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28/05/2025 -

Administrador de empresa e riscos climáticos

Valor Econômico

Natalie Sequerra

Há espaço para refletir sobre em que medida e sob quais circunstâncias essa responsabilização poderia se estabelecer diante das novas demandas regulatórias e sociais

A intensificação da litigância climática já não é novidade. Uma análise publicada pela Oil Change International e pela Zero Carbon Analytics em setembro de 2024 revela que os litígios climáticos contra empresas de combustíveis fósseis praticamente triplicaram a cada ano desde o Acordo de Paris (2015). O que chama a atenção, no entanto, são os casos que buscam responsabilizar pessoalmente administradores pelos riscos climáticos das empresas nas quais atuam.

O primeiro caso dessa natureza de que se tem notícia ocorreu na Inglaterra, em 2023, quando conselheiros de uma das principais empresas de óleo e gás do mercado foram processados individualmente sob a alegação de que a estratégia climática da empresa gerava riscos financeiros e operacionais significativos. Tanto o Tribunal de Apelação quanto o Tribunal Superior da Inglaterra rejeitaram a ação.

Em maio de 2024, surgiu o segundo caso. Três ONGs e oito indivíduos apresentaram queixa-crime em Paris contra o CEO e conselheiros de outra grande petroleira. As acusações incluem exposição deliberada de terceiros a risco de vida, homicídio culposo, negligência na gestão de desastres e danos à biodiversidade – crimes que, se comprovados, podem levar a penas de prisão e multas. Os demandantes alegam que o CEO, os conselheiros da empresa e os principais acionistas têm responsabilidade preponderante, dado o papel que desempenham nas decisões estratégicas da companhia.

Ao direcionar suas ações contra indivíduos, e não apenas contra as empresas, os casos da Inglaterra e de Paris refletem uma estratégia mais ampla dentro da litigância climática. Nesse cenário internacional de crescente tentativa de responsabilização de administradores, surge a questão: como a legislação brasileira lidaria com casos semelhantes?

Em tese, e a depender de circunstâncias específicas, a Lei das S.A. (nº 6.404/76), entre outros normativos, poderia oferecer fundamento para um pleito semelhante. A Lei das S.A. estabelece que (i) “o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa” (artigo 154), devendo atuar com cuidado e diligência (artigo 153).

Tradicionalmente, a doutrina e os tribunais brasileiros tendem a afastar a culpa do administrador que tenha agido de boa-fé e dentro do seu dever de lealdade, já que sua obrigação é considerada de meio, e não de resultado. Esse entendimento está alinhado com o parágrafo 6º do artigo 159 da Lei das S.A., segundo o qual “o juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia”.

Dessa forma, uma ação de responsabilidade contra um administrador sob a alegação de que ele deixou de adotar medidas para garantir a transição energética, ou até mesmo para evitar desastres ambientais a longo prazo, enfrentaria desafios à luz do entendimento tradicional sobre o tema.