Publicações

< voltar

Mitigação e compensação de emissões de gases de efeito estufa no Brasil: o caso do rejeito de gás natural (flaring/venting)

Simpósio Interdisciplinar de Ciência Ambiental. (2: 2016), 2016, São Paulo.

II Simpósio Interdisciplinar de Ciência Ambiental: perspectivas dos estudos interdisciplinares frente ao tema da governança e do desenvolvimento sustentável. SICAM. Anais, 2016. v. 1

 

Mariana Fernandes Miranda

Instituto de Energia e Ambiente – IEE/USP

 

Hirdan Katarina de Medeiros Costa

Instituto de Energia e Ambiente – IEE/USP

 

Marilin Mariano dos Santos

Instituto de Energia e Ambiente – IEE/USP

 

Edmilson Moutinho dos Santos

Instituto de Energia e Ambiente – IEE/USP

 

Resumo: O longo ciclo de alta do preço do petróleo e o baixo valor de preço do gás natural levou à queima histórica de grandes quantidades de gás natural (flaring) pela indústria de óleo e gás. Tais queimas significam a emissão de significativas quantidades de gases de efeito estufa para a atmosfera, caracterizada como externalidade negativa. Na linha dos compromissos assumidos internacionalmente pelo Brasil, diversas normas e medidas vêm sendo adotadas para mitigar e compensar tais emissões. Este trabalho procura identificar essas medidas e avaliar a sua implementação e eficácia, indicando se a aplicação do princípio do poluidor-pagador justificaria a imposição de compensação pelas emissões.

 

Palavras-chave: gases de efeito estufa – gás natural – queima – mitigação – compensação

 

Abstract: The long cycle of high oil prices and the low price of natural gas led to the historic burning of large amounts of natural gas in flares, within the production activities in the oil and gas industry. Such flaring causes the emission of significant amount of greenhouse gases into the atmosphere, which represents a negative externality. In line with international commitments assumed by Brazil, various laws and measures have been adopted to mitigate and offset these emissions. This paper aims to identify these actions and assess its implementation and effectiveness, indicating whether the application of the polluter pays principle (PPP) would justify the imposition of compensation for emissions.

 

Keywords: greenhouse gases – natural gas – flaring – mitigation – compensation

1. INTRODUÇÃO

 

Na indústria de hidrocarbonetos, quando diante de uma reserva associada, o gás natural sempre foi considerado como acessório ao petróleo. A produção do gás demanda infraestrutura que o contenha sob pressão e por esse motivo sua viabilização econômica é vista como dependente de redes de gasodutos para escoamento, o que ocasiona em muitos casos o seu desperdício por meio da queima em flares ou sua reinjeção ao poço.

Pode-se vislumbrar que a indústria do gás natural, historicamente, representa o uso de recurso natural exaurível por meio da apropriação e manejo dado pela racionalidade humana em direção ao cumprimento do ideal de crescimento econômico de determinado estado-nação. Ou seja, com a importância do petróleo, o gás passa a ser considerado como entrave ao crescimento da sua produção.

Por outro lado, far-se-á necessário repensar essa função acessória do gás porquanto ultrapassado o mero teor do crescimento econômico como perspectiva última de uma certa sociedade e com a emergência do substantivo desenvolvimento, tem-se que “neste fim de século XX, o social e o ecológico emergem como principais preocupações diante da devastação provocada pela hegemonia incontrolável do econômico e da primazia da lógica de mercado sobre a lógica das necessidades” (SACHS, 1998, p.160).

Com isso, parte-se da premissa de que limites ao desperdício do gás possuem forte correlação com o desenvolvimento e assim, pretende-se investigar se as medidas regulatórias, incluindo as tratativas internacionais sobre Mudanças Climáticas, têm levado à redução da queima de gás natural e se, à luz do princípio do poluidor-pagador e da internalização das externalidades ambientais negativas das atividades econômicas da indústria de petróleo e gás, devem ser e/ou vêm sendo instituídas medidas compensatórias pelo descarte residual de gás natural (flaring / venting).

