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Informativo Societário

A FLEXIBILIZAÇÃO DA MANIFESTAÇÃO DA VONTADE EM PAUTA NO MUNDO

Em julho de 2023, foi publicada a Lei 14.620/2023 que alterou o Código de Processo Civil para aceitar como válida qualquer forma de assinatura eletrônica prevista em lei, independentemente da assinatura de testemunhas, caso sua integridade seja garantida por um provedor de assinatura. Esse avanço legislativo demonstra a intenção – e a necessidade – de flexibilizar os meios de manifestação da vontade na era digital, algo que tem sido debatido no âmbito judicial, aqui no Brasil e internacionalmente.

Recentemente, o TJSP1 corroborou essa ideia, afirmando que a validade de uma assinatura eletrônica não precisa ser endossada por empresas certificadoras registradas pelo ICP-Brasil. A MP 2.200-2/2001, que criou o ICP-Brasil, já permitia a comprovação da autoria e integridade de documentos eletrônicos através de outros meios, desde que aceitos pelas partes envolvidas.

Em uma situação semelhante no Canadá, a justiça reconheceu a validade de um contrato assinado com o emoji “joinha”, ressaltando que os tribunais não devem tentar conter o avanço da tecnologia e da manifestação de vontade atribuída ao uso comum de emojis. Já nos Estados Unidos, as cortes têm discutido se determinados emojis (ex. “foguete” ou “gráficos”) poderiam configurar uma promessa de retorno financeiro em relação a ofertas de investimento. A análise de cada situação individual é crucial para determinar a validade de cada relação, porém, é incontestável que esse tema está ganhando contornos mais claros, globalmente, através da jurisprudência. Esse desenvolvimento é vital para a segurança jurídica na realização de transações no cenário atual, cada vez mais digitalizado.

Já em relação à necessidade da assinatura de testemunhas, as Juntas Comerciais do Brasil, alinhadas a esta tendência de modernização, já têm adotado há anos uma postura mais flexível para a análise da eficácia e registro de documentos societários. De acordo com o STJ2, o fato de as testemunhas não estarem presentes durante a formação do documento não retira sua executoriedade. Isto porque as assinaturas podem ser feitas em um momento posterior à criação do título executivo extrajudicial, sendo as testemunhas de caráter meramente instrumental.

 

 

 

LITIGÂNCIA CLIMÁTICA (CASO “CLIENTEARTH”) E A ABORDAGEM “PRATIQUE OU EXPLIQUE” EM PRÁTICAS ASG DE COMPANHIAS ABERTAS

Em fevereiro deste ano, a ONG ClientEarth, na qualidade de acionista detentora de posição minoritária em uma empresa petrolífera, propôs uma ação inovadora na suprema corte (i.e., High Court of Justice) do Reino Unido. A ação visava responsabilizar o conselho de administração da empresa por negligenciar seu dever de promover estratégia de transição energética em conformidade com o Acordo de Paris, o que seria uma violação do UK Companies Act. Até onde se tem notícia, esta seria a primeira vez em que um acionista minoritário buscou a responsabilização direta do conselho de administração por danos climáticos.

A ONG argumentou que dois deveres gerais do UK Companies Act não estavam sendo observados pelo conselho: (i) o dever de promover, em boa fé, o sucesso da empresa; e (ii) o dever de exercer cuidado e diligência razoáveis. De acordo com a interpretação da ONG, esses deveres, à luz dos riscos climáticos, implicariam em deveres adicionais relacionados ao risco climático, como a mitigação desses riscos, a implementação de estratégias de longo prazo e a conformidade com obrigações legais.

No entanto, o magistrado decidiu que a pretensão da ONG de impor obrigações específicas ao conselho decorrentes do dever geral de diligência conflita com o princípio britânico de que o conselho tem autonomia para decidir as melhores maneiras de promover o sucesso da empresa. A decisão também afirmou que o fórum adequado para essas discussões seria a assembleia geral da empresa, não o judiciário, e que a ONG, na qualidade de acionista minoritária, não estava litigando de boa fé.

A decisão também afirmou que o fórum adequado para essas discussões seria a assembleia geral da empresa, não o judiciário, e que a ONG, na qualidade de acionista minoritária, não estava litigando de boa fé. No contexto brasileiro, embora a condenação individual de membros de conselhos de administração seja teoricamente possível, devido ao rigoroso regime jurídico brasileiro de responsabilidade ambiental, a questão pode encontrar resistências nos tribunais.

Ocorre que, em tese, e a depender de circunstâncias específicas, a Lei das Sociedades Anônimas brasileira (Lei 6.404/1976), entre outras, poderia se apresentar como fundamento a pleito assemelhado. Com efeito, nos termos da Lei das S.A., (i) “o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa” (art. 154); e (ii) “o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender” (art. 116, § único).

No mesmo sentido da tendência global de maior responsabilização e transparência no âmbito ambiental, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), por meio da publicação da Resolução 59/2021 (conforme alterada e republicada), introduziu modificações no formulário de referência, exigindo que as companhias abertas divulguem informações relativas à adoção ou não de práticas ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) no formato pratique ou explique, objetivando uma maior transparência para os investidores e o mercado como um todo.

A postura da CVM não se limita apenas a solicitar a divulgação dessas práticas; ela insta as companhias a comunicarem seus compromissos ambientais e, caso não os cumpram, que justifiquem os motivos de tal decisão, deixando as companhias sob um escrutínio mais rigoroso do público em geral, alinhando o mercado de capitais brasileiro às crescentes demandas globais por sustentabilidade e responsabilidade corporativa.

 

 

PROJETO DE LEI 2.925 (ALTERAÇÕES À LEI DAS S.A.)
O Ministério da Fazenda recentemente propôs o Projeto de Lei (PL) 2.925/2023 que visa alterar a Lei 6.385/1976 e a Lei 6.404/1976 (Lei das S.A.), focando na transparência em processos arbitrais e no sistema de proteção de direitos de investidores minoritários no mercado de valores mobiliários. Esta proposta é resultado de um estudo realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que identificou a necessidade de aperfeiçoamento dos mecanismos de proteção de direitos de acionistas minoritários no Brasil.O projeto propõe ampliar os poderes investigativos da CVM para incluir inspeções em empresas investigadas – medida controversa que tem sido muito debatida e questionada por agentes do mercado – e solicitações ao Poder Judiciário de mandados de busca e apreensão. Além disso, estabelece a responsabilidade civil dos administradores e acionistas controladores por prejuízos causados a investidores em decorrência de infrações à legislação e regulamentação do mercado de capitais.

Uma alteração significativa é a proposta de uma nova forma de ação coletiva para proteger os investidores no mercado de capitais. Este novo modelo dará legitimidade a acionistas detentores de 2,5% dos valores mobiliários da mesma classe, ou que possuam valor igual ou superior a R$ 50 milhões. A sentença a ser proferida nessa ação coletiva terá efeito erga omnes, exceto para investidores que optem por ações individuais.

O projeto também traz mudanças significativas para os processos arbitrais. Estatutos e outros instrumentos podem prever que a ação de responsabilidade seja decidida por arbitragem, cujo procedimento será público, mas o mercado ainda questiona como a CVM irá “calibrar” o que deve ser divulgado nos procedimentos arbitrais. Embora o PL 2.925/2023 ainda esteja sob análise, sua importância para o mercado de capitais e a sociedade em geral demanda atenção cuidadosa.



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Natalie Sequerra

Data de Publicação

28/08/2023