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Graça Couto Informa – Societário, Private Equity e Mercado de Capitais | Mar/20

 

O Voto Plural

 

A crescente quantidade de IPOs de empresas brasileiras realizados nos Estados Unidos reascendeu uma discussão antiga no Brasil: o voto plural. Em todas as cinco ofertas públicas iniciais realizadas nos EUA no ano passado, a estrutura de capital escolhida foi a de emissão de duas classes de ações ordinárias, dentre elas, uma que dá direito a dez votos por ação (voto plural). Isto não seria possível no Brasil, já que a atribuição de voto plural a qualquer classe de ações é vedada pelo artigo 110, § 2º pela Lei das S.A.

O PL 10.736/18: no entanto, esse é um cenário que agentes do mercado de capitais e parlamentares procuram mudar. O Projeto de Lei 10.736/18, em tramitação no Congresso Nacional, prevê alteração na Lei das S.A. para acomodar o voto plural. A proposta, de autoria do deputado Carlos Bezerra (MDB-MT), autoriza atribuir voto plural a uma única classe de ações ordinárias e obriga que essas ações sejam convertidas em ações simples no prazo de três anos, prorrogáveis pelo mesmo período (a chamada “sunset clause”). O projeto tramita em caráter conclusivo e será analisado por duas comissões da Câmara dos Deputados.

Fatores positivos: para os defensores desse mecanismo, a atribuição de mais de um voto a uma classe de ações incentivaria as empresas, principalmente familiares e startups, a abrir capital no país. A possibilidade de os fundadores preservarem o controle da companhia, independentemente da correspondência com a participação no capital da sociedade, é levado em conta na decisão de onde realizar uma oferta pública. A adoção do voto plural, na visão dos simpatizantes da ideia, é importante para que o Brasil não continue a perder bons IPOs nacionais para o exterior.

Argumentos contra: já para seus críticos, a determinação do “one share, one vote” mantém maior democratização nas relações societárias, algo ainda essencial para assegurar maior proteção aos investidores em países que oferecem níveis mais baixos de proteção legal, como seria o caso do Brasil.

Hipótese alternativa: há quem defenda, ainda, via intermediária: inclusão de voto plural no ordenamento brasileiro, mas com prazo de vigência inferior a 3 anos, renováveis por mais 3, conforme proposto no referido PL, e fixação de matérias que não estariam sujeitas ao voto plural (tal como a aprovação de contas da companhia). Nessa hipótese, o desafio estaria em não esvaziar o objetivo maior do voto plural, que é justamente o de garantir poder político de forma descolada da participação acionária.

 

Discussões Sobre a Ampliação do Acesso aos Fundos de Private Equity

 

Acesso a fundos de PE: recentemente, alguns veículos especializados ventilaram a possibilidade de a Securities and Exchange Comission (SEC), órgão regulador do mercado de capitais americano, flexibilizar certos requerimentos para investimento em ativos de private equity. Embora ainda não haja maiores detalhes sobre a proposta que será apresentada pela SEC, especula-se, com base em recentes declarações de seus membros, que o movimento será no sentido de afrouxar restrições aplicáveis a esse tipo de ativo.

Cenário econômico: no Brasil, com o crescimento da indústria e o cenário econômico de juros baixos, o investimento em ativos de PE/VC vem atraindo interesse de investidores que, apesar de alguma experiência no ambiente de investimentos, não podem ser classificados como investidores qualificados, conforme exigido pela ICVM 578 para ingresso no FIP.

Fatores positivos: parece haver, de fato, argumentos razoáveis para sustentar tal flexibilização: (i) os gestores de PE/VC são altamente regulados (a exemplo de gestores de outros tipos de fundos) e, além de vinculados aos mesmos deveres fiduciários a que se sujeita todo e qualquer gestor de carteira, submetem-se a diversas obrigações de transparência, conflito, prestação de informações etc.; (ii) há outras modalidades de investimento que também envolvem riscos relevantes e, ainda assim, são franqueadas a outros investidores, e não apenas ao (restrito) rol de investidores qualificados ou profissionais.