Para tanto, o tópico 2 traz o contexto internacional de questionamento das emissões de gases de efeito estufa e o papel que o Brasil almeja desempenhar rumo desenvolvimento sustentável com o aproveitamento de seus recursos energéticos. No item 3, adentra-se no tema regulatório, focalizando-se a função da agência reguladora para o setor de petróleo e gás no tocante à imposição de limites para a prática de flaring. O tópico 4 trata das medidas mitigadoras e de compensação. E, finalmente, no item 5, breves considerações finais são tecidas.

  1. O CONTEXTO HISTÓRICO-NORMATIVO DOS GEE E SUA RELAÇÃO COM A QUEIMA E A PERDA DE GÁS NATURAL

 

A comunidade científica tem afirmado, com elevado grau de certeza científica, que as atividades humanas vêm levando à transformação do clima da Terra, especialmente ao seu aquecimento, com consequências potencialmente devastadoras para a vida no planeta (GIDDENS, 2009, pp. 19-22). Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, 2014)[1], considerando diferentes formas de desenvolvimento econômico, num dos melhores dos cenários, com um aumento da temperatura da Terra de 1,1 a 2,6oC, o nível do mar subiria 32 a 63 cm até o fim do século (2100).

Com discussões inauguradas na ECO-92 (Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992) e aperfeiçoadas com a assinatura do Protocolo de Quioto, em 1997[2], o tema mudanças climáticas vem se estabelecendo e ganhando força no cenário internacional, levando à recente aprovação por diversos países, incluindo o Brasil, do Acordo de Paris, em 12.12.2015, na conhecida 21ª Conferência das Partes.[3]

Segundo tal documento, “reconhecendo que as mudanças climáticas representam urgente e potencialmente irreversível ameaça à humanidade e ao planeta” e a necessidade de “acelerar a redução global de emissões de gases de efeito estufa (GEE)[4]”, as partes se comprometem a “manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2oC em relação aos níveis pré-industriais e envidar esforços para limitar esse aumento a 1,5oC”[5].

Merece destaque também a Agenda 2030, desenhada no âmbito da ONU e adotada por sua assembleia geral em 25.09.2015, que prevê os objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) de 2015 a 2030, incluindo dentre eles “tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos (…)” (OSD-13) [6].

Antes, entretanto, diversos outros encontros internacionais tentaram estabelecer a redução de emissões de GEE. Tais discussões têm sido marcadas pela tensão entre países historicamente mais industrializados (e que teriam contribuído com maior parcela das emissões) e aqueles que desejam se desenvolver de forma mais intensa (aumentando potencialmente suas emissões).[7] Apesar disso, na sequência da 15a Conferência das Partes da CQNUAC, em Copenhagen, Dinamarca, em dezembro de 2009, o Brasil editou a Política Nacional de Mudanças Climáticas (“PNMC” – Lei 12.187/2009), contendo metas voluntárias de redução de emissões de GEE de 36,1% a 38,9% até 2020.

Já em seguimento a decisões da ONU, prévias ao Acordo de Paris, o Brasil apresentou as suas metas nacionais (intended Nationally Determined Contribuições – INDC). De acordo com a sua INDC, o Brasil apresentou a intenção de reduzir suas emissões de GEE até 2025 em 37% e até 2030 em 43%, ambos os percentuais em relação aos níveis de 2005.[8]

A partir da PNMC, foram elaboradas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) estimativas anuais de emissões de GEE para acompanhar o cumprimento do compromisso, que indicam que o total de emissões vem diminuindo, especialmente graças à redução das taxas de desmatamento[9], porém as emissões dos setores de energia e indústria vêm aumentando. Nesse sentido, a participação do setor de energia no total de emissões brasileiras[10] em CO2 equivalente (“CO2eq”) aumentou de 16% em 2005 para 37% em 2012 (de 328 mil t para 446 mil t).

