necessário. Sem prejuízo, o Estado continuou tendo, a teor do art. 173 da Constituição Federal, a possibilidade de intervir na economia por meio da prestação direta de atividade econômica (aqui entendida em sentido lato, como gênero do qual são espécies os serviços públicos e as atividades econômicas em sentido estrito), nas hipóteses autorizadas pelo aludido dispositivo constitucional.

Infelizmente, nos últimos anos, por questões ideológicas, o formato inicial de Estado regulador foi deixado de lado, tendo-se verificado indevidas ingerências políticas em agências reguladoras e empresas estatais, bem como a promoção de mudanças nos marcos regulatórios de alguns setores econômicos, com viés estatizante, e o aumento no número de empresas estatais criadas pela União Federal[5]. Entretanto, em vista dos péssimos resultados econômicos obtidos e da mudança de poder provocada pelo afastamento (ainda não definitivo, à época da redação deste trabalho) da Presidente Dilma Rousseff, tal reviravolta no processo de modernização da governança regulatória que havia se iniciado no Brasil está, aparentemente, em vias de ser contornada, com a retomada dos programas de desestatização.

Espera-se, de fato, que, no futuro próximo, as reformas que se iniciaram na década de 1990 sejam retomadas. Vem em boa, nesse particular, a Medida Provisória nº 727/16, que cria o Programa de Parceria de Investimentos (PPI), o qual tem entre seus objetivos: (i) “assegurar a estabilidade e a segurança jurídica, com a garantia da mínima intervenção nos negócios e investimentos” e (ii) “fortalecer o papel regulador do Estado e a autonomia das entidades estatais de regulação”.

A regulação estatal[6] não só pode ter objetivos distintos, como também pode ser levada a efeito de diferentes maneiras. Dentre os objetivos possíveis, destacam-se a regulação econômica e a regulação social: a primeira tem por finalidade corrigir falhas de mercado[7], buscando, através de critérios técnicos, aproximar o funcionamento de determinado mercado do que seria idealmente verificado em mercados competitivos e sem distorções; a segunda se dá com finalidades socialmente relevantes[8], muitas vezes de caráter inclusivo ou redistributivista, como a integração social, universalização de serviços essenciais, modicidade tarifária, dentre outras políticas.

Como observa SÉRGIO GUERRA:

“A escolha regulatória, como espécie de intervenção estatal, manifesta-se tanto por poderes e ações com objetivos declaradamente econômicos – o controle de concentrações empresariais, a repressão de infrações à ordem econômica, o controle de preços e tarifas, a admissão de novos agentes no mercado – como por outros com justificativas diversas, mas efeitos econômicos inevitáveis – medidas ambientais, urbanísticas, de normalização, de disciplina das profissões etc.”[9]

No que diz respeito às formas de regulação estatal[10], se entendida esta em seu sentido mais amplo, pode abarcar as mais diversas atividades administrativas desenvolvidas pelo Estado.

SÉRGIO GUERRA, por exemplo, oferece “seis mecanismos estatais (espécies) para operacionalizar a regulação estatal (gênero)”: (i) a regulação direta, exercida por ministérios e secretarias; (ii) as autarquias comuns; (iii) as agências executivas; (iv) as autarquias especiais, onde se incluem as agências reguladoras e outras entidades similares, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Conselho Administrativa de Defesa Econômica (CADE); (v) os conselhos profissionais (conselhos regionais de diversas profissões, como medicina, contadores etc.); e (v) a autorregulação exercida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), reconhecida como entidade sui generis pelo Supremo Tribunal Federal.[11]

Especificamente com relação às agências reguladoras, aponta-se com frequência as funções normativa, judicante e executiva: assim, tais agências podem, a um só tempo, editar normas setoriais sobre questões técnicas, resolver/mediar disputas entre agentes regulados e exercer fiscalização em vista de seu poder de polícia. De outra sorte, o art. 174 da Constituição Federal coloca à disposição do Estado, como “agente normativo e regulador da atividade econômica”, as “funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

Outra forma de regulação, assim designada por se tratar de intervenção do Estado na economia, é a exploração direta de atividade econômica pelo Estado, mediante a criação de empresa estatal – aqui incluída a empresa pública e a sociedade de economia como espécies do citado gênero –, com amparo no que dispõe o art. 173 da Constituição Federal, isto é, quando a exploração da atividade em questão for “necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.[12]

É precisamente essa última forma que nos interessa para os fins deste trabalho, que pretende examinar os limites e restrições da criação de empresas estatais para a promoção de políticas públicas, tendo em vista o modelo organizacional e o regime jurídico impostos pela Constituição Federal a tais sociedades.

A preocupação com o tema – regulação através da criação de empresas estatais – decorre de algumas polêmicas “competências regulatórias” usualmente atribuídas às estatais criadas com o fim de exercer regulação, a saber: (i) a de promover políticas públicas no setor de sua atuação[13], (ii) a de contribuir para o planejamento do setor em foco[14] e (iii) a de exercer o seu poder de polícia[15].