A título de exemplo, cite-se a recente alteração promovida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) na Resolução nº 2.907/2001, que dispõe sobre os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs). Em outubro de 2018, o CMN editou a Resolução 4.694, que altera a anterior, atribuindo competência à CVM para definir as hipóteses em que investidores não qualificados poderão investir em FIDCs, bem como as hipóteses em que as respectivas cotas, os direitos creditórios adquiridos pelo FIDC ou os títulos representativos desses direitos deverão contar com classificação de risco. Desde então, a própria diretoria da CVM já afirmou que estuda a possibilidade de flexibilizar tal exigência.

Ressalvas e desafios: por outro lado, há que se considerar outros fatores na tomada de decisão, que vão desde questões operacionais decorrentes da multiplicação de cotistas do fundo de investimento (que se refletem nos procedimentos para chamada de capital, divulgação de informações etc.) à necessária compreensão de que tal modalidade de investimento (de alto risco) tem por objeto ativos ilíquidos, ou seja, como regra os cotistas não poderão resgatar seu investimento a qualquer tempo.

Do ponto de vista operacional, a adaptação a essa nova realidade poderá gerar desafios relevantes às instituições gestoras, que estão acostumadas a conhecer individualmente seus cotistas, inclusive realizando o background check antes de admitir os aportes de tais investidores. A flexibilização do ingresso nos FIPs para um maior número de investimentos impacta diretamente esse tipo de procedimento, que poderá se tornar mais complexo e custoso. Por tais razões, é possível que gestoras e administradoras com maior estrutura – de pessoal, marketing e outros serviços – tenham maior vantagem competitiva em um primeiro momento, caso a flexibilização seja consumada.

 

O Impacto da LGPD nas Operações de M&A

 

Contexto Atual: como se sabe, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) criou uma série de obrigações a serem observadas pelas sociedades que lidam com dados de pessoas físicas com finalidades comerciais. Com a proximidade da vigência da lei, em agosto deste ano, o mercado brasileiro tem se movimentado no sentido de adequar as suas práticas aos termos da lei.

No âmbito das operações de fusões e aquisições (M&A), é importante atentar para os reflexos da nova lei (i) no fluxo de informações trocadas entre vendedores e compradores, e (ii) nas práticas adotadas pela target.

Pré-Deal: para garantir o correto tratamento dos dados ao longo da operação, devem estar previstas, desde as primeiras interações (e.g., em memorandos de entendimento ou cartas de intenção), dispositivos que assegurem o correto tratamento dos dados ao longo das negociações, em especial no que se refere aos artigos 6º e 7º da LGPD.

Na perspectiva do vendedor, deve-se levar em consideração o nível de conformidade da target em relação aos requisitos da LGPD, pois eventual deficiência nesse sentido poderá, em certos casos, representar contingência a ser precificada na operação.

O comprador, por sua vez, deverá mapear os dados pessoais coletados pela target para determinar o grau de detalhamento da diligência a ser realizada, a qual pode consistir em uma simples rodada de Q&A até uma investigação pormenorizada que envolva profissionais de TI e/ou auditores especializados (no caso de empresas de tecnologia, por exemplo).

Due Diligence: é de se esperar que a verificação dos procedimentos para tratamento de dados passe a ser etapa obrigatória na condução da due dilligence sobre a target. Neste aspecto, devem ser observados, além da diligência técnica / operacional quanto às práticas da empresa, ao menos os seguintes fatores: (i) existência de políticas internas eficazes com base no texto legal; (ii) efetiva aplicação de tais regras; (iii) existência de encarregado (Data Protection Officer); (iv) envolvimento da sociedade em incidentes envolvendo violação de dados (e, em caso positivo, os remédios adotados); e (v) análise de contratos firmados pela target, a fim de apurar a existência de cláusulas específicas sobre proteção de dados.