Considerando as previsões de disponibilidade de grandes reservas de óleo e gás no Brasil (reservas estas especialmente relacionadas ao Pré-sal), estima-se que a produção diária de petróleo dobre até 2024 (BRASIL, MME, 2014).

É importante notar que no caso do Pré-sal há grande quantidade de gás natural associado ao petróleo e que as áreas de exploração estão muito distantes da costa. Em janeiro de 2016, estima-se que tenha sido queimado e reinjetado na Bacia de Santos (Pré-sal) volume de gás natural equivalente àquele importado da Bolívia (FOLHA DE SÃO PAULO, 2016).

Com isso, pode-se inferir, com algum grau de certeza, que as emissões relativas ao setor de energia, e especialmente decorrentes da exploração e produção de petróleo e gás natural, vão aumentar nos próximos anos.

Uma parcela dessas emissões do setor de energia decorre das chamadas emissões fugitivas. No caso da indústria de petróleo e gás natural, as emissões fugitivas advêm principalmente do setor de exploração e produção (BRASIL, MCTI, 2013)[11] e podem ser atribuídas a: vazamentos em equipamentos; escapamentos de gases; perdas por evaporação, descarte de fluxos residuais de gases (por venting ou flaring); e acidentes ou falhas em equipamentos (DIAS, 2015, pp. 2-3).[12]

Trata-se de prática indesejável sob prisma econômico – desperdiçam-se recursos energéticos nacionais, especialmente quando considerada a ausência de política pública de completo aproveitamento do gás natural –, mas também ambiental, pois resulta no aumento de emissões de GEE.

Note-se que, o potencial de aquecimento global do CH4 (metano) é 21 vezes maior do que aquele do CO2, de acordo com o IPCC. A queima transforma CH4 em CO2, fazendo mais sentido a queima em termos de impactos ambientais[13]. Ainda assim, a emissão de poluentes atmosféricos deve ser desincentivada.

Diante da ausência de metas de redução de emissões de GEE para cada indústria no Brasil (aptas a serem impostas à iniciativa privada) e da permissão regulatória da prática de flaring, importa saber se os órgãos públicos (especialmente Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA) vêm adotando medidas para controlar e restringir as emissões e se tais medidas são efetivas.

3. A NORMATIZAÇÃO DA QUEIMA E A PERDA DE GÁS NATURAL EM DIREÇÃO AO TEMA PERTINENTE DE EMISSÕES DE GEE

 

3.1. Possibilidade regulatória do flaring e do venting

 

Devido ao seu baixo valor de mercado em relação ao óleo e mesmo a outras fontes de energia, assim como à necessidade de infraestrutura de escoamento, o gás natural não é valorizado e a sua exploração historicamente não tem sido substancialmente desenvolvida[14].

Com isso, tendeu-se a queimar em flare (flaring) ou a ventilar para a atmosfera (venting) grande parte do gás produzido. Lembre-se que no caso do Pré-sal, devido às condições naturais de grandes quantidades de gás natural associado ao óleo e à significativa distância da terra dessa exploração, o rejeito do gás natural tende a ser muito significativo.

A Resolução ANP 249/2010 aprova o Regulamento Técnico de Queimas e Perdas de Petróleo e Gás Natural bem como estabelece determinados limites para as queimas e perdas dispensadas de autorização da agência[15]. Dentre os motivos que justificam autorização das queimas e perdas fora desses limites, estão razões de emergência operacional, economicidade (baixa produção de gás natural que não justifica o seu aproveitamento) e a injeção de gás contaminado não ter se mostrado técnica ou economicamente viável (itens 6.6, 6.7.2, 8.1.4 e 8.1.5 do Anexo à Resolução ANP 249/2010)[16].

