Graça Couto Informa – Societário, Private Equity e Mercado de Capitais | Nov/18
NOVAS REGRAS DE INVESTIMENTO EM SOCIEDADES DE CRÉDITO DIRETO E DE EMPRÉSTIMOS A PESSOAS
Foi publicado, em 30 de outubro de 2018, o Decreto nº 9.544 (“Decreto”), assinado pelo Presidente Michel Temer, que autoriza a participação estrangeira de até 100% no capital social de Sociedades de Crédito Direto (“SCD”) e de Sociedades de Empréstimo entre Pessoas (“SEP”) autorizadas a funcionar pelo Banco Central.
O Decreto representa importante medida para alavancar a captação de recursos pelas chamadas “fintechs de crédito”, plataformas eletrônicas para realização de operações de financiamento e empréstimos, uma vez que, de acordo com a legislação aplicável, tais sociedades – por serem caracterizadas como instituições financeiras – dependeriam de autorização expressa do Poder Executivo para receberem investimentos estrangeiros (o que depende de extenso procedimento prévio).
O Decreto, em conjunto com a adoção de regulamentação inspirada em modelos internacionais, tende a reduzir a desvantagem competitiva entre as fintechs de crédito e outras startups no processo de captação e dá continuidade a uma tendência do Banco Central de estimular a inovação tecnológica e o desenvolvimento de fintechs no país.
EXTENSÃO DA COBERTURA EM SEGURO D&O
Seguro de responsabilidade civil D&O: decisões judiciais recentes reacenderam a discussão sobre a extensão do seguro de responsabilidade civil D&O (Directors and Officers), habitualmente contratado por empresas para protegerem a si e a seus administradores contra eventuais indenizações a que sejam condenadas a pagar em conexão com atos praticados no exercício de suas funções de gestão (a cobertura também pode englobar os custos de defesa incorridos em processos judiciais ou arbitrais, inclusive honorários de advogado).
Extensão da cobertura: a principal discussão que se apresenta – sobretudo no contexto da Operação Lava-Jato – é se as seguradoras devem ser obrigadas a garantir cobertura contra indenizações resultantes da prática de atos ilícitos por administradores de empresas, em especial quando cometidos em meio a episódios de corrupção.
Negativa para atos dolosos: as decisões mais recentes têm rechaçado a possibilidade de cobertura por seguradoras quando os atos que deram origem à indenização se caracterizam como ilícitos dolosos praticados por tais administradores. Nos últimos anos, há precedentes, por exemplo, (i) do STJ (Recurso Especial 1.601.555/SP, relatado pelo Min. Villas Bôas Cueva), que analisou litígio envolvendo a prática de insider trading por administrador de companhia aberta (nesse caso, foi adotado o argumento adicional de que a negociação ilícita de ações não é ato praticado pelo administrador no exercício de suas funções, mas como mero acionista da companhia, não se enquadrando no escopo da cobertura), e (ii) do TJSP (Apelação Cível 1011986-32.2017.8.26.0100, cujo relator designado para acórdão foi o Des. Hamid Bdine), em que se discutia episódio envolvendo o pagamento de vantagens ilícitas pela diretoria da sociedade segurada.
Regulamentação aplicável: na mesma linha, em maio de 2017, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP (regulador federal de seguros privados) editou a Circular 553, que estabelece a regulamentação aplicável a esse tipo de seguro. A citada Circular deixa claro que o fato gerador da cobertura securitária, em casos tais, é o ato ilícito culposo (i.e., a ação ou omissão involuntária decorrente de negligência, imperícia ou imprudência que gere dano) praticado por um segurado, mas nunca o ato ilícito doloso ou praticado com culpa grave (que é ação ou omissão voluntária, como no caso de quaisquer crimes de corrupção ou contra o mercado financeiro).
Fundamentação: o fundamento para essa orientação normativa e jurisprudencial é o fato de que, conquanto esse seguro represente uma proteção patrimonial para os gestores (evitando conservadorismo excessivo no desempenho de suas funções, com o receio de serem obrigadas a arcar com as consequências), o mecanismo não pode funcionar como um seguro absoluto contra atos criminosos, sob pena de desnaturar a equação de risco original do contrato, que é característica básica do seguro.