Terceiros: outro aspecto a ser considerado é a necessidade de que os terceiros envolvidos na operação (como bancos e assessores financeiros e jurídicos) ou mesmo prestadores de serviços de Data Room se certifiquem que o acesso de seus representantes aos dados pessoais manuseados no âmbito do M&A seja realizado em conformidade com a finalidade e a base legal aplicáveis, conforme previsto na LGPD. Uma alternativa válida (e já adotada em algumas situações de compartilhamento de contratos e documentos sensíveis) é a anonimização e/ou supressão de dados sensíveis previamente à sua transmissão à contraparte.

Contratos da Operação: nesse sentido, torna-se imprescindível que os contratos que formalizam a operação contenham declarações e garantias específicas em relação à conformidade com as exigências de proteção de dados aplicáveis à target, além de alocação de responsabilidades em caso de infrações, seja em razão das práticas de tratamento adotadas pela target antes da transação, ou mesmo pelo compartilhamento no âmbito das negociações.

Trade-off: como se vê, a nova legislação gera um trade-off inerente a toda e qualquer mudança no panorama regulatório: o incremento das práticas pertinentes ao tema objeto da lei vs. o aumento do “custo regulatório” (custo de conformidade, aprendizado e disseminação da nova cultura), bem como do custo de transação envolvido na condução de operações de M&A.

 

Instrução CVM 617: Atualização das Regras sobre Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo no Mercado de Capitais

 

Em dezembro de 2019, a Comissão de Valores Mobiliários divulgou a Instrução CVM nº 617 (“ICVM 617”), que trouxe novas regras para a prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo (“PLDFT”) no mercado de capitais, revogando a Instrução CVM 301/99.

Entre as principais mudanças em relação à Instrução CVM 301 destacam-se as seguintes:

(a) a inserção da Abordagem Baseada em Risco como principal ferramenta de governança da prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLDFT), o que resulta na necessidade, por parte dos agentes regulados: (i) de estruturação de uma Política de PLDFT; (ii) de elaboração periódica de uma avaliação interna de risco; e (iii) de reformulação de suas regras, procedimentos e controles internos;

(b) o aprimoramento das funções do diretor responsável pela norma, bem como a apresentação de deveres vinculados à alta administração;

(c) a definição das etapas vinculadas à condução da Política “Conheça seu Cliente”, incluindo o detalhamento das rotinas relacionadas ao pleno conhecimento do beneficiário final; e

(d) o maior detalhamento dos sinais de alerta a serem monitorados e dos pontos que devem integrar a análise da operação ou situação atípica que foi detectada, assim como a apresentação dos elementos mínimos que devem integrar um reporte para a Unidade de Inteligência Financeira.

Abordagem Baseada em Risco: As entidades sujeitas à ICVM 617 deverão definir o escopo de análise em seus procedimentos de cadastro e PLDFT de acordo com determinados fatores, tais como: verificação, coleta, validação e atualização de informações cadastrais dos clientes ativos.

Atribuições do Diretor Responsável e da Administração: A ICVM 617 impõe maior responsabilidade ao diretor estatutário indicado para tal função, que deverá ser responsável pela elaboração e apresentação das políticas e das informações periódicas exigidas pela regulamentação. Nesse mesmo sentido, a instrução ressalta que os órgãos da alta administração são responsáveis por aprovar e adequar as obrigações previstas na política específica, na avaliação interna de risco, e nas regras, procedimentos e controles internos correspondentes.

Política KYC: Ademais, a ICVM 617 dispõe sobre a obrigação dos agentes do mercado de capitais de elaborar política “Conheça seu Cliente” (Know Your Client – KYC), indicando detalhes que permitam a identificação de seu beneficiário final. Nesse contexto, houve atualização dos critérios para classificar algum investidor como pessoa exposta politicamente (PEP).

Monitoramento: A ICVM 617 também traz regras acerca da obrigação de monitoramento, análise e comunicação das operações e situações consideradas suspeitas, além de ampliar os sinais de alerta para a classificação de tais situações ou operações atípicas.



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Natalie Sequerra

Data de Publicação

19/03/2020