Portanto, do ponto de vista regulatório, a ANP admite a queima por questões financeiras, sem considerar a externalidade ambiental negativa decorrente da emissão extraordinária de GEEs[17].

 

3.2. As queimas em flare

 

Segundo informações da ANP, em 2015 foram produzidos 35 bilhões de m³ de gás natural no Brasil, dos quais foram queimados 1,4 bilhão de m³ (representando a emissão de cerca de 10 milhões de toneladas de CO2eq ou a poluição de 1,7 milhão de carros).

Como se vê do gráfico abaixo, as queimas e perdas de gás natural apresentam tendência de queda ao longo dos últimos dez anos, mas o valor permanece em linhas gerais estável desde 2012.

 

Gráfico 1: Evolução da produção, do aproveitamento, da reinjeção e das

queimas e perdas de gás natural no Brasil nos últimos dez anos[18]

Fonte: ANP, 2015.

 

As queimas e perdas ainda são bastante significativas. Como visto, trata-se de prática indesejável sob prisma econômico, mas também ambiental. Lembre-se que a PNMC contém metas voluntárias de redução de emissões de GEE, e que o Decreto 7.390/2010 destaca o setor de energia como um daqueles alvo das ações para fins de redução de GEE. Ademais, o Brasil apresentou as suas INDC, com a intenção de reduzir suas emissões de GEE até 2025 em 37% e até 2030 em 43%, ambos os percentuais em relação aos níveis de 2005.

No caminho da redução, cabe observar que, apesar da permissão regulatória de queima constante da Resolução ANP 249/2010, a Lei 12.351/2010, que dispõe sobre a exploração e a produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, sob o regime de partilha de produção, em áreas do Pré-sal, estabelece como cláusula essencial do contrato de partilha de produção: “a obrigatoriedade de apresentação de inventário periódico sobre as emissões de gases que provocam efeito estufa – GEE, ao qual se dará publicidade” (art. 29, XXI).

 

4. MEDIDAS DE MITIGAÇÃO E COMPENSATÓRIAS DO FLARING

 

4.1. Medidas e programas de mitigação

 

O risco de dano ambiental – aqui, emissões de GEE – justifica a aplicação de medidas preventivas. Quanto a esse risco, esclarece CARVALHO (apud BERWING, 2014, p. 412)  “o risco consiste assim, em uma comunicação voltada para a construção de observações e vínculos com o futuro”. Nesse sentido, vêm[19] sendo adotadas interessantes medidas de prevenção e mitigação do flaring.

Desde 2010, o IBAMA prevê que os processos de licenciamento ambiental de atividades capazes de emitir GEE deverão conter propostas pelos empreendedores de medidas para mitigarem suas emissões, em atenção aos compromissos assumidos pelo Brasil, que serão avaliadas pelo órgão ambiental (arts. 2º e 3º da IN IBAMA 12/2010).[20]

Também como medida preventiva, em 2000, a ANP já havia lançado o “Programa de ajustes para redução da queima de gás natural na Bacia de Campos”, que levou à assinatura de termo de compromisso com a Petrobras e à “não autorização da queima de gás natural em projetos piloto de produção antecipada localizados em áreas com infraestrutura de escoamento já́ implantada e a exigência de reserva operacional nos sistemas de compressão de gás em novos sistemas de produção” (ANP, 2002).

 

4.2. Medidas compensatórias

 

A necessidade de internalização das externalidades ambientais negativas, “ou seja, impor para as fontes poluidoras as obrigações de incorporar em seus processos produtivos os custos com prevenção, controle e reparação de impactos ambientais impedindo a socialização destes riscos” (STEIGLEDER, 2011, p. 168) exsurge quando as medidas de prevenção não dão conta de evitar os danos ambientais.

Nesse sentido, o princípio do poluidor- pagador foi previsto na Declaração do Rio de 1992. No plano nacional, a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.931/1981) impôs ao poluidor a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos ambientais causados (art. 4o, VII).

