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O cumprimento da sentença cível na interpretação do Superior Tribunal de Justiça: três temas polêmicos

Revista Renovar v. 42 – setembro/dezembro 2008, p. 41-64

Alexandre Abby[1]

André Luís Monteiro[2]

 

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. As primeiras decisões do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria. 2.1. O direito intertemporal na incidência da multa do art. 475-J do estatuto processual. 2.2. O termo a quo de fluência do prazo para cumprimento voluntário da sentença cível. 2.3. O cabimento de honorários advocatícios no cumprimento da sentença cível. 3. Conclusão.

 

Resumo: No presente texto, procura-se analisar os primeiros precedentes do Superior Tribunal de Justiça em matéria de cumprimento de sentença, cotejando-se a conclusão dos julgados com as diversas correntes doutrinárias que se formaram a partir da promulgação da Lei nº 11.232/2005. A análise concentra-se em três relevantes temas: (i) o direito intertemporal na incidência da multa do art. 475-J do estatuto processual, (ii) o termo a quo de fluência do prazo para cumprimento voluntário da sentença cível e (iii) o cabimento de honorários advocatícios no cumprimento da sentença cível.

 

Palavras-chave: Nova execução de sentença – Superior Tribunal de Justiça – Direito intertemporal – Multa – Honorários advocatícios.

 

 

  1. INTRODUÇÃO.

 

É famosa na literatura jurídica nacional, bem como no meio especializado de outros tantos países, a assertiva do jurista italiano Giuseppe Chiovenda no sentido de que “il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha un diritto tutto quello e proprio quello ch’egli ha diritto di conseguire”[3].

Para alcançar este fim, deve-se compreender na lição do renomado processualista tanto a atividade cognitiva quanto a atividade executiva. Afinal, como lecionam três dos nossos maiores processualistas, “a função jurisdicional não se limita à emissão de sentença, através do processo de conhecimento. Além de formular concretamente a regra jurídica válida para a espécie, é necessário atuá-la, modificando a situação de fato existente para adaptá-la ao comando emergente da sentença”[4]. Até porque, como aduz Andrea Proto Pisani, “da solo il processo di cognizione è incapace, per adoperare una espressione di Carnelutti, di adeguare il diritto al fatto, di ridurre le parole ai fatti”[5].

É justamente no momento de fazer atuar, no mundo dos fatos, a regra contida na sentença que surgem os maiores entraves à realização dos escopos do processo[6]. E, nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, “enquanto perdurar a insatisfação do credor, mesmo tendo sido reconhecido como tal, o conflito permanece e traz em si o coeficiente de desgaste social que o caracteriza, sendo também óbice à felicidade da pessoa”[7]. Não é exagero dizer, acrescente-se, que o credor insatisfeito na prática, ainda que tenha seu direito reconhecido na sentença, transfere parte do rancor contra o devedor para o Poder Judiciário, estabelecendo, aí sim, uma verdadeira crise social.

Atento à questão, José Carlos Barbosa Moreira, já em 1982, se referindo à execução forçada da sentença condenatória, afirmava que “tal solução revela-se, com freqüência, pouco satisfatória”[8]. Mais recentemente, o eminente Ministro Luiz Fux, ciente do problema e ao comentar a recente reforma da execução no País, chegou a dizer que “a sentença condenatória, apesar do nomen juris, representava um ‘nada jurídico’, posto seguida por um processo frustrante, como se revelava a execução do julgado”[9].

Diante disso, importantes setores da sociedade civil, capitaneados pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual e pela Escola Nacional da Magistratura, elaboraram diversos projetos de lei, valendo destacar, dentre eles, um tratando exatamente da chamada execução de obrigação de pagar quantia certa fundada em título judicial. A reforma da execução, pois, representava a pedra de toque na busca da efetividade no sistema processual brasileiro. Aliás, a reforma da execução, décadas antes, já estava incluída naquilo que José Carlos Barbosa Moreira chamou de “programa básico da campanha em prol da efetividade”[10].

Assim, a Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, epigrafada sob o nomen juris de “cumprimento das sentenças”, veio a lume e emprestou caráter auto-executável às condenações por quantia certa contra devedor solvente, de sorte que a realização prática da sentença passou a se operar em continuação à relação de cognição[11]. Em outras palavras, a partir da nova lei, a execução de obrigação de pagar quantia certa passou a se realizar no mesmo processo em que a sentença foi proferida. Não há mais a dualidade do processo de conhecimento e do processo de execução, mas apenas fases de um mesmo processo sincrético, em que aos atos da fase de conhecimento se seguem os atos da fase executiva, sem solução de continuidade.

Evidentemente que esta inovação legislativa provocou, na doutrina e na jurisprudência, como não poderia deixar de ser, um intenso debate, recheado de posições antagônicas. A divergência chegou recentemente ao Superior Tribunal de Justiça, que, na sua missão constitucional de uniformizar a interpretação do direito federal, já proferiu relevantes decisões sobre a matéria, correspondentes a três dos mais polêmicos pontos da referida reforma da execução: (i) o direito intertemporal na incidência da multa do art. 475-J do estatuto processual, (ii) o termo a quo de fluência do prazo para cumprimento voluntário da sentença cível e (iii) o cabimento de honorários advocatícios no cumprimento da sentença cível.

Ainda não se pode dizer, a toda evidência, que já há jurisprudência daquela Corte de Justiça sobre todos os três temas. Afinal, conforme bem lembra o saudoso Professor Miguel Reale, “o Direito jurisprudencial não se forma através de uma ou três sentenças, mas exige uma série de julgados que guardem, entre si, uma linha essencial de continuidade e coerência”[12]. Não obstante, é importante reconhecer que essas decisões constituem precedentes da mais alta corte do País em matéria federal, que serão observados[13], apesar de não vinculantes, pelos tribunais e juízos inferiores com intensidade digna de nota[14], notadamente quando emanadas de sua Corte Especial.

Como se verá, todas estas considerações são fundamentais para análise dos relevantes precedentes do Superior Tribunal de Justiça a respeito da nova execução no processo civil brasileiro. Alguns deles amparados na doutrina majoritária, outros não. E aí está um ponto fundamental. Afinal, “nada mais prejudicial a um país do que o descompasso ou o divórcio entre aquilo que é afirmado pela doutrina e é prolatado pelos tribunais”[15]. É o que se passa a examinar, sem pretensões óbvias de esgotar o tema, mas sim com o desejo, confessado e desvanecido, de estimular saudável debate.

 

 

  1. AS PRIMEIRAS DECISÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SOBRE A MATÉRIA.

 

2.1. O direito intertemporal na incidência da multa do art. 475-J do estatuto processual.

 

Dentre as mencionadas questões referentes à nova execução de títulos judiciais, a primeira a ser abordada neste ensaio diz respeito ao direito intertemporal ou direito transitório, que representa, nas pertinentes palavras de Alexandre Freitas Câmara, “tema dos mais complexos de toda a ciência jurídica”[16]. No caso, trata-se de saber a partir de que momento os novos dispositivos do “cumprimento de sentença” passam a incidir sobre os fatos do processo, notadamente os praticados em processos em curso.

Mais especificamente, e restringindo o objeto deste trabalho a caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, as perguntas carentes de respostas são as seguintes: seria possível a aplicação da multa do art. 475-J do estatuto processual caso a sentença exeqüenda tivesse sido proferida antes da alteração legislativa? E se, apesar disso, o trânsito em julgado somente tivesse ocorrido sob a nova sistemática processual? Qual seria a resposta caso se considerasse que o devedor ainda não havia sido citado para, em vinte e quatro horas, pagar ou oferecer bens à penhora, na forma da redação anterior do art. 652 do estatuto processual[17]?

