LITIGÂNCIA CLIMÁTICA (CASO “CLIENTEARTH”) E A ABORDAGEM “PRATIQUE OU EXPLIQUE” EM PRÁTICAS ASG DE COMPANHIAS ABERTAS
Em fevereiro deste ano, a ONG ClientEarth, na qualidade de acionista detentora de posição minoritária em uma empresa petrolífera, propôs uma ação inovadora na suprema corte (i.e., High Court of Justice) do Reino Unido. A ação visava responsabilizar o conselho de administração da empresa por negligenciar seu dever de promover estratégia de transição energética em conformidade com o Acordo de Paris, o que seria uma violação do UK Companies Act. Até onde se tem notícia, esta seria a primeira vez em que um acionista minoritário buscou a responsabilização direta do conselho de administração por danos climáticos.
A ONG argumentou que dois deveres gerais do UK Companies Act não estavam sendo observados pelo conselho: (i) o dever de promover, em boa fé, o sucesso da empresa; e (ii) o dever de exercer cuidado e diligência razoáveis. De acordo com a interpretação da ONG, esses deveres, à luz dos riscos climáticos, implicariam em deveres adicionais relacionados ao risco climático, como a mitigação desses riscos, a implementação de estratégias de longo prazo e a conformidade com obrigações legais.
No entanto, o magistrado decidiu que a pretensão da ONG de impor obrigações específicas ao conselho decorrentes do dever geral de diligência conflita com o princípio britânico de que o conselho tem autonomia para decidir as melhores maneiras de promover o sucesso da empresa. A decisão também afirmou que o fórum adequado para essas discussões seria a assembleia geral da empresa, não o judiciário, e que a ONG, na qualidade de acionista minoritária, não estava litigando de boa fé.
A decisão também afirmou que o fórum adequado para essas discussões seria a assembleia geral da empresa, não o judiciário, e que a ONG, na qualidade de acionista minoritária, não estava litigando de boa fé. No contexto brasileiro, embora a condenação individual de membros de conselhos de administração seja teoricamente possível, devido ao rigoroso regime jurídico brasileiro de responsabilidade ambiental, a questão pode encontrar resistências nos tribunais.
Ocorre que, em tese, e a depender de circunstâncias específicas, a Lei das Sociedades Anônimas brasileira (Lei 6.404/1976), entre outras, poderia se apresentar como fundamento a pleito assemelhado. Com efeito, nos termos da Lei das S.A., (i) “o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa” (art. 154); e (ii) “o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender” (art. 116, § único).
No mesmo sentido da tendência global de maior responsabilização e transparência no âmbito ambiental, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), por meio da publicação da Resolução 59/2021 (conforme alterada e republicada), introduziu modificações no formulário de referência, exigindo que as companhias abertas divulguem informações relativas à adoção ou não de práticas ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) no formato “pratique ou explique”, objetivando uma maior transparência para os investidores e o mercado como um todo.
A postura da CVM não se limita apenas a solicitar a divulgação dessas práticas; ela insta as companhias a comunicarem seus compromissos ambientais e, caso não os cumpram, que justifiquem os motivos de tal decisão, deixando as companhias sob um escrutínio mais rigoroso do público em geral, alinhando o mercado de capitais brasileiro às crescentes demandas globais por sustentabilidade e responsabilidade corporativa. |