Como esclarece STEIGLEDER (2011, p. 170):

 

para além da função reparatória, a partir da preocupação com as gerações futuras instituída no caput do art. 225, da Constituição Federal de 1988, vislumbra-se no instituto da responsabilidade civil uma função claramente precaucional e preventiva, de molde a atuar no momento em que os riscos ambientais são produzidos, permitindo-se a imposição de obrigações de fazer e de não fazer capazes de gerenciar estes riscos, internalizando-os no processo produtivo, e de compensar os futuros impactos negativos decorrentes da atividade.

 

Essa estrutura justifica que, no caso aqui analisado, as emissões de GEE decorrentes de flaring, que causam impactos relacionados às mudanças climáticas, sejam objeto de medidas compensatórias, além das preventivas já estabelecidas. Aquele que, por motivos permitidos na esfera regulatória, queimar gás natural extraordinariamente deve compensar o impacto causado.

Nesse sentido, é possível imaginar a instituição de instrumentos econômico-financeiros que teriam, a depender da estrutura regulatória e econômica, potencialmente capacidade para reverter a atual equação financeira que inviabiliza o escoamento e o aproveitamento de gás natural em áreas de produção de óleo. Nessa linha, ter-se-iam instrumentos econômicos de taxação de emissões não decorrentes de acidentes ou de necessidade operacional como modelos até o desenvolvimento de alternativas tecnológicas que permitam o escoamento e o aproveitamento dos gás natural hoje rejeitado.

 

5. CONCLUSÃO

 

Como destacado, a ausência de metas de redução de emissões de GEE por fontes, especialmente aptas a serem aplicadas à iniciativa privada, apesar da existência de um objetivo global e das INDCs – sem o estabelecimento de sanções em caso de descumprimento, lembre-se – de redução das emissões nacionais é um obstáculo à implementação de medidas mais efetivas de mitigação e, especialmente, de compensação.

A implementação da própria PNMC é um desafio, já que a norma é essencialmente programática e não traz definições quanto a quem (dentre as diversas esferas do governo e/ou mesmo se incidem obrigações específicas para a iniciativa privada) cabe a efetivação das políticas e ações para o cumprimento das metas estabelecidas.

Ainda assim, especificamente quanto às queimas (flaring) e perdas extraordinárias de gás natural, tanto a ANP, quanto o IBAMA têm adotado medidas de mitigação e mesmo de compensação. Note-se que as medidas de mitigação teriam amparo nos princípios da prevenção de danos ambientais, enquanto as de compensação estariam fundamentadas no princípio do poluidor-pagador, que permitiria caminhar para a internalização da externalidade negativa de emissões de GEE.

Tais medidas parecem ter surtido efeito bastante positivo, pois as queimas e perdas de gás natural sofreram enorme queda e o aproveitamento do recurso aumentou (passou-se de cerca de 89% para 95%) nos últimos dez anos. Entretanto, em valores absolutos, as queimas mantêm-se estáveis desde 2012 (cerca de 1,5 milhões de CO2eq), o que indica o provável alcance de um limite de efetividade das medidas até então adotadas.

Como afirmam VALENTIM et. al. (2012, p. 19), para melhor alavancar as medidas de mitigação e compensação já estabelecias, “será importante avançar na padronização dos procedimentos para realização dos inventários de emissões (…)”, “ampliar as opções de medidas compensatórias a serem implementadas, preferencialmente beneficiando ações nos ecossistemas próximos as atividades” e definir “os parâmetros gerais para exigência de compensação de carbono no licenciamento ambiental.”.

A regulação da exploração de gás natural, parece-nos, caminhar para estabelecer queimas mínimas e para o estabelecimento de metas de redução de emissões por setor.

Entretanto, até que tais medidas sejam estabelecidas e mesmo nos casos em que ocorra a queima de gás natural – note-se a questão de política energética de não aproveitamento do gás natural em projetos como o Pré-sal, é necessário que sejam incentivadas e estabelecidas obrigações de mitigação e de compensação.