A questão é deveras complexa e sempre provoca enormes dificuldades práticas, quase nunca afastadas pela mera leitura do art. 1.211 do Código de Processo Civil[18], único dispositivo do estatuto processual dedicado à matéria, e pelas conhecidas lições de que “a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito” (art. 5º, XXXVI, da Constituição da República) e de que “a lei em vigor terá efeito imediato” (art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil).

Alguns poderiam pensar que a resposta está simplesmente no sistema do isolamento dos atos processuais, reconhecidamente adotado pelo ordenamento processual brasileiro[19], em detrimento do sistema da unidade processual[20] e do sistema das fases processuais[21]. Segundo o mencionado sistema, “a lei nova não atinge os atos processuais já praticados, nem seus efeitos, mas se aplica aos atos processuais a praticar, sem limitações relativas às chamadas fases processuais”[22].

Ocorre que, na prática, nem sempre é tão fácil isolar o fato processual e, mais do que isso, saber a extensão de seus reflexos imediatos. E essa relação entre o fato processual e seus reflexos imediatos é fundamental para a problemática do direito intertemporal. Afinal, os reflexos do fato processual são regidos pela lei que disciplina o próprio fato, ainda que estes reflexos se protraiam no tempo para além da vigência das leis. Em outras palavras, pode-se dizer que os reflexos imediatos de determinado fato processual, não obstante representem manifestações externas, são próprios daquele fato e seguem a normativa jurídica que lhe é própria.

Essa é a lição de Francesco Carnelutti, em seu Sistema di Diritto Processuale Civile:

 

“(…) la chiave per la soluzione delle questioni qui considerate in materia processuale come in qualunque altra materia, sta nello stabilire nettamente il rapporto tra il fatto compiuto sotto il dominio della legge anteriore e l´effetto o gli effetti giuridici della cui produzione si discute. Tutti e soltanto gli effetti chi la norma giuridica attribuisce a un fatto compiuto sotto il suo dominio si mantengono malgrado il mutuamento della legge medesima”[23].

 

Com efeito, de nada adiantará saber que “quanto às alterações no procedimento, vigora a regra da aplicação imediata da lei nova, respeitados os atos já praticados”[24], se não se compreender os momentos de constituição e extinção do fato processual, bem como, e principalmente, os reflexos imediatos dele decorrentes[25]. Nesse sentido, dando destaque aos reflexos imediatos do fato processual, Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina afirmam que “se ao abrigo de uma lei – que vem a ser revogada – ocorreram todos os fatos normativamente previstos para a incidência dessa lei, é ela que deve incidir até que ocorram no mundo empírico o último reflexo ou efeito do ato inicial[26].

É o clássico exemplo da lei que rege o recurso. José Carlos Barbosa Moreira leciona que “o princípio fundamental, na matéria, é o de que a recorribilidade se rege pela lei em vigor na data em que foi publicada a decisão” [27]. Assim é que, ainda que lei superveniente venha a reduzir o prazo recursal, a nova lei não se aplica aos recursos interponíveis contra decisões publicadas anteriormente à alteração legislativa, mesmo que o prazo ainda não tenha se esgotado[28]. Isto se dá porque o recurso – prazo, forma e procedimento – é um reflexo imediato da decisão recorrida (ou melhor, da recorribilidade), razão pela qual deve reger-se pela lei que a disciplina.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado à fluência do prazo para cumprimento voluntário da sentença cível. A fluência do prazo é um reflexo imediato de um determinado fato processual. Cumpre, então, desvendar qual é esse fato processual que lhe dá origem, para aí sim identificar a lei que os rege. A lição que não pode ser esquecida é a seguinte: os reflexos imediatos de determinado fato processual, não obstante representem manifestações externas, são próprios daquele fato e seguem a normativa jurídica que lhe é própria. A lei que rege o fato processual rege também todos os seus reflexos imediatos.

Em verdade, muito além das regras do art. 1.211 do Código de Processo Civil, art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil e art. 5º, XXXVI, da Constituição da República, a matéria deve ser também examinada à luz da teoria geral do direito, das regras de superdireito – isto é, “normas sobre a aplicação do direito”[29] ou “normas sobre como as normas se aplicam”[30] – e dos princípios gerais de direito.

Destaque-se, preliminarmente, que o objeto desta discussão, como é fácil intuir, está limitado aos processos pendentes, isto é, àqueles em que a demanda já foi ajuizada, mas a parte ainda não teve seu direito satisfeito na prática, no mundo dos fatos. Em relação aos processos findos[31] e aos processos futuros[32], a questão se apresenta mais simples. Como se verá abaixo, a doutrina especializada adotou diferentes caminhos para resolver esse problema, dividindo-se em três correntes, cada qual relacionada a um referencial – fato processual – diverso: (i) data da prolação da decisão, (ii) data do trânsito em julgado e (iii) data da intimação do devedor.

Analisando o momento a partir do qual poderia incidir o art. 475-J do Código de Processo Civil aos processos em curso, Araken de Assis afirma que “o prazo de quinze dias somente flui para as sentenças já proferidas na vigência da lei nova. Sem tal interregno, não há como penalizar o condenado”[33]. No mesmo sentido, é a lição do Ministro Athos Gusmão Carneiro:

 

“Os processos de execução que se encontravam pendentes em juízo quando da entrada em vigor da lei nova, dia 24 de junho de 2006, continuam a reger-se pelas normas processuais anteriores, inclusive tendo em vista que a lei nova introduziu alterações substanciais ao procedimento relativo ao cumprimento das sentenças. (…) Observemos, todavia, que a cominação de multa, caso o pagamento não seja feito nos quinze dias do tempus judicati, não incidirá relativamente às sentenças proferidas antes da entrada em vigor da lei nova”[34].

 

Como se vê, Araken de Assis e Athos Gusmão Carneiro utilizam como referencial – fato processual – o momento da prolação da sentença, o que, salvo melhor juízo, deve ser entendido como o momento da prolação da última decisão de mérito no processo, operada a substitutividade de que trata o art. 512 do estatuto processual. Assim, a lei em vigor no momento da prolação da decisão seria aquela que deveria reger o cumprimento voluntário da sentença e, por conseguinte, a incidência da multa do art. 475-J do Código de Processo Civil, pois a fluência do prazo para cumprimento voluntário não seria nada mais do que o reflexo imediato da prolação da decisão.

Em sentido diverso, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira considera que “a multa introduzida pelo art. 475-J só pode ser aplicada se o trânsito em julgado da sentença condenatória (…) ocorreu depois da vigência da nova lei, dado o seu caráter penitencial”[35]. Assim, no entendimento do ilustre professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o referencial – o fato processual – para análise do direito intertemporal seria o trânsito em julgado da decisão. Isto significa que a lei em vigor no momento do trânsito em julgado seria a que deveria reger o cumprimento voluntário da sentença e, em conseqüência, a incidência do art. 475-J do estatuto processual.

Alexandre Freitas Câmara, por seu turno, assume outra posição, defendendo que o referencial – fato processual – para aplicação do novo dispositivo legal seria a intimação pessoal do devedor a respeito do início da execução, pouco importando a data da prolação da última decisão de mérito ou a data do trânsito em julgado. Confira-se a lição do destacado processualista:

 

“Se a execução já tiver sido pleiteada, mas o executado ainda não tiver sido citado, deverá o juiz, de ofício, deliberar pela mudança de rumo do feito, determinando a intimação do executado para pagar em quinze dias, na forma do disposto no art. 475-J, aplicando-se, daí por diante, o novo regime”[36].