A seguir, passaremos a examinar a viabilidade/pertinência de tais competências, tanto para as sociedades de economia mista quanto para as empresas públicas. A distinção entre estatais de ambas as naturezas se mostra necessária, dada a diferença entre os modelos organizacionais adotados por uma e por outra: nas empresas públicas, o capital social é integralizado unicamente com recursos públicos, sendo o Estado acionista único da empresa, ao passo que, nas sociedades de economia mista, a convivência entre os recursos públicos (aportados pelo Estado como acionista controlador) e privados (aportados pelos acionistas minoritários que investem na empresa) torna ainda mais delicada a utilização da sociedade para fins regulatórios.

  1. A previsão constitucional para criação de empresas estatais e a análise das finalidades a elas usualmente atribuídas

            O art. 173 da Constituição Federal autoriza, nas condições nele admitidas (i.e., “quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”), a “exploração direta de atividade econômica pelo Estado”.

Em outras palavras, conquanto a ordem econômica constitucional seja fundada na livre iniciativa (sendo a regra o fornecimento de atividades e serviços pelo particular), nos termos do art. 170, em hipóteses excepcionais o Estado pode atuar diretamente na economia para prestação de determinada atividade econômica ou serviço público que se enquadre nos conceitos abertos inseridos no citado art. 173 (segurança nacional e relevante interesse coletivo).

Daí a percepção de que a autorização contida no art. 173 tem finalidade bastante restritiva, qual seja: a intervenção estatal para o fim – e apenas para esse fim – de, excepcionalmente e com vistas a dar concretude aos imperativos de segurança nacional ou a um interesse pontual da coletividade, explorar diretamente certa atividade econômica (seja de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços).

O §1º do art. 173, por sua vez, esclarece a natureza das empresas que podem ser constituídas para essa finalidade – a saber, a empresa pública e a sociedade de economia mista –, bem como os aspectos que a respectiva lei de criação deverá abordar. Aqui se destaca, para o tema ora abordado, a sujeição das empresas estatais ao “regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias”.

Não é por acaso, pois, que o Decreto-Lei nº 200/67 já previa, assim como a recém-publicada Lei nº 13.303/16 também o faz, que as empresas públicas e sociedades de economia mista são dotadas de personalidade jurídica de direito privado.

O que daí se conclui é que: (i) a uma, o permissivo constitucional contém autorização pontual e restritiva ao Poder Público para intervir na economia por meio da criação de empresa estatal, autorização essa que se limita à exploração da atividade de interesse coletivo ou relevante para a segurança nacional; e (ii) a duas, a empresa estatal, a exemplo das empresas privadas, está sujeita ao regime de direito privado.

Ora, o art. 173 da Constituição Federal não é senão uma exceção à regra constitucional de exploração de atividade econômica por agentes particulares, não devendo, portanto, merecer interpretação extensiva, no sentido de abrir campo para que o Estado execute políticas setoriais por meio da criação de estatais. O que o referido dispositivo autoriza é apenas e tão somente a exploração de atividade econômica por empresa estatal – empresa pública ou sociedade de economia mista –, mas nunca a utilização da empresa como meio de regulação do setor de sua atuação. Realmente, não há comando legal a autorizar, de maneira aberta e indistinta, a promoção de políticas públicas setoriais.

Assim é que a criação de empresa estatal atende a uma finalidade bastante específica, qual seja, a de desempenhar determinada atividade econômica que seja excepcionalmente entregue aos cuidados do Estado, e não do particular, por motivos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo. Naturalmente, o desenvolvimento dessa atividade deve, a um só tempo, satisfazer as necessidades do público em geral, sem se descuidar do princípio da eficiência e da utilização eficaz dos recursos públicos – e, no caso de sociedades de economia mista, sem se olvidar de que aos acionistas privados é devido retorno financeiro que compense o investimento realizado, sob pena de se desvirtuar a finalidade econômica de tal companhia.

Vê-se, pois, que a autorização contida no texto constitucional para criação de estatal, longe de se caracterizar como mecanismo para o exercício da função reguladora do Estado, destina-se tão somente a preencher, quando necessário, uma lacuna na execução de atividade econômica que, por razões de ordem social, econômica ou concorrencial, não deva ou não possa ficar apenas a cargo da iniciativa privada.