Dentre os mecanismos de compensação, pode-se imaginar que instrumentos econômicos de taxação de emissões não decorrentes de acidentes ou necessidade operacional poderiam, ao menos em tese, levar ao desenvolvimento tecnológico que permita o escoamento e o aproveitamento dos gás natural hoje rejeitado.

A questão ainda comporta controvérsias e impasses jurídico-regulatórios, que devem ser solucionados – especialmente sob o prisma de política energética – para que se alcance ainda maiores reduções das emissões de GEE decorrentes do rejeito de gás natural.

 

  1. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o suporte da BG E&P Brasil e FAPESP através do Centro de Pesquisa e Inovação do Gás (FAPESP Proc. 2014/50279-4), assim como da Universidade de São Paulo e a importância estratégica do suporte dado pela ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) através da cláusula de P&D.

 

  1. BIBLIOGRAFIA

 

BRASIL, ANP. Boletim Anual de Preços 2015: preços do petróleo, gás natural e combustíveis nos mercados nacional e internacional. Rio de Janeiro: ANP, 2015.

______, ANP. Nota Técnica ANP nº 010/02/SCG, de 30.04.2002.

______, MCTI, 2013. Estimativas anuais de emissões de gases de efeito estufa, 2a ed. Disponível em: <http://www.mct.gov.br/upd_blob/0235/235580.pdf>, acesso em 12.12.2015.

_____, Plano Decenal de Expansão de Energia 2024. Brasília: MME/EPE, 2015. Disponível em: <http://www.epe.gov.br/PDEE/Sumario%20PDE%202021.pdf>, acesso em 05.01.2016.

BERWIG, Juliane A. Mudanças climáticas: energia e precaução. In: Revista de Direito Ambiental vol.73, jan.-mar. 2014, p.393-415.

DIAS, Anderson do Nascimento. As emissões fugitivas de gases de efeito estufa da indústria de petróleo e gás natural no Brasil – inventário, cenários e propostas de mitigação. Rio de Janeiro: Dissertação (mestrado) – UFRJ/ COPPE/ Programa de Planejamento Energético,2015.

FOLHA DE SÃO PAULO. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/04/1757104-pre-sal-faz-petrobras-reinjetar-mais-gas-natural-no-subsolo.shtml e em http://www.anp.gov.br/?dw=8488, acesso em 02.06.2016.

GIDDENS, A. The politics of climate change. Cambridge: Polity, 2009.

SACHS,  I. (1998). Desenvolvimento,  direitos  humanos  e  cidadania.  Instituto  de  Pesquisa  de Relações  Internacionais  Fundação  Alexandre  Gusmão.  Seminário  Direitos  Humanos  no Século    XXI,    10    e    11    de    setembro    de    1998,    Rio    de   Janeiro.    Disponível    em: http://www.nevusp.org/downloads/down182_1.pdf. Acessado em: 25 de março de 2008.

STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro, 2a ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

VALENTIM, L. P. F. et al. O papel do licenciamento ambiental na mitigação dos impactos ambientais da emissão de gases de efeito estufa – setor de petróleo e gás. Anais da 2a Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos. 1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto. ABAI, 2012, p. 1-9. Disponível em: <http://avaliacaodeimpac-to.org.br/>, acesso em 30.10.2015.

 

[1]     Resumo do relatório do IPCC disponível em: https://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar5/syr/AR5_SYR_FINAL_All_Topics.pdf, acesso em 01.05.2016.

[2]     Em 1992, foi firmada a Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (“CQNUAC”). O Protocolo de Quioto da CQNUAC foi aprovado 1997, mas somente entrou em vigor em 2005, após o alcance do mínimo de ratificações. O seu art. 3o previu um “primeiro período do compromisso”, entre 2008 e 2012, quando as Partes do seu Anexo I (a maior parte países desenvolvidos) deveriam promover a redução de suas emissões totais de GEE a pelo menos 5% abaixo dos níveis de 1990.

