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Graça Couto Informa – Societário, Private Equity e Mercado de Capitais | Nov/19

Graça Couto Informa – Societário, Private Equity e Mercado de Capitais | Nov/19

 

 

Venture debt como modalidade alternativa de funding para start-ups

 

Venture debt no cenário brasileiro: é usual que start-ups busquem financiamento para a expansão de suas atividades por meio da captação de investidores dispostos a adquirir participação societária das empresas. Apesar de essa ser a regra, uma modalidade alternativa de funding – praticada em maior escala nos EUA (onde há alguns anos esse mercado já movimenta cerca de 4 bilhões de dólares por ano) – começa a ganhar espaço no cenário brasileiro: o venture debt.

 

Características: trata-se da concessão de financiamento a start-ups na forma de dívida, que em regra se dá mediante a emissão de instrumentos (tais como debêntures e CCBs), não conversíveis em equity, com prazos e taxas variáveis conforme o caso concreto.

 

Benefícios do modelo: dentre os principais fatores atrativos que fazem com que start-ups recorram a essa modalidade de funding, podemos destacar os seguintes: (i) evitar a diluição excessiva dos sócios mediante captação de recursos adicionais por meio de nova rodada de investimento (não é demais frisar a relevância de um cap table equilibrado para futuras captações); (ii) o uso dos recursos para desenvolvimento do negócio ou atingimento de milestones que colocarão a empresa em uma posição mais favorecida para, no curto ou médio prazo, captar investimentos adicionais no âmbito de nova rodada de investimento via equity; e (iii) a proximidade com o venture lender (VL), que pode participar de (e estimular a participação de outros potenciais investidores em) futuras rodadas de investimento, contribuindo para o sucesso da captação.

 

Restrições: os empreendedores devem ter em mente, porém, que esse modelo de financiamento, pela própria natureza do risco envolvida para os VLs na concessão do empréstimo, possui algumas peculiaridades: (i) não deve ser encarado como opção única de financiamento, mas como modalidade complementar a ser acessada por empresas que já receberam aportes (mesmo porque a existência de outros investidores prévios contribui para a credibilidade/confiabilidade do negócio); e (ii) é uma opção disponível apenas a empresas já em operação e com receita minimamente relevante (eis que o tíquete mínimo oferecido normalmente deve representar um percentual do faturamento recente da start-up).

 

Contrapartidas adicionais: adicionalmente, o venture debt pode ser condicionado à concessão de garantia pela tomadora dos recursos (sobre direitos de propriedade intelectual ou outros ativos intangíveis, por exemplo) e/ou conter a previsão de um kicker sobre o faturamento ou na forma de participação. Nesse último formato, apesar de não ocorrer a desnaturação da operação de dívida, o VL também recebe, em determinas hipóteses (previstas no instrumento de dívida), um percentual de participação societária da empresa como prêmio de risco.

 

Crescimento do venture debt: embora o venture debt no Brasil esteja dando seus primeiros passos, uma vez validado o modelo pelo mercado, a demanda por essa modalidade de financiamento tende a crescer, com o que novos veículos deverão ser estruturados para oferecer essa opção a start-ups, contribuindo, assim, para o desenvolvimento do ecossistema de empreendedorismo e inovação no País.

 

 

Conflito de interesses: discussões sobre a alteração do artigo 115 da Lei das S.A.

 

Durante a tramitação da MP 881/19, conhecida como MP da Liberdade Econômica, uma conhecida discussão em matéria societária reacendeu: o caráter formal ou material da vedação ao exercício do direito de voto em assembleia geral por força de potencial conflito de interesses entre o acionista e a companhia.

 

Conflito formal e material: Para os defensores do conflito formal, a mera situação de conflito (ainda que em tese) entre os interesses do acionista e da companhia implicaria em vedação absoluta ao exercício do direito de voto. Para os seus detratores, entusiastas da corrente do conflito material (ou substancial), o conflito só pode ser aferido após a deliberação da assembleia, na qual o acionista vota, com o exame do mérito da deliberação e do eventual sacrifício do interesse da companhia para atingimento do interesse do próprio acionista.