 

Dessa forma, ainda que a última decisão de mérito e o trânsito em julgado tenham ocorrido antes da entrada em vigor da nova lei, a multa prevista no novo dispositivo legal, segundo o referido doutrinador, seria exigível ainda assim se o devedor fosse intimado para cumpri-la após o início da vigência da Lei nº 11.232/2005. O fato processual, nesse caso, seria a intimação do devedor, da qual decorreria – como seu reflexo imediato – a fluência do prazo para cumprimento voluntário. Em termos objetivos, segundo seu entendimento, a lei em vigor no momento da intimação do devedor seria a lei que deveria reger o início da execução e, conseqüentemente, a incidência da multa prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil.

O Superior Tribunal de Justiça enfrentou o tema no Recurso Especial nº 962.362/RS, julgado pela Terceira Turma na sessão do dia 06.03.2008, na qual votaram os Ministros Humberto Gomes de Barros, Ari Pargendler e Sidnei Beneti. O julgado unânime adotou, expressamente, a posição do Professor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Transcreva-se a ementa do relevante precedente:

 

“A multa do Art. 475-J do CPC não se aplica às sentenças condenatórias transitadas em julgado antes da vigência da Lei 10.232/2005 por simples falta de previsão legal à época. As leis processuais têm aplicação imediata, mas não incidem retroativamente” (STJ, 3ª T., REsp. nº 962.362/RS, Min. Humberto Gomes de Barros, D.J. de 24.03.2008).

 

O Superior Tribunal de Justiça considerou como referencial para incidência da multa prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil o trânsito em julgado da decisão. O trânsito em julgado, pois, restou considerado como o fato processual relevante, do qual decorre, como seu reflexo imediato, a fluência do prazo para cumprimento voluntário. Em outras palavras, na forma do decidido pela mencionada Corte de Justiça, a lei em vigor no momento do trânsito em julgado – fato processual – regeria o cumprimento voluntário da decisão e, em conseqüência, a incidência da multa prevista no art. 475-J do estatuto processual – reflexo imediato.

A posição assumida pelo Superior Tribunal de Justiça, apesar de eventualmente causar alguma confusão prática quanto ao perfeito entendimento do momento do trânsito em julgado, é condizente com sua interpretação a respeito da fluência do prazo de quinze dias para cumprimento voluntário da obrigação. Isso porque, como se verá em detalhes no próximo item, o referido Tribunal Superior considerou, em outra decisão, que “o termo inicial dos quinze dias previstos no art. 475-J do CPC deve ser o trânsito em julgado da sentença[37].

Veja-se que, sob o risco de ofender a lógica jurídica, não se poderia considerar, por exemplo, que a fluência do prazo para cumprimento voluntário decorreria da intimação do devedor e, ao mesmo tempo, defender que o art. 475-J do Código de Processo Civil incidiria nos processos cujo trânsito em julgado teria ocorrido após a entrada em vigor da Lei nº 11.232/2005. A relação entre o fato processual e seus reflexos imediatos é fundamental em se tratando de direito intertemporal e, assim, não pode ser ignorada.

De todo modo, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, apresentando uma visão não totalmente coincidente com o precedente anterior, considerou que “a sentença condenatória continha um efeito principal, declaratório, e um efeito secundário, que lhe habilitaria a instruir um processo de execução judicial”[38], sendo certo que agora, por força da Lei nº 11.232/2005, “o que se fez foi justamente modificar a eficácia da sentença condenatória” [39], ou seja, “em vez de ser apenas uma declaração com a eficácia anexa de produção do título executivo, a sentença condenatória é, hoje, também uma ordem”[40].

E, nessa esteira, concluiu que “a melhor medida é estabelecer que, para as execuções iniciadas antes da vigência da Lei nº 11.232/2005, competirá ao juiz da causa avaliar, com base nos dados concretos de cada processo, a viabilidade de aplicação da multa do art. 475-J[41]. Em termos objetivos, o Superior Tribunal de Justiça considerou que a alteração legislativa modificou a eficácia da sentença, bem como que seria possível aplicar a multa do art. 475-J do Código de Processo Civil às execuções iniciadas antes da alteração legislativa. Observe-se que isso significa também a possibilidade de aplicar a multa processual mesmo quando o trânsito em julgado da sentença tenha se dado anteriormente à vigência da Lei nº 11.232/2005, ao contrário do que restou entendido no primeiro precedente.

Cumpre, contudo, fazer uma breve e respeitosa reflexão. Se a Lei nº 11.232/2005 atribui uma nova eficácia à sentença – que seria a ordem determinando ao devedor o adimplemento da obrigação –, não nos parece a melhor solução aplicar essa nova eficácia a sentenças proferidas anteriormente à Lei nº 11.232/2005, pois, afinal, no momento em que tais sentenças foram proferidas não possuíam essa eficácia segundo a lei de seu tempo. Em outras palavras, a sentença é um fato processual e, como tal, somente produz os efeitos que a regra jurídica incidente ao seu tempo previa[42]. E assim ela é perfeita, é ato jurídico perfeito.

 

2.2. O termo a quo de fluência do prazo para cumprimento voluntário da sentença cível.

 

Outro ponto polêmico da reforma da execução enfrentado pelo Superior Tribunal de Justiça é o relativo ao termo a quo de fluência do prazo para cumprimento voluntário da sentença cível.

Trata-se de saber a partir de que momento se inicia o prazo de quinze dias, previsto no novo art. 475-J do Código de Processo Civil, para que o devedor cumpra a obrigação reconhecida na sentença antes da incidência da multa de dez por cento sobre o valor da condenação.

O tema suscita dúvida por não ter o referido texto legal disposto expressamente sobre qual é o termo a quo de fluência do prazo para pagamento voluntário da obrigação. E, enquanto a interpretação literal da lei não fornece resposta ao intérprete, outros métodos interpretativos fornecem caminhos até em demasia. Assim, tão logo publicado dispositivo em comento, a doutrina e a jurisprudência pátria apontaram para as mais variadas direções.

A posição mais favorável ao credor é aquela que defende a fluência do prazo para pagamento voluntário a partir do momento em que a decisão – sentença ou acórdão – se torna exeqüível, ou seja, a partir do momento em que a decisão judicial pode ser executada. Nesse sentido, Athos Gusmão Carneiro leciona que “tal prazo passa destarte automaticamente a fluir, independente de qualquer intimação, da data em que a sentença (ou o acórdão, CPC art. 512) se torne exeqüível, quer por haver transitado em julgado, quer porque interposto recurso sem efeito suspensivo”[43].

Esse entendimento, corroborado por Humberto Theodoro Júnior, para quem, o prazo legal “flui a partir do momento em que a sentença se torna exeqüível[44], também parece ser o do Ministro Luiz Fux, segundo o qual, “vencido o prazo do trânsito, se a execução for definitiva, ou transcorrido o prazo da publicação da decisão recorrível só no efeito devolutivo (e descumprida esta), inicia-se o ‘cumprimento da sentença por execução”[45].

No outro extremo, doutrinadores não menos respeitados, como José Carlos Barbosa Moreira[46], defendem, com fundamento no disposto no art. 240 do Código de Processo Civil, que, não contendo o art. 475-J do estatuto processual “disposição em contrário”, a fluência do prazo nele previsto depende da prévia intimação do devedor. Destaque-se que Cândido Rangel Dinamarco também defendeu essa posição em entrevista à Academia Brasileira de Direito Processual Civil[47]. Outros processualistas de renome comungam dessa mesma opinião, dissentindo, contudo, na forma de intimação do devedor: se pessoal ou através dos advogados constituídos nos autos.

Alexandre Freitas Câmara defende que o prazo para pagamento somente se inicia com a intimação pessoal do devedor e que, em razão do disposto no já mencionado art. 240 do diploma processual, “não pode, pois, ser aceita a idéia de fluência automática do prazo, por ser uma opinião data venia contrária à lei”. Segundo Câmara, “deve-se intimar a parte pessoalmente sempre que a finalidade da comunicação processual for provocar a prática de um ato que a ela caiba pessoalmente (como, sem qualquer dúvida, é o ato de cumprir a sentença)”[48].