[3]     Além desse Acordo, os países adotaram a Decisão 1/CP.21, quanto à Adoção do Acordo de Paris, que estabelece uma série de medida, orienta as partes nas ações e detalha a implementação do acordo até sua entrada em vigor (disponível em: http://unfccc.int/resource/docs/2015/cop21/eng/10a01.pdf, acesso em 01.05.2016).

[4]     Os gases de feito estufa, segundo avaliações científica, causam o aquecimento da Terra . O Anexo A do Protocolo de Kyoto define como GEE os seguintes gases: CO2 – Dióxido de Carbono, N2O – Óxido nitroso, CH4 – Metano, CFCs – Clorofluorcarbonetos, HFC – Hidrofluorcarbonetos, PFCs – Perfluorcarbonetos e SF6 – Hexafluoreto de enxofre.

[5]     Texto integral em língua inglesa disponível em: <http://unfccc.int/resource/docs/2015/cop21/eng/l09.pdf>, acesso em 02.01.2016. Tradução livre.

[6]     Texto integral em língua inglesa disponível em: <http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/70/1&Lang=E>, acesso em 02.06.2016. Tradução livre.

[7]     O princípio das “responsabilidades comuns porém diferenciadas” é reconhecido expressamente no art. 10 do Protocolo de Kioto e no art. 2 do Acordo de Paris.

[8]     Disponível em:  <http://www4.unfccc.int/submissions/INDC/Published%20Documents/Brazil/1/BRAZIL%20iNDC%20english%20FINAL.pdf >, acesso em 02.01.2016. Tradução livre.

[9]     De 2005 a 2012, teria havido uma queda de 41% das emissões de GEE brasileiras. BRASIL, MCTI, 2013. Estimativas anuais de emissões de gases de efeito estufa, 2a ed., p. 17. Disponível em: <http://www.mct.gov.br/upd_blob/0235/235580.pdf>, acesso em 12.12.2015.

[10]   Idem. O trabalho considera para o setor de energia as “emissões devido à queima de combustíveis e emissões fugitivas da indústria de petróleo, gás e carvão mineral”. Diminuição das emissões passa, portanto, pela redução e desincentivo das emissões fugitivas.

[11]   Em 2012, a parcela relativa a E&P representou 2,9% do total de emissões do setor de energia ou 13 milhões t de CO2eq..

[12]   Segundo DIAS, “O CH4 [metano] é o tipo predominante de GEE integrante das fontes de emissões fugitivas relacionadas à indústria de petróleo e gás natural. O CO2 também é um constituinte de todas as emissões fugitivas (sobretudo durante a extração dos hidrocarbonetos e na queima de gás no flare)” e tem maior capacidade de afetar o clima devido ao seu alto potencial de aquecimento global – GWP.

[13]   Dado disponível em: http://www.ipcc-nggip.iges.or.jp/public/2006gl/index.html, acesso em 09.03.2016.

[14]   Queimas ou perdas de gás natural: (i) volume igual ou inferior a 3% da produção mensal de gás natural associado do campo; (ii) produzidos em teste de poço, durante a fase exploratória, com período de fluxo, contínuo ou não, igual ou inferior a 72 horas, por intervalo testado; (iii) para segurança, limitada ao volume mensal de até 15 mil metros cúbicos para os pilotos dos queimadores de equipamentos, de até 30 mil metros cúbicos para os pilotos dos queimadores (flares) de instalações terrestres e de até 60 mil metros cúbicos para os pilotos dos queimadores (flares) de instalações marítimas; (iv) correspondentes ao volume total igual ou inferior a 150 mil metros cúbicos/mês, independentemente do número de poços produtores, ou em campo que produz com razão gás/petróleo igual ou inferior a 20m3/m3; e (v) em tanques terrestres ou navios de armazenamento, limitadas pelo valor de razão de solubilidade igual ou inferior a 15m3/m3.