Tais conclusões, vale dizer, são aplicáveis tanto à empresa pública como à sociedade de economia mista. No caso da segunda, há que se reiterar que o fato de a companhia ter em seu quadro social acionistas privados, que investiram na empresa na expectativa de obter retorno financeiro, obriga o Estado a conjugar a finalidade social da sociedade (atender o interesse público que justificou a sua criação) com a sua finalidade econômica (recompensar investidores que aportaram recursos e contribuíram para a constituição da sociedade e para a exploração da atividade em foco). Tais investidores, ao tomar a decisão de entregar recursos ao Estado, tinham conhecimento da atividade que seria exercida pela sociedade de economia mista e do interesse público que justificou a sua criação (e em vista do qual o Estado pode, eventualmente, distanciar-se do fim lucrativo para perseguir tal fim social), mas não poderiam imaginar, nem tampouco podem ser forçados a concordar, com a execução de políticas públicas que se revelem mais amplas do que a atividade descrita na lei de criação, ainda que sejam conduzidas em atenção a fins sociais.

Esse comportamento, se levado a efeito, significaria espoliar os acionistas privados das sociedades de economia mista, em detrimento de terceiros não diretamente interessados nos negócios da sociedade e que não investiram recursos na atividade. Em última análise, a recusa em orientar as atividades no interesse da companhia – e de seus acionistas – importaria na criação de tributo por via transversa e sem previsão legal, o que é vedado pelo art. 3º do CTN. Afinal, tendo em vista que estariam aportando recursos sem fazer jus a qualquer retorno, estar-se-ia a impor aos acionistas privados verdadeira “prestação pecuniária compulsória”, que identifica o tributo de acordo com a definição contida no citado dispositivo legal.

No que toca à empresa pública, a conclusão não é outra. Embora não haja, nesse caso, investimento realizado por acionistas privados – na medida em que o Estado é o único acionista em tais empresas –, a obrigação de prestar a atividade-fim da empresa em condições próximas ao modelo verificado na iniciativa privada decorre (i) do regime jurídico imposto à empresa pública e (ii) do princípio da eficiência e da necessidade de gestão adequada dos recursos públicos. Ambos os fundamentos acima listados têm por fim condicionar a atuação da empresa pública (e da estatal de modo geral), induzindo o Estado a orientar as atividades de maneira eficiente, tal como fazem as empresas privadas. Significa dizer que, conquanto se saiba que a empresa pública cumpre o papel de prestar determinada atividade ou serviço sensível ao interesse público, não tem ela carta branca para fazê-lo de modo ineficiente e contrariamente aos interesses da própria empresa. Como se disse, o permissivo constitucional trata apenas da necessidade de se oferecer determinado serviço ou atividade, não de promover políticas públicas através desse veículo (a empresa estatal). Portanto, ao buscar exercer suas atividades de modo eficiente e lucrativo, a empresa pública (assim como a sociedade de economia mista) está também agindo no interesse público, já que a eficiência eleva o nível do serviço prestado e a lucratividade permite à empresa promover novos investimentos e melhorias na qualidade do serviço.

Desse modo, o objeto social da empresa estatal deve constar claramente de sua lei de criação e do respectivo estatuto social, sendo essa a atividade que justifica a sua criação e para o exercício da qual a empresa pode eventualmente precisar se afastar de sua finalidade lucrativa e de sua gestão eficiente.

Cabe aqui breve menção ao comentário de MARIO ENGLER PINTO JUNIOR, que, ao tratar do que intitula “concorrência indutiva” entre empresas estatais e privadas, afirma que “a atuação da empresa estatal é capaz de assumir contornos regulatórios, a partir da interação direta com os demais participantes do mercado, para induzi-los a adotar posturas socialmente desejáveis. Trata-se, em última análise, de internalizar a regulação na empresa estatal.”[16]

Ocorre que, se o Estado não pode se imiscuir na atividade privada para ditar as condições em que esta será prestada, nem tampouco esperar que o particular ofereça serviços e produtos em condições que lhe sejam desfavoráveis, a única forma de induzir os players do mercado a “adotar posturas socialmente desejáveis” que se pode conceber é por meio do estabelecimento de parâmetros elevados de concorrência, isto é, com o oferecimento de atividades e serviços de qualidade, que obriguem o competidor privado a igualar tal patamar – algo como o estabelecimento de um benchmark elevado de qualidade. Esse é mais um fator a recomendar, portanto, que a empresa estatal seja administrada com base em critérios de eficiência e lucratividade, seja para remunerar seus acionistas, no caso de sociedades de economia mista, seja para arrecadar recursos que lhe permitam aprimorar a qualidade de sua atividade e oferecer preços mais acessíveis aos consumidores.

É o que se pode chamar de regulação para concorrência. Nesse ambiente, empresas estatais atuam, sem monopólio, em setores econômicos nos quais a regulação é concebida para estimular a competição entre os diversos players. Também aqui, portanto, é fundamental que as estatais sejam conduzidas com estrita – e restritiva – observância ao interesse que justificou a sua criação e ao seu objeto social, de modo a viabilizar a concorrência, em pé de igualdade (mesmo porque a Constituição veda a concessão de quaisquer vantagens comerciais ou fiscais às estatais), com os demais agentes privados que atuam no mercado.