Cassio Scarpinella Bueno também entende necessária a intimação do devedor, mas aduz que o ato de comunicação não precisa ser pessoal, podendo realizar-se na pessoa de seus patronos. Nas suas palavras, “intimadas as partes, por intermédio de seus advogados, de que o ‘venerando acórdão’ tem condições de ser cumprido, está formalmente aberto o prazo de 15 dias para que o ‘venerando acórdão’ seja cumprido”[49].

Como antecipado no item anterior, o Superior Tribunal de Justiça, a partir de acórdão da Terceira Turma, relatado pelo Ministro Humberto Gomes de Barros e proferido nos autos do Recurso Especial nº 954.859/RS, vem se posicionando favoravelmente à tese segundo a qual o termo inicial de fluência do prazo previsto no art. 475-J do Código de Processo Civil é o trânsito em julgado.

Confira-se, pois, a ementa do julgado unânime, que contou com o voto do Ministro Humberto Gomes de Barros e também dos Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Castro Filho:

 

“LEI 11.232/2005. ARTIGO 475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. MULTA. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA. DESNECESSIDADE. 1. A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa consuma-se mediante publicação, pelos meios ordinários, a fim de que tenha início o prazo recursal. Desnecessária a intimação pessoal do devedor. 2. Transitada em julgado a sentença condenatória, não é necessário que a parte vencida, pessoalmente ou por seu advogado, seja intimada para cumpri-la. 3. Cabe ao vencido cumprir espontaneamente a obrigação, em quinze dias, sob pena de ver sua dívida automaticamente acrescida de 10%” (STJ, 3ª T., REsp. nº 954.859/RS, Min. Humberto Gomes de Barros, D.J. de 27.08.2007)[50].

 

Esse entendimento tem sido reiterado em outros acórdãos e decisões monocráticas daquela Corte Superior[51], de modo que, não obstante a intensa discussão ainda existente na doutrina e na esfera dos tribunais de segundo grau de jurisdição, a questão, segundo nos parece, tende a consolidar-se no sentido de que no cumprimento de sentença com trânsito em julgado após a vigência da Lei nº 11.232/2005 não é necessária a intimação do devedor para efetuar o pagamento da quantia determinada na decisão.

Ocorre que, se o Superior Tribunal de Justiça já proferiu decisões suficientes a respeito da incidência da multa prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil no âmbito da execução definitiva de julgados cíveis a ponto de ser possível apontar a posição que deverá prevalecer na jurisprudência sobre o tema, o mesmo não se pode dizer quanto à multa no cumprimento provisório da sentença.

Positivamente, no que tange ao cabimento da citada multa na execução provisória ainda não é possível, até o momento em que concluído este texto, identificar um entendimento a que se possa referir como sendo aquele aceito pelo Superior Tribunal de Justiça.

É verdade que a posição da mencionada Corte a respeito da “nova” eficácia das sentenças condenatórias cíveis (sob a égide da Lei nº 11.232/2005) e da fluência do prazo da multa no cumprimento definitivo dos julgados demonstram uma certa inclinação do Tribunal no sentido de aceitar a incidência da multa também na execução provisória. Pelo menos, é este o “fenômeno” que se observa, em regra, entre os doutrinadores: aqueles que defendem que a fluência de prazo para cumprimento voluntário de sentença independe de um ato formal de intimação do devedor têm se alinhado pelo cabimento da multa na execução provisória, argumentando que a decisão desafiada por recurso sem efeito suspensivo permanece exeqüível e, conseqüentemente, continua contendo uma ordem específica e eficaz (de adimplemento da obrigação nela prevista) dirigida ao devedor.

Contudo, a discussão atinente ao cabimento da aplicação da multa na execução provisória envolve aspectos outros que não podem deixar de ser considerados e devidamente enfrentados. O principal deles, ao nosso sentir, é aquele atinente à responsabilidade (de natureza objetiva) do exeqüente em caso de reforma da sentença que ampara a execução, especialmente considerando o teor do dispositivo que regula o assunto.

Em linha com o que dispunha o art. 588 do Código de Processo Civil antes da reforma implementada pela Lei nº 11.232/2005, o art. 475-O do diploma processual civil, em seu inciso I, prevê que a execução provisória “corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido”.

Como ensinava Araken de Assis em seu Manual do Processo de Execução, então à luz do art. 588, inciso I, da Lei de Ritos, trata-se da consagração do “princípio qui sentit commoda, et incommoda sentire debet: à vantagem produzida pela execução provisional em suas expectativas processuais corresponde, simetricamente, a responsabilidade objetiva do credor pelo dano, por ela criado, na esfera jurídica do executado”[52].

Note-se que, conforme o caso, a responsabilidade a ser assumida pelo credor é tanta que ele simplesmente reputa lhe ser mais conveniente aguardar uma decisão definitiva sobre o assunto do que promover os respectivos atos executórios. De fato, não são todos os credores que estão dispostos a assumir o risco de fazer valer o comando expresso em uma decisão que lhe é favorável antes de espantada toda e qualquer possibilidade de o julgado ser revertido pelos Tribunais Superiores.

Não é por outro motivo senão a disciplina dessa responsabilidade, que o mesmo art. 475-O do Código de Processo Civil estabelece que a execução provisória corre por iniciativa do exeqüente. Ninguém além dele. A ratio do referido dispositivo nos parece clara e inequívoca, revelando-se flagrantemente contrária à tese do cabimento da multa do art. 475-J na esfera da execução provisória. E, ao nosso sentir, não poderia ser diferente. Ora, se o dever de indenizar caberá ao exeqüente, em que medida seria lícito admitir que outra pessoa possa fazer essa opção por ele? Obviamente não seria.

Assim, admitir o cabimento da incidência da multa do art. 475-J do Código de Processo Civil na execução provisória significa responder de maneira diversa à indagação acima. Ao impor ao devedor a obrigação de cumprir voluntariamente um julgado ainda passível de ser alterado pelas instâncias superiores, sob pena de multa, estar-se-á, por vezes, fazendo com que o exeqüente assuma um risco contra a sua vontade.

Vejamos, então, como se posicionará o Superior Tribunal de Justiça sobre toda essa discussão, o que não deverá demorar muito para acontecer: a matéria em foco será apreciada, em breve, pela Corte Especial do referido Tribunal, conforme suscitado pela Quarta Turma em questão de ordem no julgamento do Recurso Especial nº 1.059.478/RS. O recurso já está na Corte Especial, onde aguarda, no momento, nova inclusão em pauta para julgamento.

 

2.3. O cabimento de honorários advocatícios no cumprimento da sentença cível.

 

O último dos temas enfrentados pelo Superior Tribunal de Justiça que será objeto de consideração neste ensaio diz respeito aos honorários advocatícios no cumprimento da sentença cível. Antes da reforma legislativa, além dos honorários advocatícios fixados na sentença, decorrentes da resolução do processo de conhecimento, os patronos do credor ainda faziam jus a novo percentual, caso houvesse necessidade de executar a sentença condenatória.

Além disso, os honorários advocatícios, na revogada sistemática do processo de execução, eram devidos até mesmo quando não houvesse oposição de embargos do devedor. Em resumo, os honorários advocatícios eram devidos simplesmente em decorrência de novo ato postulatório para promover a movimentação da máquina judiciária na busca da satisfação do direito reconhecido no título judicial. A princípio, esse procedimento poderia continuar sendo seguido na nova execução, ou seja, no cumprimento de sentença, pelo menos de acordo com o entendimento majoritário sobre o tema.