Posicionamento da CVM: em 25 de setembro de 2018, a CVM emitiu o Parecer de Orientação nº 38, que trata dos deveres fiduciários dos administradores no âmbito de tais contratos de indenidade. Na mesma linha, a CVM manifestou sua preocupação com a adoção de regras destinadas a mitigar conflitos de interesses inerentes a tais contratos, evitando que administradores se desviem de seus deveres fiduciários, com a segurança de estarem protegidos pelo seguro. Na oportunidade, a CVM (i) recomendou a implementação de procedimentos de governança para a tomada de decisão quanto à indenização, ou não, de despesas postuladas por administradores, e (ii) orientou as companhias a excluírem da cobertura securitária as despesas decorrentes de atos dos administradores praticados (a) fora do exercício de suas atribuições, (b) com má-fé, dolo, culpa grave ou mediante fraude; ou (c) em interesse próprio ou de terceiros, em detrimento do interesse social da companhia.
JULGADO DA CVM DEFINE ORIENTAÇÕES SOBRE OBRIGAÇÕES E RESPONSABILIDADES DE ADMINISTRADORAS E GESTORAS DE FUNDOS
Muito se discute sobre a responsabilidade de administradoras fiduciárias e gestoras de recursos de fundos de investimentos, especialmente suas diferenças e eventuais sobreposições. Nesse sentido, apesar de não examinar detalhadamente tais aspectos, o referido julgado começa a delinear alguns parâmetros sobre o entendimento da autarquia em relação ao tema.
Sobre o Caso: no dia 24 de julho, o Colegiado da CVM julgou caso instaurado pela Superintendência de Relações com Investidores Institucionais para apurar a responsabilidade da gestora BNY Administração de Ativos Ltda. (“BNY Gestora”), e de seu diretor, José Carlos Lopes Xavier de Oliveira (“José Carlos”), além da BNY Mellon Serviços Financeiros DTVM S.A. (“BNY Administradora”), administradora do Pacific Fundo de Investimento Renda Fixa Crédito Privado (“Fundo”), em virtude de suposta violação dos seus respectivos deveres fiduciários. Em resumo, a gestora decidiu aplicar 60% do patrimônio líquido do Fundo Pacific, equivalente a R$ 72 milhões, em debêntures emitidas pela RO Participações S.A. (“ROPart”), apesar de existirem diversas evidências de que o investimento seria contrário aos interesses do cotista. O Fundo é exclusivo, controlado indiretamente pelo Postalis – Instituto de Seguridade Social dos Correios e Telégrafos (“Postalis”). A ROPart, por sua vez, é controlada pela Risk Office Consultoria Financeira Ltda. (“Risk Office”), consultora para a gestão de riscos financeiros.
O Investimento: com base em estudos de mercado e do próprio caso, a CVM apontou que:
(i) as debêntures ofereciam remuneração abaixo das condições de mercado;
(ii) considerando tratar-se de emissão com esforços restritos, o custo de emissão das debêntures no montante de R$ 12 milhões era exorbitante;
(iii) não havia dados disponíveis para avaliar a solvência da emissora, as garantias fiduciárias vinculadas às debêntures (que se mostraram inexistentes) e a remuneração variável baseada na participação nos lucros da Risk Office;
(iv) como ressaltado abaixo, não havia relatório de rating (que teria sido produzido somente após o investimento e que continha erros grosseiros); e
(v) a equipe técnica da BNY Administradora havia emitido parecer contrário à realização da operação, por entender que as debêntures não ofereciam remuneração compatível com o seu perfil de risco, e ainda assim a BNY Gestora e seu diretor foram adiante com o investimento.
A Irrelevância da Qualificação do Fundo: José Carlos alega que não tinha poderes discricionários para negociar a carteira do Fundo; as decisões seriam tomadas pela diretoria do Postalis. Ademais, o Fundo era investidor qualificado, capaz de avaliar riscos de investimentos. Tais argumentos não foram acatados pela CVM, já que, como observou a autarquia, o regulamento do Fundo e a legislação em vigor (art. 56, § 2º, da ICVM nº 409/2004) previam expressamente que a gestão profissional da carteira cabia à BNY Gestora, sendo a qualificação do Fundo irrelevante.
Da Responsabilidade da Administradora: a Administradora procedeu à análise técnica do investimento, elaborando o relatório referido no item (v) acima, muito embora não estivesse obrigada a tanto nos termos da regulamentação então vigente, o que seria uma demonstração de diligência. Como ressaltado pela CVM, o fato de a recomendação contida em tal estudo, contrária à realização do investimento, não ter sido acatada, somente poderia ser imputado à BNY Gestora e ao seu diretor responsável, a quem havia sido confiada a gestão da carteira do Fundo Pacific.
Um ponto importante salientado pela CVM é que se fatos semelhantes aos apurados no processo em questão tivessem ocorrido já sob a égide da ICVM nº 558/2015, caberia à instituição encarregada da administração do fundo comunicar tempestivamente à CVM os indícios de violação aos deveres fiduciários que haviam sido identificados, em cumprimento ao dever estabelecido no art. 16, VIII, da referida Instrução. Assim, é possível que a CVM passe a enxergar a responsabilidade do administrador do fundo de forma mais ampla na legislação em vigor, inclusive aplicando penalidades se o administrador não agir diante de indícios de irregularidades que venham a ser praticados por outros agentes.