Como salientam GESNER OLIVEIRA e JOÃO GRANDINO RODAS:

“(…) a disseminação de legislações de defesa da concorrência em países em desenvolvimento, na década de 1990, realçou a função a função de promoção da concorrência entre suas atribuições. O forte legado intervencionista destas regiões tornou patente a necessidade de promover um ambiente concorrencial em segmentos historicamente submetidos a forte regulação. Assim, em contraste com as jurisdições maduras, os late comers em defesa da concorrência acentuaram a convergência do antitruste com a regulação”.[17]

A empresa estatal, portanto, deve ser vista como apenas mais um dos agentes atuantes na economia (salvo quando detiver o monopólio em alguma área, o que, no entanto, não afastará a sua obrigação de desempenhar efetivamente suas atividades), sem quaisquer benesses e sem qualquer prerrogativa de ação em sentido contrário aos interesses da própria empresa. Trata-se de veículo concebido pelo constituinte para dar curso a uma atividade, devendo tal atividade ser prestada com efetividade e excelência, sem que se aproveite da criação da estatal para levar a efeito outras políticas públicas, ainda que guardem relação direta ou indireta com a atividade realizada.

Para o efeito de promover políticas públicas, o Estado tem a seu dispor múltiplas alternativas regulatórias, muitas das quais já foram inclusive anteriormente mencionadas, no âmbito de sua função de planejador, incentivador e regulador da economia. De fato, o Estado pode, tanto diretamente como através de suas agências, exercer a função normativa e formular políticas públicas por meio da edição de atos normativos, assim como garantir que tais políticas sejam observadas mediante o exercício de seu poder de política e da função jurisdicional (ou judicante, como se costuma dizer no caso das agências reguladoras).

O Estado tem, ainda, diversos outros mecanismos para agir na implementação de políticas setoriais, como, por exemplo, mediante o fomento de determinada atividade ou setor e por meio de isenções fiscais, que podem contribuir para impulsionar os agentes beneficiados pela medida.

O que se verifica, portanto, é que não faltam ao Poder Público ferramentas para promover e implementar políticas públicas em setores considerados estratégicos da economia. A criação e condução de empresas estatais para essa finalidade, porém, não é uma dessas ferramentas, sendo prerrogativa destinada a finalidade diversa, e bastante mais específica do que esta, repita-se: o desenvolvimento de certa atividade econômica ou serviço público considerado necessário “aos imperativos de segurança nacional” ou a “relevante interesse coletivo”.

Nesse mesmo sentido, mas para abordar a questão do uso de empresas estatais para fins de planejamento econômico, convém citar o exemplo da Empresa de Planejamento e Logística S.A/EPL, empresa pública criada pela Lei nº 12.743/2012 (que alterou outras normas e modificou a denominação social da antiga Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade S.A – ETAV).

Como esclarece EGON BOCKMANN MOREIRA, a EPL acabou por receber um “gigantesco arcabouço de atribuições executivas e regulatórias”[18], como se verifica do objeto descrito no art. 3º da Lei nº 12.404/2011, com a redação que lhe foi dada pela citada Lei nº 12.743/2012, que aponta como atribuições da EPL: (i) planejar e promover o desenvolvimento do serviço de transporte ferroviário de alta velocidade de forma integrada com as demais modalidades de transporte, por meio de estudos, pesquisas, construção da infraestrutura, operação e exploração do serviço, administração e gestão de patrimônio, desenvolvimento tecnológico e atividades destinadas à absorção e transferência de tecnologias; e (ii) prestar serviços na área de projetos, estudos e pesquisas destinados a subsidiar o planejamento da logística e dos transportes no País, consideradas as infraestruturas, plataformas e os serviços pertinentes aos modos rodoviário, ferroviário, dutoviário, aquaviário e aeroviário.

Exemplo semelhante de criação de empresa pública para fins regulatórios, essencialmente de planejamento, foi a criação da Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural – Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), a qual tem por objeto, nos termos do art. 5º de seu Estatuto, anexo ao Decreto nº 8.063/2013, a gestão dos contratos de partilha de produção celebrados pelo Ministério de Minas e Energia e a gestão dos contratos para a comercialização de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos da União.

Se, por um lado, manifestamo-nos contrariamente à utilização de empresas estatais para a promoção de políticas públicas, por outro lado não vemos óbice a que o Estado lance mão de tal modelo organizacional para o fim de planejar determinado setor ou atividade econômica. Isso porque o óbice já acima suscitado no que diz respeito à restrita autorização contida no art. 173 da Constituição Federal não se aplica a essa segunda função usualmente atribuída às empresas estatais.