Há, é verdade, posições defendendo a impossibilidade de incidência de novo percentual de honorários na fase de cumprimento de sentença. Para essa corrente minoritária, como não há mais processos distintos – um de conhecimento e outro de execução –, mas sim apenas um único processo sincrético, a imposição de novo percentual de honorários desrespeitaria o art. 20, §4º, do Código de Processo Civil. É o que defende Humberto Theodoro Júnior, segundo o qual “não há, porém, como imputar-lhes nova verba advocatícia, uma vez que não há mais uma ação distinta para executar a sentença[53].

Como já antecipado, diverso é o entendimento que tem prevalecido. Assim, para Araken de Assis, “harmoniza-se com o espírito da reforma, e, principalmente, com a onerosidade superveniente do processo para o condenado que não solve a dívida no prazo de espera de quinze dias – razão pela qual suportará, a título de pena, a multa de 10% (art. 475-J, caput) –, a fixação de honorários em favor do exeqüente[54]. No mesmo sentido, Cassio Scarpinella Bueno leciona que “são devidos honorários advocatícios para a ‘fase’ ou ‘etapa’ de execução – assim entendidas as atividades executivas que terão início, a pedido do exeqüente, esgotado in albis o prazo a que se refere o caput do art. 475-J”[55].

Comungando desse mesmo entendimento, Marcelo Abelha Rodrigues leciona o seguinte:

 

“Todavia, cuidando-se de cumprimento de sentença de pagar quantia, em que existe um procedimento típico, com rito e itinerário a ser seguidos, que depende de provocação da parte para ser iniciado, e, principalmente, que será realizado mediante inúmeros atos concatenados a um mesmo fim – podendo inclusive haver impugnação incidental do executado –, realmente será justa a fixação de honorários para esta fase executiva, mantendo-se integralmente a regra do art. 20, §4º, do CPC”[56].

 

A razão parece estar realmente com a doutrina majoritária. Evidentemente que não serão devidos honorários advocatícios caso o devedor cumpra voluntariamente a sentença judicial no prazo de quinze dias previsto no art. 475 do Código de Processo Civil. Essa posição, segundo nos parece, independe do fato de o referido prazo transcorrer a partir da exeqüibilidade da sentença, do trânsito em julgado ou da intimação do devedor. Cumprida voluntariamente a sentença, seja por depósito nos autos, seja por pagamento direto ao credor, não há incidência de honorários advocatícios além daqueles já fixados na sentença condenatória.

Por outro lado, transcorrido o prazo para cumprimento voluntário da sentença, incide novo percentual de honorários advocatícios, que deverá ser fixado pelo juiz ao despachar o requerimento inicial do credor para o início dos atos executivos na fase de cumprimento da sentença. Exatamente nesse sentido, Marcelo Abelha Rodrigues leciona que “ao fazer o controle de admissibilidade do requerimento inicial a que se refere o art. 475-J, deverá o juiz, não obstante o silêncio da Lei n. 11.232/2005, fixar os honorários advocatícios devidos pelo trabalho a ser exercido nessa fase executiva[57].

Assim, a exemplo do que ocorria no regime anterior da execução de título judicial, o magistrado, ao receber o requerimento de início da fase executiva, fixará, de plano e provisoriamente, honorários advocatícios na forma do art. 20, §4º, do Código de Processo Civil. Nem se diga que o mencionado dispositivo legal faz menção exclusivamente a “execuções, embargadas ou não”, o que não permitiria a fixação de novo percentual de honorários na fase de cumprimento da sentença. Ora, a fase de cumprimento da obrigação de pagar quantia certa não é nada mais do que a execução do julgado[58], conforme previsto no art. 475-I do Código de Processo Civil[59].

Ademais, o entendimento que prega a inexistência de honorários advocatícios na fase de cumprimento da sentença torna absolutamente ineficaz a mudança legislativa no que tange a imposição da multa prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil. Isso porque, pelo regime anterior, caso o devedor não cumprisse voluntariamente a sentença, o credor iniciaria a execução e o juiz fixaria honorários advocatícios provisórios. No atual regime, além desses honorários advocatícios provisórios, incidente a multa do mencionado dispositivo legal.

Assim, entender pela inexistência de honorários é tornar ineficaz a multa, pois o que antes o devedor pagava a título de honorários na execução ao patrono do credor, agora pagaria a título de multa ao próprio credor. Não importa, pois, ao devedor a quem pagar, mas sim quanto pagar. Em suma: após a fluência do prazo para cumprimento voluntário da sentença condenatória, incide a multa do art. 475-J do Código de Processo Civil, bem como honorários advocatícios provisórios do início da fase executiva do processo, que, posteriormente, serão complementados pelos honorários fixados no julgamento da impugnação ao cumprimento da sentença. Exatamente nesse sentido, cite-se a lição do Ministro Athos Gusmão Carneiro:

 

“Assim, ao receber o requerimento do credor (art. 475-J, caput), acompanhado da planilha de cálculo, cumpre ao magistrado fixar, a título provisório, os honorários a serem pagos pelo devedor, correspondentes a esta fase do processo (que pode, em certos casos, revelar-se mui trabalhosa para o procurador judicial). Caso o executado não venha a impugnar a execução, normalmente esta verba tornar-se-á definitiva. Em havendo impugnação, abrem-se opções: a) se a impugnação resultar improcedente, o juiz poderá ‘majorar’ aquela verba inicialmente fixada (sem cumulação, claro está); b) se a impugnação for procedente, inverte-se o ônus da sucumbência, e o magistrado arbitrará a verba devida ao impugnante; c) em caso de procedência parcial da impugnação, teremos a incidência do princípio da proporcionalidade, ou, simplesmente, cada parte arcará com os honorários do respectivo procurador, conforme o magistrado determinar”[60].

 

O Superior Tribunal de Justiça enfrentou pela primeira vez o tema no Recurso Especial nº 978.545/MG, julgado pela Terceira Turma na sessão do dia 11.03.2008, na qual votaram os Ministros Nancy Andrighi, Sidnei Beneti e Ari Pargendler. O julgado unânime adotou, expressamente, a posição majoritária na doutrina – com transcrição, inclusive, dos argumentos do Ministro Athos Gusmão Carneiro – e trouxe fundamentação lógica e completa, realmente digna de nota. Confira-se:

 

O fato de se ter alterado a natureza da execução de sentença, que deixou de ser tratada como processo autônomo e passou a ser mera fase complementar do mesmo processo em que o provimento é assegurado, não traz nenhuma modificação no que tange aos honorários advocatícios. A própria interpretação literal do art. 20, § 4º, do CPC não deixa margem para dúvidas. Consoante expressa dicção do referido dispositivo legal, os honorários são devidos “nas execuções, embargadas ou não”. O art. 475-I, do CPC, é expresso em afirmar que o cumprimento da sentença, nos casos de obrigação pecuniária, se faz por execução. Ora, se haverá arbitramento de honorários na execução (art. 20, § 4º, do CPC) e se o cumprimento da sentença se faz por execução (art. 475, I, do CPC), outra conclusão não é possível, senão a de que haverá a fixação de verba honorária na fase de cumprimento da sentença. Ademais, a verba honorária fixada na fase de cognição leva em consideração apenas o trabalho realizado pelo advogado até então. Por derradeiro, também na fase de cumprimento de sentença, há de se considerar o próprio espírito condutor das alterações pretendidas com a Lei nº 11.232/05, em especial a multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC. De nada adiantaria a criação de uma multa de 10% sobre o valor da condenação para o devedor que não cumpre voluntariamente a sentença se, de outro lado, fosse eliminada a fixação de verba honorária, arbitrada no percentual de 10% a 20%, também sobre o valor da condenação” (STJ, 3ª T., REsp. nº 978.545/MG, Min. Nancy Andrighi, D.J. de 01.04.2008).