 

Antes da aprovação do texto final da citada MP, cogitou-se a alteração do artigo 115 da Lei nº 6.404/76 (LSA), para o fim de positivar a concepção material do conflito de interesses, ressalvadas as hipóteses já previstas em lei que estariam sujeitas ao regime do conflito formal. A proposta foi finalmente excluída da redação final da MP, que foi recentemente convertida em lei.

 

A redação atual: Bem se sabe que a redação atual do dispositivo estabelece a proibição ao acionista de votar nas deliberações da assembleias gerais relativas (i) ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social, (ii) à aprovação de suas contas como administrador e, por fim, (iii) a quaisquer outras matérias que puderem “beneficiá-lo de modo particular”, ou “em que tiver interesse conflitante com o da companhia”. Há, no entanto, intenso debate – seja na seara doutrinária, seja nos pronunciamentos da CVM e de Tribunais locais – sobre a correta interpretação do conflito em casos de “benefício particular” e, sobretudo, de “interesse conflitante”.

 

A MP 881/19: A MP 881/19 (hoje Lei 13.874/79), conquanto reforçasse a vedação absoluta ao voto do acionista nas três situações acima referidas (a exemplo do que se verifica no texto atual), permitia que o acionista exercesse seu direito de voto mesmo em situação de “potencial conflito de interesses” com a companhia, bem como a possibilidade de posterior anulação da deliberação (e obrigação do acionista a reparar danos e ressarcir a companhia “as vantagens indevidas que tiver auferido”) se demonstrada a inobservância de “condições estritamente comutativas ou com pagamento compensatório adequado”.

 

Alguns aspectos a serem considerados: A discussão não é trivial e está longe de ser esgotada. Há diversos e relevantes aspectos – de ordem técnica, jurídica e econômica – a serem considerados em cada um dos regimes para que se possa definir o mais adequado (ainda que com reparos e ajustes) à realidade brasileira, dentre os quais: (i) os custos de transação e adjudicação incorridos pelas partes envolvidas em cada modelo (de um lado, a regra formal pode expor a companhia à perda de bons negócios, se a minoria rejeitá-los sem fundamento; de outro, a regra material obriga os minoritários a perseguir seus direitos em Juízo, incorrendo nos custos daí resultantes); (ii) a capacidade, celeridade e especialização do Poder Judiciário para, se consagrada a regra material, examinar a licitude e comutatividade das deliberações impugnadas; e (iii) possíveis formas de mitigação de riscos e inconvenientes relacionados a potenciais conflitos, como a adoção de procedimentos de disclosure pelo acionista que pretende votar nessa condição e a inversão do ônus probatório em relação à comutatividade da transação.

 

 

Executivos de companhias americanas assinam compromisso de redefinir a atuação de suas empresas

 

Business Roundtable: recentemente, a Business Roundtable, organização que reúne os CEOs das maiores companhias dos Estados Unidos, divulgou um manifesto (Statement on the Purpose of a Corporation) que se propõe a redefinir o papel das empresas na sociedade.

 

Atividade empresarial sob a ótica institucionalista: o manifesto, com 181 signatários, propugna pela adoção de uma visão de negócios que considere não apenas os interesses dos próprios acionistas das companhias, mas também de seus demais stakeholders: clientes, fornecedores, funcionários e a comunidade em geral.

 

Premissas: de acordo com o compromisso assumido pelos executivos, as companhias devem se empenhar em gerar valor a longo prazo para seus acionistas, ao mesmo tempo em que preza pela manutenção de relacionamentos comerciais saudáveis com seus parceiros, pelo tratamento prestigioso de seus funcionários e pela preocupação em entregar produtos e/ou serviços de excelência a seus clientes, assim contribuindo positivamente para a melhoria da comunidade em que atua.