Na medida em que o Estado tem autorização para explorar diretamente atividades econômicas consideradas de relevante interesse coletivo, pode-se entender que a exploração de tais atividades compreende não só a sua realização – isto é, a prestação da atividade em si –, como também o planejamento da atividade e a tomada de medidas necessárias ao seu desenvolvimento pelo Estado. Idealmente, a nosso ver, tais atividades de planejamento, gestão ou consultoria devem ser congregadas em torno de empresa criada especificamente para esse fim, e não da mesma empresa que executará a atividade correlata. Essa separação de funções permitiria que tais empresas criadas especificamente para funções de planejamento atuem como verdadeiras consultoras, igualmente observando as premissas defendidas para empresas estatais, ou seja, a atuação pautada pelo princípio da eficiência e visando ao lucro, no caso de sociedades de economia mista.

Demais disso, ao criar empresa estatal para atividades de planejamento, não estaria o Estado a descumprir, nem tampouco alargar, a autorização contida no art. 173 da Constituição Federal, desde que conste expressamente da respectiva lei de criação, e de seu estatuto social, o objeto da empresa, como ocorreu nos casos da EPL e da PPSA, acima descritos. Afinal, referida função – a de oferecer serviços de planejamento, gestão ou consultoria (com pesquisas, estudos, projetos etc.), por exemplo – não deixa de ser uma atividade econômica em sentido amplo, em que se compreendem tanto as atividades econômicas em sentido estrito como os serviços públicos.

Como não poderia ser diferente, a teor do art. 174 da Constituição Federal, o planejamento não é mandatório, mas meramente indicativo, para a iniciativa privada, sendo pertinente a ressalva feita por MARCOS JURUENA VILLA SOUTO quanto ao particular:

“O Estado contemporâneo não deve assumir atividades sem antes consultar a iniciativa privada e a sociedade acerca da sua disponibilidade de meios para desempenhar novas funções. O princípio da livre iniciativa impõe dois subprincípios, o da abstenção e o da subsidiariedade. O da abstenção, por força do qual o Estado deve se abster de exercer atividades econômicas, ressalvadas as hipóteses de relevante interesse coletivo ou imperativo de segurança nacional, e o da subsidiariedade que, portanto, autoriza, nessas duas circunstâncias, a presença do Estado. Antes de haver caracterizado essa relação de subsidiariedade, o Estado deve oferecer o segmento que ele pretende desenvolver à iniciativa privada. E o faz, normalmente, com uso dos instrumentos de fomento, já que o planejamento vai representar um comando seguido de uma sanção para se obter o atendimento desse comando. Essa sanção não é necessariamente a sanção negativa, penalidade, mas a sanção positiva, incenteivo para a atividade prevista no comando.”[19]

Assim, feitas as ressalvas de que (i) o planejamento, como dispõe o texto constitucional, é meramente indicativo para o particular e (ii) empresas criadas com tal finalidade também estão sujeitas ao mesmo regime jurídico e princípios de Direito Administrativo que impõem a prestação do serviço de maneira eficiente e profissional, em modelo próximo ao da iniciativa privada, não enxergamos óbice à criação de empresas estatais para auxiliar no planejamento para a exploração de determinada atividade ou para a gestão de contratos pertinentes a tal atividade.

Há que se atentar, contudo, para que a empresa não tenha por finalidade exercer um planejamento setorial, ou seja, definir diretrizes e políticas oponíveis a todo um setor da economia. Se fosse essa a hipótese, estar-se-ia, aí sim, desvirtuando o comando do art. 173 da Constituição, eis que a empresa estatal não estariam mais exercendo atividade de planejamento ou gestão de uma determinada atividade, mas de todo um setor, o que não é autorizado pelo aludido dispositivo constitucional.

O planejamento setorial (aquele que desborde dos limites de uma única atividade), com efeito, deve ser promovido por meio de algum dos outros mecanismos disponibilizados ao Estado, tais como aqueles listados por SÉRGIO GUERRA em passagem já acima transcrita, notadamente as agências reguladoras ou autarquias comuns.

Por fim, analisemos a possibilidade de as empresas estatais exercerem poder de polícia, isto é, assumirem funções de fiscalização e sanção. A doutrina se divide quanto ao particular, havendo posicionamentos tanto favoráveis como contrários ao exercício do poder de polícia[20] pelas estatais.

Um dos principais defensores de tal possibilidade é GUSTAVO BINENBOJN, que sustenta que:

“(…) a atuação coordenada do Estado com pessoas privadas (sejam elas estatais ou não) na realização de atos tendentes à restrição da propriedade e das liberdades exsurge, hoje, como solução institucional justificada tanto pela realidade fática (que desnuda as diversas limitações da esfera pública) como pela tendência de maior consensualidade. O fato de pessoas privadas perseguirem o lucro não é um impeditivo a tanto. A preocupação, em cada caso, deve ser com a implementação de anteparos institucionais capazes de evitar desvios e assegurar a eficiência. O poder de polícia deve ser exercido pela estatal em atenção às finalidades públicas que a orienta, e não como artifício para a maximização de seu lucro”.[21]