 

Poucos meses depois, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça voltou a enfrentar o tema e reiterou sua posição. No julgamento do Recurso Especial nº 1.050.435/SP, o Ministro Sidnei Beneti afirmou, com base na doutrina de Araken de Assis, que “são devidos honorários advocatícios, caso o credor seja obrigado a atuar no processo em busca da satisfação da dívida”. A ementa do julgado, votado à unanimidade pelo Relator e pelos Ministros Ari Pargendler e Massami Uyeda, é a seguinte:

 

“Muito embora o capítulo do cumprimento de sentença seja omisso quanto à fixação da verba honorária, a interpretação sistemática e teleológica da norma conduz ao entendimento de que é cabível arbitramento de honorários” (STJ, 3ª T., REsp. nº 1.050.435/SP, Min. Sidnei Beneti, D.J. de 20.06.2008).

 

No voto, cuja leitura se recomenda, o Ministro Relator ainda fez interesse construção, no sentido de que o art. 475-R do Código de Processo Civil determina que se apliquem subsidiariamente ao cumprimento de sentença as normas que regem a execução por título extrajudicial[61]. E na parte dedicada à execução de título extrajudicial, o art. 652-A do Código de Processo Civil determina que “ao despachar a inicial, o juiz fixará, de plano, os honorários de advogado a serem pagos pelo executado (art. 20, §4º)”. A combinação dos dois dispositivos, portanto, é a base legal para atribuição de honorários na fase inicial do cumprimento de sentença.

Por fim, é relevante destacar que, não obstante ainda aguardar-se a publicação do acórdão no momento em que este texto foi concluído, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça em 27.11.2008, no julgamento do Recurso Especial nº 1.028.855/SC, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, decidiu, à unanimidade, pelo cabimento dos honorários advocatícios na fase de cumprimento da sentença. A matéria está, pois, pacificada.

 

 

  1. CONCLUSÃO.

 

A Lei nº 11.232/2005 indiscutivelmente ingressou no ordenamento jurídico brasileiro com o espírito de desatar o nó górdio que representava a execução de título judicial, verdadeiro calcanhar de Aquiles do processo. E, sinceramente, espera-se que esse espírito se torne realmente senhor do processo judicial, notadamente de sua fase executiva, já tanto castigada pelas dificuldades técnicas e administrativas de chegar ao seu fim, ou seja, transportar para o mundo dos fatos o comando contido na sentença.

Esse caminho logo restou ameaçado por significativas divergências doutrinárias e jurisprudenciais ainda não completamente solucionadas. E é justamente nesse sentido que se faz relevante a análise dos primeiros precedentes do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, Corte responsável por uniformizar a interpretação da legislação processual em vigor, estabelecendo as suas diretrizes.

A atuação firme, uniforme e célere do referido Tribunal é fundamental para que a reforma da execução no país cumpra a sua função, assegurando a efetividade do sistema processual como um todo e contribuindo para o desfazimento de um importante gargalo na solução dos conflitos de interesses que assolam ao Poder Judiciário.

Nesse contexto sobressai, ainda mais, o papel diferenciado que a jurisprudência hoje, e a cada dia que passa, vem assumindo, razão pela qual, conforme se anunciou logo no início deste ensaio, já se pode dar razão à Dupliant, que certa vez afirmou que “quem conhece a lei e ignora a jurisprudência, não conhece quase nada”[62]. O perfeito conhecimento da jurisprudência dos tribunais é uma exigência do jurista do século atual, mesmo em países que adotam o sistema da Civil Law.

 

Encerra-se este breve texto com a certeza de que os mais relevantes precedentes do Superior Tribunal de Justiça em matéria de cumprimento de sentença foram apresentados aos leitores e espera-se que estas linhas sirvam a saudável e contínuo debate, sempre em busca da efetividade do processo e do aprimoramento da ciência processual.

 

[1] Pós-graduando em Direito Civil-Constitucional pela UERJ; membro do Subcomitê de Poder Judiciário do CESA/RJ; coordenador do Subcomitê de Novos Advogados do CESA/RJ; advogado no Rio de Janeiro.

[2] Pós-graduado em Direito Empresarial, com concentração em Processo Civil, pela FGV; especialista em Direito Econômico pela UERJ; especialista em Direito Societário e Mercado de Capitais pela FGV; especialista em Mediação e Arbitragem pela FGV; membro do Subcomitê de Arbitragem do CESA/RJ; coordenador do Subcomitê de Novos Advogados do CESA/RJ; membro do International Centre for Dispute Resolution; advogado no Rio de Janeiro.

[3] CHIOVENDA, Giuseppe. Dell’azione nascente dal contratto preliminare in Saggi de diritto processuale civile. Milano: Giuffrè, 1993, v. I, p. 110 (Tradução livre: O processo deve dar, quando for possível praticamente, a quem tem um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem direito de conseguir).

[4] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 312.

[5] PISANI, Andrea Proto. Lezioni di diritto processuale civile. 5. ed. Napoli: Jovene, 2006, p. 693 (Tradução livre: Só o processo de cognição é incapaz, para utilizar uma expressão de Carnelutti, de adequar o direito ao fato, de reduzir as palavras aos fatos).

[6] Para uma análise detalhada dos escopos do processo, ou melhor, dos escopos da jurisdição, recomenda-se a leitura do clássico A instrumentalidade do processo, de autoria de Cândido Rangel Dinamarco.

[7] DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 103.

[8] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Notas sobre o problema da ‘efetividade’ do processo in Temas de direito processual: terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 39.

[9] FUX, Luiz. O novo processo de execução. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 15. Indiscutivelmente, a execução permanecia o verdadeiro “calcanhar de Aquiles” do processo, tal como reconhecido no próprio projeto de lei que alterou a execução de títulos judiciais no Código de Processo Civil.

[10] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Efetividade do processo e técnica processual in Temas de direito processual: sexta série. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 17. Já na década de 80, o ilustre processualista pontuava, em relação ao referido programa, que “em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Notas sobre o problema da ‘efetividade’ do processo in Temas de direito processual: terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 28).

[11] FUX, Luiz. O novo processo de execução. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 15.

[12] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 168.

[13] A própria Corte Especial já teve oportunidade de consignar que “o Superior Tribunal de Justiça foi concebido para um escopo especial: orientar a aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação, em todo o Brasil”, razão pela qual “é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se manter firme e coerente” (STJ, Corte Especial, AgRg nos EREsp. nº 228.432/RS, Min. Humberto Gomes de Barros, D.J. de 18.03.2002).

[14] Esta observação ganha ainda mais importância no atual estágio de nosso direito pretoriano. Lembre-se que o precedente judicial desempenha hoje no País um papel muito diferente daquele imaginado tradicionalmente na nossa família romano-germânica. Evidentemente que o precedente judicial no Brasil não possui a carga vinculante própria dos sistemas da Common Law, em que vigora a teoria do stare decisis, mas é inegável a aproximação dos dois sistemas jurídicos, de maneira que o precedente judicial, entre nós, ganha cada vez mais importância, notadamente quando emanado de um tribunal de sobreposição. Talvez hoje, mais do que nunca, se possa dar razão à Dupliant, que certa vez afirmou que “quem conhece a lei e ignora a jurisprudência, não conhece quase nada” (DUPLIANT apud GUIMARÃES, Mário. O juiz e a função jurisprudencial. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 327).

[15] REALE, Miguel apud TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A criação e realização do direito na decisão judicial. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 15.

[16] CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução de sentença. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 171.