[15]   Como consta do Boletim Anual de Preços da ANP 2015, os principais índices do mercado internacional demonstram a negociação de petróleo em torno de 100 US$/bbl, em 2013 e 2014, e de gás natural em torno de  4 US$/MBTU para o mesmo período.  Note-se em relação aos preços do petróleo que, a partir do “segundo semestre de 2014, as cotações dos principais preços de referência no mercado internacional iniciaram trajetória de queda, acompanhado ainda de um substancial incremento na volatilidade. No encerramento do ano, os contratos futuros com vencimento no mês seguinte (1st month) foram negociados a US$ 54,98/bbl para o Brent, US$ 55,72/bbl para o WTI e US$ 52,89/bbl para o Dubai. Com isso, o ano  [de 2014] terminou com os menores patamares de preço do petróleo observados desde a crise  nanceira de 2008”. (pp.18 e 111). Ainda assim, o gás natural tem menor valor de mercado quanto comparado com o petróleo.

[16]   A revisão da norma em questão consta da agenda regulatória 2015/2016 da ANP, “tendo como base o conhecimento adquirido com a implementação do Programa Anual de Redução de Queimas” (ação 6.8).

[17]   Note-se que a norma (na linha do que dispõem a Lei 9.478/1997, art. 47, § 3º, e a Lei 12.351/2010, art. 42-A, § 2º) estabelece limites para os volumes de queimas e perdas de gás natural para fins de pagamento de royalties (item 9 do Anexo), sem considerações de ordem ambiental.

[18]   Elaboração própria a partir de dados estatísticos mensais da ANP (Boletins mensais da produção de petróleo e gás natural. Disponível em: www.anp.gov.br/?pg=69299&m=&t1=&t2=&t3=&t4=&ar=&ps=&1452954043451, acesso em. 10.05.2016.

[19]   O IBAMA é o órgão ambiental federal, exercendo as funções de licenciar e fiscalizar atividades potencialmente poluidoras , tendo grande participação na implementação de políticas públicas ambientais

No Brasil, inexiste uma agência ambiental, sendo a competência executiva em matéria ambiental comum e repartida entre diversos órgãos na esfera federal, estadual e municipal (é o chamado Sisnama, instituído pela Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei 6.938/81). Para os fins deste trabalho, serão avaliadas as ações apenas do IBAMA quanto à redução de GEE decorrente do flaring. Dentre as atividades cujo licenciamento está sob sua competência encontram-se aquelas desenvolvidas “no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva” (art. 7o, XIV, b, da Lei Complementar 140/2011), que, no caso da exploração e produção de petróleo e gás, são as maiores responsáveis pelas emissões de GEE (em 2014, 1,4 dos 1,6 bilhão de m³ de gás natural queimado se originaram em atividades localizadas no mar).

[20]   No plano global, o Banco Mundial instituiu em 2002 a Global Gas Flaring Reduction (GGFR), uma parceria público-privada (envolvendo países produtores e empresas), com o objetivo de reduzir a queima e as perdas (flaring e venting) de GEE. Integram a GGFR: Azerbaijão, Camarões, Canadá, Cazaquistão, Estados Unidos, França, Gabão, Indonésia, Iraque, Kuwait, México, Nigéria, Noruega, Qatar, República do Congo, Rússia e Uzbequistão; e as empresas BP, Chevron, Eni, ExxonMobil, Kuwait Oil Co, Pemex, Qatar Petroleum, Shell, SNH (Camarões), SOCAR, Sonatrach, Statoil e Total; além da União Europeia (disponível em: http://www.worldbank.org/en/programs/gasflaringreduction#1, acesso em 04.01.2016).



Profissional(is) relacionado(s)

Mariana Fernandes Miranda

Data de Publicação

01/04/2016