Filiamo-nos, porém, ao entendimento de JOSÉ VICENTE SANTOS DE MENDONÇA, que, embora o admita, condiciona o exercício do poder de polícia a estatais que cumpram alguns requisitos, a saber: (i) não convivência de capital público e privado (excluindo-se, pois, as sociedades de economia mista); (ii) impossibilidade de se delegar tal prerrogativa a sociedades que atuem em regime concorrencial na economia (abrangendo, portanto, apenas as prestadoras de serviços públicos); (iii) acidentalidade em relação à prestação de serviços públicos (ou seja, o objeto da empresa não pode ser o exercício do poder de polícia).[22]

Dos três requisitos acima elencados, apenas o primeiro deles não nos parece ser de todo intransponível. Embora seja, sem dúvida, relevante a preocupação quanto ao conflito de interesses entre capital público e privado nessa seara – não se podendo, portanto, qualificar como indevida a ressalva feita pelo citado autor –, o estabelecimento de normas que condicionem a atuação da empresa e de práticas de governança corporativa a ela aplicáveis podem vir a evitar a má utilização da sociedade.

No mais, realmente, não nos parece viável cogitar da delegação de poder de polícia, e das prerrogativas correlatas a tal função pública, a uma sociedade que atue em regime concorrencial e pretenda competir em igualdade de condições com as demais concorrentes. Seria, a nosso ver, atribuir vantagem extremamente desigual a um dos competidores, colocando em posição privilegiada em relação aos demais. Tampouco parece haver margem para a criação de empresa com a finalidade específica de exercer o poder de polícia, pelas mesmas razões já anteriormente expostas: dado que o exercício de tal função estatal não é uma atividade econômica em si, não há que se falar na criação de empresa estatal para esse fim, pois tal medida indubitavelmente desbordaria dos limites estabelecidos pelo permissivo constitucional estatuído no art. 173 da Constituição Federal.

Assim é que, embora não se descarte de antemão o exercício de poder de polícia, concordamos com JOSÉ VICENTE SANTOS DE MENDONÇA quando o autor aponta a necessidade de se adotar algumas cautelas à forma de atuação das empresas estatais nesse particular, inclusive como forma de preservar o modelo de regulação para concorrência que inspirou as reformas econômicas iniciadas na década de 1990.

  1. Considerações finais

No início do trabalho, buscou-se fazer uma brevíssima recapitulação histórica do processo de modernização pelo qual passou a organização administrativa brasileira, em linha com grande parte dos países de primeiro mundo (que já haviam vivenciado esse movimento décadas antes).

Partindo de um modelo de Estado intervencionista, baseado em mais dispêndio de recursos e maior participação estatal direta na economia (com inspiração na corrente econômica keynesiana), chegou-se ao chamado Estado regulador, transferindo-se a realização de diversas atividades econômicas à iniciativa privada, como forma de se reorganizar a participação do Estado na economia, mantendo-se tão somente a prestação de atividades e serviços considerados estratégicos. Nos demais campos, o Estado seria apenas árbitro, e não mais player, do jogo de livre mercado, com funções reguladoras, comumente exercidas por agências especializadas, e não mais por gabinetes centralizados.

Lamentavelmente, esse processo de liberalização foi interrompido na última década, sendo de se esperar, porém, que seja retomado no curto prazo, dadas as mudanças no governo federal e na condução da política econômica que se avizinham.

De fato, desde que assumiu decisivamente a função de regulador, o Estado brasileiro tem se valido de diversos mecanismos previstos na Constituição Federal para atuar, direta ou indiretamente, no domínio econômico, dentre os quais citamos (i) a criação de agências reguladoras, autarquias em regime especial dotadas de maior especialização técnica, descentralizadas da Administração Pública e às quais se atribuiu as funções normativa (de editar normas setoriais que sejam compatíveis com as diretrizes legislativas), executiva (fiscalização, poder de política) e judicante (solução e mediação de conflitos entre agentes regulados e entre estes e o próprio Estado), (ii) as funções de planejamento, incentivo/fomento, assim como (iii) a possibilidade de exploração direta de atividade econômica necessária a imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, hipóteses que afastam o primado da livre iniciativa, no qual se funda a ordem econômica constitucional.

Há que se diferenciar, todavia, a função reguladora do Estado, mediante o uso de um dos demais mecanismos acima referidos, da intervenção direta na economia para o fim de explorar atividade econômica quando lhe seja autorizado. A criação de empresas estatais para os fins do art. 173 da Constituição Federal não se confunde com as demais formas de regulação, na medida em que a autorização contida no aludido permissivo constitucional é restritiva e específica, dizendo respeito tão somente à exploração/prestação de uma atividade econômica específica. É esse o ensejo da criação da estatal – a realização da atividade sensível –, e não a promoção de políticas públicas setoriais.