[17] Destaque-se que o Superior Tribunal de Justiça recentemente apreciou também a hipótese do recurso cabível em embargos de devedor opostos antes da alteração legislativa, mas decididos após a vigência da Lei nº 11.232/2005. A pergunta é a seguinte: o recurso cabível é o agravo ou a apelação? A ementa do julgado é a seguinte: “Embora o direito brasileiro não reconheça a existência de direito adquirido a um certo rito processual, aplicando-se, portanto, a lei nova imediatamente ao processo em curso, segundo a máxima do ‘tempus regit actum’, é certo que a aplicação da regra de direito intertemporal deve ter em vista o princípio informador da segurança jurídica. A razoabilidade exige que o Direito Processual não seja fonte de surpresas, sobretudo quando há amplo dissenso doutrinário sobre os efeitos da lei nova. O processo deve viabilizar, tanto quanto possível, a resolução de mérito. Se não houve uma expressa conversão, pelo juízo em primeiro grau de jurisdição, dos ritos processuais, alertando as partes de que os ‘embargos’ passaram a ser simples ‘impugnação’, deve-se aceitar a apelação como recurso apropriado para atacar a decisão que, sob a égide da Lei 11.232/05, julgou os embargos do devedor” (STJ, 3ª T., REsp. nº 963.977/RS, Min. Nancy Andrighi, D.J. de 05.09.2008). Recentemente, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça reiterou essa posição em outro julgado (vide STJ, Corte Especial, Resp. nº 1.044.693/MG, Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 03.12.2008, acórdão até então não publicado).

[18] Código de Processo Civil, art. 1.211. Este Código regerá o processo civil em todo o território nacional. Ao entrar em vigor, suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes.

[19] Nesse sentido, José Frederico Marques, se referindo ao art. 1.211 do estatuto processual, afirma que “adotou-se, pois, o sistema do isolamento dos atos processuais, com a consagração do princípio tempus regit actum” (MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 1997, v. I, p. 74). Idem Moacyr Amaral Santos (SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, v. 1, p. 32).

[20] Segundo Moacyr Amaral Santos, pelo sistema da unidade processual, “o processo é um complexo de atos inseparáveis uns dos outros, porque todos se subordinam ao fim a que visam, qual seja a decisão. O processo seria um corpo uno, uma unidade, e, assim considerado, teria de ser regulado por uma única lei. Nessas condições, uma vez em curso, e sobrevindo uma lei nova, disciplinar-se-ia inteiramente por esta ou pela lei anterior. A ser regido pela lei nova, tornando ineficazes os atos já realizados, e assim os efeitos produzidos, poder-se-ia dizer que a lei processual tem efeito retroativo” (SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, v. 1, p. 31-32).

[21] Recorra-se mais uma vez à lição do Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal: “Um segundo sistema, chamado das fases processuais, considera a existência de várias fases processuais autônomas, a postulatória, a probatória, a decisória e a dos recursos, cada uma das quais compreendendo um conjunto de atos inseparáveis e, pois, cada um constituindo uma unidade processual. Em curso um processo, sobrevindo uma lei nova, esta não disciplinaria a fase ainda não encerrada, que se regeria pela lei anterior. Somente as fases seguintes obedeceriam à lei nova” (SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, v. 1, p. 32).

[22] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 98. No mesmo sentido, Moacyr Amaral Santos afirma que pelo sistema do isolamento dos atos processuais “a lei nova, encontrando um processo em desenvolvimento, respeita a eficácia dos atos processuais já realizados e disciplina o processo a partir da sua vigência. Por outras palavras, a lei nova respeita os atos processuais realizados, bem como os seus efeitos, e se aplica aos que houverem de realizar-se” (SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, v. 1, p. 32).

[23] CARNELUTTI, Francesco. Sistema di diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1934, v. I, p. 98 [Tradução livre: “(…) a chave para a solução das questões consideradas, tanto em matéria processual quanto em qualquer outra, encontra-se em estabelecer nitidamente a relação entre o fato efetuado sob o domínio da lei anterior e o efeito ou os efeitos jurídicos cuja produção se discuta. Todos os efeitos, e unicamente eles, que a norma jurídica atribuir a um fato efetuado sob seu domínio subsistem em que pese a mudança da própria lei”].

[24] LACERDA, Galeno. O novo direito processual civil e os feitos pendentes. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 13.

[25] Identificando perfeitamente a questão e ressaltando a importância de se verificar a relação entre os efeitos dos fatos processuais já consumados e a nova lei, Giuseppe Chiovenda afirma o seguinte: “Segundo esses princípios, o problema da aplicação da lei nova aos atos sucessivos à sua entrada em vigor resolve-se na indagação de se e quais os efeitos que já se verificaram ou têm de, necessariamente, verificar-se por força dos atos já realizados” (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 3. ed. Tradução de J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1969, v. I, p. 94)

[26] WAMBIER, Luiz Rodrigues. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil 3. São Paulo: RT, 2007, p. 339.

[27] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. V, p. 269. No mesmo sentido, confira-se decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça: “A lei em vigor, no momento da prolação da sentença, regula os recursos cabíveis contra ela, bem como, a sua sujeição ao duplo grau obrigatório, repelindo-se a retroatividade da norma nova” (STJ, Corte Especial, EREsp. nº 600.874/SP, Min. José Delgado, D.J. de 04.09.2006).

[28] José Carlos Barbosa Moreira ainda declina outros exemplos: “À luz desse princípio, rigorosamente aplicado, se a lei nova concedeu recurso que não cabia, a decisão permanece irrecorrível, mesmo que, ao entrar aquela em vigor, ainda não tenha decorrido lapso de tempo equivalente ao prazo de interposição por ela fixado. Se a lei nova suprimiu recurso existente, subsiste a interponibilidade em relação às decisões que, pela lei anterior, podiam ser impugnadas pelo recurso suprimido, até o termo final do respectivo prazo, ou até que ocorra, eventualmente, outra causa de inadmissibilidade; a fortiori, têm de ser processados e julgados os recursos já interpostos na data em que a nova lei começou a viger. Se o recurso cabível era um, e passou a ser outro, continua interponível aquele que o era antes de entrar em vigor a lei nova; e o recurso antigo porventura já interposto processa-se e julga-se como tal” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. V, p. 269).

[29] DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 47, nota 4.

[30] WAMBIER, Luiz Rodrigues. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil 3. São Paulo: RT, 2007, p. 317.

[31] No que tange aos processos findos, não há dúvida de que a alteração legislativa não trará conseqüências. Aplicou-se a lei anterior, até então vigente, de maneira que os fatos processuais consumaram-se naquele tempo, razão pela qual, conforme leciona Galeno Lacerda em relevante obra sobre o tema, “a lei nova não pode atingir situações processuais já constituídas ou extintas sob o império da lei antiga, isto é, não pode ferir os respectivos direitos processuais adquiridos” (LACERDA, Galeno. O novo direito processual civil e os feitos pendentes. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 3). No mesmo sentido, dando destaque à noção de direitos processuais adquiridos, transcreva-se a lição de Cândido Rangel Dinamarco: “A freqüente alusão doutrinária a situações jurídicas constituídas prevalece também em direito processual intertemporal e, nesse contexto, falar em direito processual adquirido significa substancialmente levar em conta as situações processuais consumadas, cuja efetividade deve resistir à superveniência de lei processual nova” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 51). Trata-se, aqui, de respeitar o princípio da irretroatividade da lei, do ato jurídico perfeito e do direito processual adquirido. Desta forma, não é possível a determinado credor que teve seu crédito satisfeito com a expropriação de bens do devedor no passado, voltar agora a juízo pleiteando quantia adicional, correspondente à multa prevista no art. 475-J do estatuto processual.