Business Judgement Rule: o voto do relator reconheceu não ser de competência da autarquia analisar o mérito das decisões de investimento dos gestores, nas quais se presume a boa-fé (o chamado business judgement rule). Em outras palavras, não cabe à CVM punir gestoras por prejuízos resultantes de decisões de investimento tomadas no curso normal dos negócios. Por outro lado, competiria à CVM “verificar se, ao tomar determinada decisão de investimento, o gestor agiu em conformidade com os deveres fiduciários que lhe são impostos pela regulamentação vigente. Não se trata, nesses casos, de fazer um juízo de valor sobre a qualidade do trabalho do gestor, mas de averiguar se há razões objetivas para entender que ele não agiu com a diligência devida, por ter deixado de adotar algum cuidado impositivo antes de consumar a operação, ou que ele cometeu deliberadamente um ato desleal, em detrimento dos interesses dos cotistas. Caso surjam essas evidências, a área técnica tem não só o poder como o dever de apurar as responsabilidades dos infratores, de modo a disciplinar o mercado e inibir a reiteração de comportamentos assemelhados.”.
Penalidades: a CVM determinou a inabilitação por 3 anos de José Carlos para o exercício do cargo de administrador ou de conselheiro fiscal de companhia aberta, de entidade do sistema de distribuição ou de outras entidades que dependam de autorização ou registro na Comissão de Valores Mobiliários. Ademais, condenou a BNY Gestora ao pagamento multa no valor de R$ 7.200.000,00, equivalente a 10% do valor da operação irregular.
O “CRA VERDE”
Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA): os CRAs são títulos de renda fixa, regulados pela Lei nº 11.076/04 e pela Instrução CVM nº 600/2018 e lastreados em créditos de origem agropecuária e de livre negociação no mercado secundário. Pela sua natureza de valor mobiliário, a emissão do CRA tem por finalidade a captação de poupança popular, sendo alternativa aos produtores rurais em relação às tradicionais linhas de financiamento bancário. Além disso, vale mencionar que, para pessoas físicas, os rendimentos do CRA são isentos de Imposto de Renda.
Green Bonds: green bonds (ou títulos verdes) é um termo genérico usado para descrever títulos de dívida que visam à captação de recursos para projetos ou empreendimentos de caráter sustentável e com responsabilidade socioambiental. Embora seja prática ainda incipiente no Brasil, sem regulação específica para a emissão desses títulos, o mercado de títulos verdes vem crescendo nos últimos anos, com destaque para algumas emissões realizadas por grandes companhias locais (Fibria, BRF, além do BNDES).
CRA verde: uma nova alternativa de financiamento tem chamado a atenção do mercado nacional: o “CRA verde”, que, apesar de se caracterizar como um CRA, também reúne as características necessárias ao seu enquadramento como título verde. Nesse sentido, o World Wide Fund for Nature (WWF) emitiu relatório (“Incentivando práticas mais responsáveis na produção de commodities no Brasil”) estabelecendo diretrizes para a emissão de tais títulos.
Requisitos: de acordo com o citado relatório, para se estabelecer um mercado transparente e com credibilidade para a emissão de CRAs verdes, são necessários os seguintes elementos críticos: (i) o CRA verde deve endereçar e cobrir um ou mais desafios ambientais do setor agropecuário; (ii) deve se concentrar em alcançar benefícios ambientais reais e verificáveis; (iii) os compromissos devem ser baseados na ciência, orientados para o longo prazo e com resultados resilientes; (iv) ser desenvolvido com foco em cada cadeia e sua problemática ambiental; (v) cabe ao emissor provar os benefícios ambientais da emissão e a divulgação destes benefícios deve ser clara, específica e real, por meio de um sistema efetivo de monitoramento, verificação e relatório (MRV); (vi) o mecanismo deve ser auditável (por terceiros); e (vii) certificações socioambientais existentes podem fornecer atalhos e simplificar o processo.
Mercado global: de fato, a emissão de títulos verdes é uma tendência que vem ganhando espaço no mercado financeiro. No ano de 2017, foram emitidos cerca de 96 bilhões de dólares em títulos classificados como green bonds no mercado global. Grandes instituições do mercado financeiro têm destinado recursos para investimentos ESG (environmental, social and governance), como, por exemplo, Aviva, BlackRock, State Street. Espera-se, portanto, que aumente no médio prazo o número de emissões de CRAs verdes no mercado nacional.