Entendimento contrário faria letra morta não só da autorização contida no art. 173 como também do regime jurídico de direito privado imposto às empresas estatais, que não podem ser exploradas contrariamente aos próprios interesses – conflito que se acentua no caso das sociedades de economia mista, nas quais a presença de capital privado exige a compensação financeira dos investidores que aportaram recursos na sociedade. Vale dizer que mesmo nas empresas públicas a gestão da estatal deve se pautar em critérios de eficiência, seja pelo princípio da eficiência, seja pela necessidade de administração responsável dos recursos públicos. Acrescente-se que, embora não se sustente que deva o Estado gerir tais empresas públicas com a finalidade de “engordar” os cofres públicos, o fato é que, ao perseguir o lucro mesmo em tais hipóteses, o Estado se torna capaz de reinvestir lucros acumulados e, com isso, aumentar a qualidade do serviço prestado.

A mesma vedação não se aplica, a nosso ver, à criação de empresas estatais para exercer atividades de planejamento, consultoria ou gestão relacionadas a uma determinada atividade econômica, mesmo porque tais serviços, em si, podem ser considerados parte integrante da mesma atividade, a autorizar que seja criada empresa para o fim de explorá-los. É importante que a atividade justificadora da criação da empresa, no entanto, guarde relação com uma única atividade econômica, e não tenha por objetivo o planejamento de todo um setor econômico, função que deve ficar a cargo de outros órgãos da Administração Pública, como as agências reguladoras ou outras autarquias, mas não de empresas estatais.

Por fim, ainda que se admita eventualmente a possibilidade de que empresas estatais, notadamente empresas públicas, exerçam a função estatal de poder de polícia, fazemos referência aos requisitos de cautela propugnados por JOSÉ VICENTE SANTOS DE MENDONÇA, com os quais concordamos – em oposição à posição de GUSTAVO BINENBOJM –, para que tal função seja realizada de modo a não gerar conflitos de interesse, nem tampouco criar privilégios para empresas que devam concorrer em pé de igualdade no mesmo setor econômico.

BIBLIOGRAFIA

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[1] NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Direito regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, 1ª edição, p. 108.

[2] MAJONE, Giandomenico. Estado regulador: causas e consequências de mudanças no modo de governança. Revista do Serviço Público/Fundação Escola Nacional de Administração Pública – Ano 50, n.1 (Jan-Mar/1999) pp. 6-36.

[3] Ibid., pp. 8-9.

[4] Sobre a “função regulatória” delegada às agências, MARCOS JURUENA VILLELA SOUTO esclarece: “O mecanismo, em apertadíssima síntese, envolve o recebimento do poder política pela autoridade eleita, com as instruções de atendimento do poder político pela autoridade eleita, com as instruções de atendimento do interesse geral (mediante o acolhimento de um determinado programa político no processo eleitoral); o agente político formula a política pública que, para atender o interesse geral, deve ser executada com eficiência; aí entra a atividade regulatória, expedindo diretrizes para a eficiente implementação da política pública sufragada. Esse o limite da função regulatória, traduzindo em comandos técnicos a orientação normativa, executiva ou judicante, para a implementação de uma política pública. Não há, pois, discricionariedade ampla na atuação dos agentes econômicos, mas mera integração técnica do comando legal que reflete uma decisão política.” (SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 37)

[5] A esse respeito, veja-se recentíssima matéria denominada “Estatais ‘petistas’ acumulam rombo de R$ 8 bi em 13 anos”, publicada em 15 de agosto de 2016 no Valor Econômico, que cita estudo que aponta a criação de 41 empresas estatais entre 2003 e 2015, que acumulam prejuízo de cerca de 8 bilhões de reais.

[6] É oportuno, para os fins deste trabalho, o conceito empregado por EDUARDO NERY, segundo o qual “a regulação, a partir do estudo contínuo da transformação dos fatores sociais e culturais, ambientais e tecnológicos, e das dinâmicas e incertezas que neles se manifestam e se desenvolvem, estabelece as condições e/ou orienta a criação de arranjos institucionais que determinam as estruturas funcionais e as relações que as regem, em lógicas econômicas, às vezes não econômicas, que constituem os modos de produção e de prestação de serviço, o comércio e a organização de trocas, o investimento direto, os fluxos financeiros, entre outras formas de atuação de uma sociedade ou das sociedades, em ambientes de mercado.” (NERY, Eduardo. Teoria da regulação. In: Mercados e Regulação de Energia Elétrica [coordenação: Eduardo Nery]. Rio de Janeiro: Interciência, 2012, p.1)

[7] As falhas de mercado clássicas são o monopólio, a assimetria de informações, as externalidades e os bens públicos. Tais fenômenos são tratados na literatura econômica como “a incapacidade que alguns mercados não regulamentados têm de alocar recursos com eficiência. Quando os mercados falham, a política pública pode, em alguns casos, solucionar o problema e aumentar a eficiência da economia.” (MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia (tradução da 5ª edição norte-americana). São Paulo: Cengage Learning, 2012, p. 151)