[32] No que se refere aos processos futuros, a lei nova se aplicará normalmente às demandas ajuizadas a partir do primeiro dia de sua vigência, isto é, a partir do primeiro dia após o término do prazo da vacatio legis, quando a lei nova passa a ser obrigatória aos cidadãos, na forma do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil e do art. 8º, §1º, da Lei Complementar nº 95/98, com a redação da Lei Complementar nº 107/2001. Sem ingressar em maiores discussões, esclareça-se apenas que, neste ensaio, se considera que a Lei nº 11.232/2005 passou a viger a partir de 24 de junho de 2006. Nesse sentido, defendendo que a nova lei entrou em vigor em 24.06.2006, Humberto Theodoro Júnior (THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 124) e Athos Gusmão Carneiro (CARNEIRO, Athos Gusmão. Cumprimento da sentença cível. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 127). Em sentido contrário, considerando que a nova lei entrou em vigor em 23.06.2006, Alexandre Freitas Câmara (CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução de sentença. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 168), Ernane Fidélis dos Santos (SANTOS, Ernane Fidélis. As reformas de 2005 do código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 141) e Araken de Assis (ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 40).

[33] ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 40-41.

[34] CARNEIRO, Athos Gusmão. Cumprimento da sentença cível. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 127.

[35] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A nova execução: comentários à Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 292.

[36] CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução de sentença. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 177.

[37] STJ, 3ª T., REsp. nº 954.859/RS, Min. Humberto Gomes de Barros, D.J. de 27.08.2007.

[38] STJ, 3ª T., MC nº 14.258/RJ, Min. Nancy Andrighi, D.J. de 24.11.2008.

[39] Idem.

[40] Idem.

[41] Confira-se o inteiro teor da decisão: “No panorama jurídico anterior à Lei nº 11.232/2005, a sentença condenatória tinha, como eficácia específica, a declaração do débito e do inadimplemento, mais a constituição do título executivo. Não havia, na sentença, uma ordem específica proferida pela autoridade judiciária, determinando ao devedor o adimplemento da obrigação. A determinação de adimplemento contida na sentença nada mais era que a que previamente estava contida na lei cuja violação motivou a propositura da ação. Com a introdução do art. 475-J, a sentença condenatória passou a ser dotada de uma nova eficácia. Além de declaração do direito e constituição do título executivo, ela também passou a conter uma ordem específica e independente, dirigida ao devedor, para que cumpra a obrigação. A independência dessa ordem, dada pelo juiz, verifica-se pela existência de uma sanção específica para punir o respectivo inadimplemento, que é a multa fixada pelo art. 475-J. Essa multa apenas se aplica ao devedor que inadimplir a sentença. Ela, portanto, torna o ato judicial algo mais que a lei, cujo inadimplemento gera sanções autônomas. Assim, para as execuções posteriores à reforma legislativa, a aplicação da multa do art. 475-J é automática. As execuções anteriores à reforma também podem ser por ela colhidas. Todavia, tendo em vista as diferentes fases em que o processo executivo pode se encontrar, por uma questão de política legislativa a melhor medida é estabelecer que o Juízo de Primeiro Grau possa, avaliando cada hipótese concreta, determinar, mediante intimação do advogado do executado, o pagamento do débito em quinze dias, contados da intimação de tal determinação. Transcorrido ‘in albis’ esse prazo, incidirá a multa. A oposição de embargos à execução obedece a lei vigente no momento de sua apresentação. Assim, se a execução foi iniciada antes da vigência da Lei nº 11.232/05, mas os embargos somente foram opostos após a vigência dessa Lei, é correta a decisão que os recebe como mera impugnação, sem suspensão do processo executivo” (STJ, 3ª T., MC nº 14.258/RJ, Min. Nancy Andrighi, D.J. de 24.11.2008).

[42] Nesse sentido, são fundamentais as brilhantes lições de Pontes de Miranda sobre teoria geral do direito. Assim, “se os fatos, de que trata, se produzem, sobre eles incide a regra jurídica e irradia-se deles (feitos, com a incidência, jurídicos) a eficácia jurídica” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000, t. I, p. 63). Assim, ainda conforme o mestre, “regra jurídica e suporte fático hão de existir no momento em que se dê a incidência” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000, t. I, p. 77). Não é possível, pois, que regra jurídica inexistente no momento da produção do fato incida sobre ele e lhe atribua alguma eficácia. Se isso ocorrer, estar-se-á diante do fenômeno da retroatividade das leis.

[43] CARNEIRO, Athos Gusmão. Cumprimento da sentença cível. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 53. Idem, por todos: ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 212.

[44] THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 143.

[45] FUX, Luiz. O novo processo de execução. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 245.

[46] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 197.

[47] Vide a entrevista completa no seguinte endereço virtual: http://www.abdpc.org.br/abdpc/VozdosIlustres.asp. Acessado em 17.12.2008.

[48] CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução de sentença. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 114. Idem, por todos: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Apontamentos sobre as alterações oriundas da Lei n. 11.232/2005 in Temas atuais da execução civil. CIANCI, Mirna Cianci. QUARTIERI, Rita (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2007, p. 360.

[49] BUENO, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 1, p. 78. Idem, por todos: CARMONA, Carlos Alberto. Novidades sobre a execução civil: observações sobre a Lei 11.232/2005. A nova execução dos títulos judiciais. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 64-65.

[50] A tese defendida no mencionado acórdão acolheu posição até então minoritária na doutrina e na jurisprudência dos Tribunais de Justiça do País e, apimentando mais ainda a questão, previu a responsabilização civil do advogado, perante seu cliente, no caso de perda do prazo para o cumprimento voluntário da sentença cível. A esse respeito, permita-se recomendar a leitura do nosso “A multa no cumprimento da sentença judicial e a responsabilidade do advogado” (Revista Fórum CESA, Fórum, Belo Horizonte, ano 3, n. 7, abr./jun. 2008, p. 55-59).

[51] Vide, nesse sentido, os acórdãos proferidos nos autos do REsp. nº 965.762/RJ, Ag. nº 1.039.715/RJ e REsp. nº 1.093.369/SP e as decisões monocráticas prolatadas no Ag. nº 1.043.730/RJ, REsp. nº 956.197/SP e Ag. nº 953.570/RJ.

[52] ASSIS, Araken. Manual do processo de execução. 8. ed. São Paulo: RT, 2002, p. 366.

[53] THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 124.

[54] ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 264.

[55] BUENO, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 1, p. 75.

[56] RODRIGUES, Marcelo Abelha. A terceira etapa da reforma processual civil. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 136.

[57] Idem.

[58] A respeito do tema, cumpre recomendar leitura de texto de José Carlos Barbosa Moreira. O eminente processualista explica que “sob a designação genérica de ‘cumprimento’, distinguem-se (no conceito e no regime): o cumprimento ‘por execução’, supostamente limitado à hipótese de ‘obrigação por quantia certa’, e um cumprimento sem denominação própria (dividido em duas subespécies), para os casos dos arts. 461 e 461-A. Seria possível, à vista disto, designar o cumprimento-gênero (a que alude a rubrica do Capítulo) como cumprimento lato sensu, e o cumprimento-espécie (a modalidade – ou as modalidades – a que o caput do art. 475-I não quer chamar execução) como cumprimento stricto sensu”. Pouco depois, em suma, Barbosa Moreira afirma que “não entrará em conflito com a lei quem usar, acerca de qualquer delas, a palavra ‘execução” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Cumprimento e execução de sentença: necessidade de esclarecimentos conceituais in Temas de direito processual: nona série. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 318 e 322).

[59] Código de Processo Civil, art. 475-I. O cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A desta Lei ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução, nos termos dos demais artigos deste Capítulo.

[60] CARNEIRO, Athos Gusmão. Cumprimento da sentença cível. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 108-109.

[61] Código de Processo Civil, art. 475-R. Aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que couber, as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial.

[62] DUPLIANT apud GUIMARÃES, Mário. O juiz e a função jurisprudencial. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 327.



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Data de Publicação

29/09/2008