 

 

Nova disciplina dos fundos de investimento

 

No último dia 20 de setembro, a MP 881/19 – que ganhou as manchetes como MP da Liberdade Econômica – foi finalmente convertida em lei, dando origem à Lei 13.874/19 (“Lei”). A nova legislação, além de elencar certos direitos pertinentes à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e trazer outras disposições principiológicas destinadas a assegurar tais garantias, promoveu a alteração de diversas normas relevantes (de natureza cível, regulatória, trabalhista, dentre outras) de nosso ordenamento jurídico, incluindo o Código Civil (CC), a Lei das S.A. e a CLT.

 

Merece especial atenção a nova disciplina dos fundos de investimentos trazida pela referida Lei, que acrescenta os artigos 1.368-C a 1.368-F ao CC, em relação aos quais destacamos os seguintes aspectos:

 

Natureza e regime jurídico: apesar de a regulamentação da CVM conter definição de fundo de investimento, foi pela primeira vez introduzido no CC (com o acréscimo do artigo 1.368-C) o conceito de fundo como condomínio de natureza especial, esclarecendo-se que a ele não se aplicam as regras do CC pertinentes aos demais condomínios civis. Adicionalmente, o mesmo dispositivo também afirma a competência exclusiva da CVM para regulamentar tais veículos. A norma contribui, portanto, para a segurança jurídica de investidores e do mercado, ao esclarecer a natureza e o regime jurídico aplicáveis aos fundos.

 

Dispensa de registro no RTD: com vistas a reduzir custos e burocracia envolvida no processo de constituição de fundos, a Lei estabeleceu que o registro dos respectivos regulamentos na CVM é suficiente para garantir a sua publicidade e eficácia perante terceiros, tornando desnecessário o registro dos regulamentos em cartório (Registros de Títulos e Documentos), exigência constante de diversas normas da CVM. Em atenção a tal determinação, a CVM editou a Instrução 615/19, que revoga todos os comandos normativos que exigiam o registro em cartório.

 

Limitação de responsabilidade de cotistas: a nova legislação autoriza que conste do regulamento do fundo regra prevendo a limitação da responsabilidade do investidor ao valor de suas cotas. Quando adotada, trata-se de alteração significativa sob a perspectiva dos investidores, que não serão, em tais hipóteses, chamados a aportar recursos adicionais para recompor perdas de fundos com patrimônio líquido negativo, nem tampouco responderão por passivos do fundo. Para fundos anteriores, a limitação (nesse caso, assim como no caso de prestadores de serviço, abaixo mencionado) somente será válida para fatos ocorridos após a alteração do regulamento.

 

Responsabilidade dos prestadores de serviço: outra importante regra diz respeito à possibilidade de que o regulamento estabeleça a limitação de responsabilidade dos prestadores de serviço perante o condomínio e entre si, sem que haja solidariedade. Nesse sentido, para que não haja conflito entre a lei ordinária e a regulamentação aplicável, a CVM precisará revisitar a sua regulamentação aplicável aos diversos tipos de fundos, em especial aos fundos não estruturados, em relação aos quais a Instrução CVM 555/14 determina a inserção de cláusula no regulamento que preveja a solidariedade entre o administrador e os prestadores de serviços do fundo por eventuais prejuízos causados aos acionistas por condutas contrárias à lei.

 

Classes de cotas com direitos e obrigações distintos: apesar de já haver autorização para que alguns fundos (como o FIP) tenham cotas com direitos econômico-financeiros adicionais à classe tradicional de cotas, a medida representa importante avanço, ao permitir a criação de classes de cotas com direitos e obrigações distintos, com a constituição de patrimônio segregado para cada classe, o que pode gerar proteção adicional para certos investidores, a depender da estrutura.



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Natalie Sequerra

Data de Publicação

28/11/2019