[8] GUSTAVO BINENBOJM, ao tratar do viés social da regulação, oferece três principais finalidades: “(i) gerir problemas de coordenação coletiva; (ii) promover a inclusão no mercado de grupos minoritários socialmente excluídos ou historicamente discriminados; e (iii) proteger interesses intergeracionais.” (BINENBOJM, Gustavo. Poder de polícia, ordenação, regulação: transformações político-jurídicas, econômicas e institucionais do direito administrativo ordenador. Belo Horizonte: Fórum, 2016, 1ª edição, p. 193)

[9] GUERRA, Sérgio. Regulação estatal sob a ótica da organização administrativa brasileira. In: Regulação no Brasil: uma visão multidisciplinar [organizador: Sérgio Guerra]. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014, p. 364.

[10] A par da regulação exercida pelo Estado, não se pode olvidar, ainda, da autorregulação, por meio da qual entidades privadas (ANBIMA, BM&FBOVESPA etc.) ou associações de classe (OAB e outros conselhos profissionais), por exemplo, estabelecem normas e regulamentos aplicáveis a seus membros. A autorregulação ou regulação privada, contudo, não nos interessa para o exame a ser empreendido no trabalho.

[11] GUERRA, Sérgio. Op. Cit., pp. 368-369.

[12] Aqui esclarece MARCOS JURUENA VILLELA SOUTO que “[c]omo a criação de uma estatal é entendida como uma intervenção regulatória (executiva), tal ato deve ser motivado (no planejamento) e resultar de uma ponderação acerca do benefício dessa intervenção ser maior que aquele decorrente da imposição da regulação normativa. Destarte, não há liberdade ao chefe do Poder Executivo para, no exercício da função de direção, propor leis que, despidas de qualquer critério, fixem um conceito casuístico de interesse público ou segurança nacional, o que só pode ocorrer no planejamento econômico, em que seja respeitada a opção fundamental (CF, art. 1º, IV) pela livre iniciativa.” (SOUTO, Marcos Juruena Villela. Op. Cit., p. 101)

[13] Como defende MARIO ENGLER PINTO JUNIOR, para quem “a intervenção por meio da empresa estatal pode contribuir para implementar políticas públicas que visam atender aos direitos fundamentais da pessoa humana, considerados como dever constitucional do estado, além de condicionar o comportamento de agentes privados, buscando o alinhamento com os objetivos prestigiados pela ordem econômica e social.” (PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa estatal: função econômica e dilemas societários. São Paulo: Atlas, 2013, 2ª edição, p.5)

[14] Conforme o entendimento de MARCOS JURUENA VILLELA SOUTO já acima transcrito na nota 11.

[15] A esse respeito, vide: BINENBOJM, GUSTAVO. Op. Cit., p. 272 e ss.

[16] Op. Cit., p. 5.

[17] OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João Grandino. Direito e economia da concorrência. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 142.

[18] MOREIRA, Egon Bockmann. Qual é o futuro do direito da regulação no Brasil?. In: Direito da regulação e políticas públicas [organizadores: Carlos Ari Sundfeld e André Rosilho]. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 135.

[19] SOUTO, Marcos Juruena Villela. Op. Cit. pp. 98-99.

[20] JOSÉ VICENTE SANTOS DE MENDONÇA procura definir o poder de polícia da seguinte forma: “Num esforço de síntese, pode-se dizer que o dever-poder administrativo consistente na imposição, em prol do interesse público, de restrições, limitações e/ou condicionamentos à conduta do particular o poder de polícia é o dever-poder administrativo consistente na imposição, em prol do interesse público, de restrições, limitações e/ou condicionamentos à conduta do particular. Há quem diga que também é poder de polícia a atividade de formular normativamente tais restrições, por intermédio de lei ou de ato administrativo normativo. Este seria um sentido amplo de poder de polícia (Carvalho Filho, 2008:69-70). O sentido estrito e mais usual da expressão seria o ato de fiscalizar condutas privadas, anuir previamente a elas (quando houvesse previsão legal disso) e, eventualmente, interditá-las, confiscar bens e/ou aplicar multas pecuniárias. Comparando-a com a segunda atividade administrativa do Estado, cronologicamente falando, que é a prestação de serviços públicos, a polícia assumiria feição negativa: ela restringiria, condicionaria, limitaria; ao passo que os serviços públicos possuiriam conteúdo positivo, já que consistiriam no oferecimento de utilidades ou de comodidades a seus usuários.” (MENDONÇA, José Vicente Santos de. Estatais com poder de polícia: por que não?. In: Revista de Direito Administrativo, v. 252, 2009, p.99)

[21] BINENBOJM, GUSTAVO. Op. Cit., pp. 276-277.

[22] MENDONÇA, José Vicente Santos de. Op. Cit., p.112.