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Desafios para comunidades planejadas e complexos multiuso

Revista Panorama Adit Brasil, 2016

Muito se tem debatido a respeito das chamadas comunidades planejadas e dos empreendimentos multiuso.

As comunidades planejadas demandam a prévia urbanização da gleba, com o loteamento do solo para fins urbanos, regido pela Lei Federal 6.766/79. Os empreendimentos multiuso são, em regra, implantados em lotes já urbanizados, e sua constituição e organização se dá sob a forma condominial, sujeita à Lei Federal 5.491/64.

Os desafios jurídicos e operacionais para a aprovação e implantação desses empreendimentos são de diversas ordens e procuraremos, ao longo do debate proposto, apresentar sugestões para enfrentá-los. Alguns desses desafios não são de fácil superação, demandando por vezes alterações legislativas, o que não deve, contudo, esvaziar o debate entre os diferentes interessados.

Aprovação dos loteamentos.

A aprovação dos loteamentos urbanos é processo complexo, que envolve a participação de diferentes agentes da administração municipal e estadual. A dissociação entre os processos administrativos e a noção de projeto e, bem assim, de planejamento acaba trazendo entraves à análise e aprovação dos projetos submetidos ao crivo da administração.

O projeto de loteamento não é estático, tampouco encontra subsunção absoluta às normas urbanísticas. É processo dinâmico, que sofre interferências e aprimoramentos ao longo de sua tramitação, à luz das exigências feitas pelos diversos órgãos envolvidos e do aprimoramento dos estudos e projetos que são executados.

A complexidade inerente ao processo de aprovação assume contornos mais relevantes quando passa a ser exigida a elaboração de estudos ambientais específicos, tais como o EIA-RIMA.

É bastante comum que as exigências urbanísticas sejam contraditórias àquelas de ordem ambiental. Por exemplo: há situações em que a delimitação dos lotes destinados às áreas institucionais municipais implica em grandes movimentos de terra, o que acaba não sendo aceito pelas autoridades ambientais, cada vez mais refratárias aos chamados “bota-foras” ou à importação de material.

Surge, então, o impasse: há a necessidade de revisão do projeto, muitas vezes em desacordo com as exigências urbanísticas anteriormente feitas ou, até mesmo, com as próprias diretrizes.

E daí decorrem as incompreensões por parte dos técnicos responsáveis pela aprovação dos projetos de loteamento, que invariavelmente optam pela via rápida do indeferimento, abandonando-se a oportunidade de se ver implantado um bom projeto urbanístico para a cidade.

A importância do planejamento urbano foi abraçada pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade, Lei Federal 10.257/01, e tem como corolário os planos diretores municipais, que são fruto de diversos estudos e debates e, com certa periodicidade, devem ser revisados e aprimorados. Os projetos de loteamento são decorrência dessa ideia de planejamento e, como tal, sua aprovação também deve ser dinâmica, permitindo-se que o projeto seja constantemente aprimorado.

É preciso, portanto, investir no treinamento de técnicos e profissionais habilitados à aprovação de loteamentos, que compreendam que a dinâmica do planejamento urbano não comporta empreendimentos que “nascem prontos”.

É preciso, também, insistir na necessidade de que a legislação de parcelamento do solo passe a se comunicar com a legislação ambiental, permitindo-se que as exigências ambientais possam ser vislumbradas desde o início da aprovação do loteamento, concomitantemente à expedição das diretrizes urbanísticas.

Até lá, aos empreendedores restará investir em estudos e análises capazes de antecipar eventuais exigências que venham a ser feitas pelas autoridades competentes, procurando-se, com isso, suprir a deficiência da compreensão do processo de aprovação de um loteamento como sendo complexo e dinâmico.

Obras.

Superada a fase de aprovação, surgem novas dificuldades. A principal delas consiste no limite de prazo imposto pela legislação federal para a execução das obras, atualmente de quatro anos.

Quando se pensa em uma comunidade planejada, o investimento em infraestrutura ganha especial importância. Demanda-se a construção de espaços e equipamentos públicos, o aterramento de rede de energia elétrica e de dados, a implantação de estações de tratamento de esgoto e que o projeto contemple a construção de equipamentos que reduzam impactos ambientais.

Certamente, a infraestrutura urbana não mais se confunde com aquela que se exigia ao ensejo da edição da Lei Federal 6.766/79 ou de sua alteração em 1999, quando a urbanização compreendida apenas a pavimentação das vias públicas, a entrega de sistemas de fornecimento de água e coleta de esgoto e a implantação de rede aérea de energia elétrica.

O prazo para a execução das obras, contudo, se manteve. E a principal implicação dessa limitação consiste na dificuldade que o empreendedor enfrenta de executar loteamentos de grandes glebas, de criar novos bairros. A implantação do projeto acaba sendo fragmentada, em detrimento, mais uma vez, do bom projeto.

A solução já existe. Basta que as chamadas aprovações prévias dos projetos de loteamento pelos Municípios e as licenças ambientais prévias sejam consideradas marcos da aprovação, vinculando a posterior análise de cada uma das futuras fases de implantação.

Assim, cada uma das fases seria individualmente aprovada a partir daquelas aprovações prévias únicas, obtendo, depois, as respectivas aprovações finais e licenças ambientais de instalação.

Não há vedação a tal interpretação das normas urbanísticas. E, com ela, evitar-se-ia a fragmentação do projeto urbanístico e, mais importante, a necessidade de, a cada nova fase, iniciar-se mais um longo processo de aprovação.

E depois?

Concluídas as obras e as vendas, surge a preocupação de como garantir a continuidade daquele partido de projeto inicialmente concebido.

E não há resposta certa para lidar com isso.

Em muitas situações, as associações de moradores, que devem nascer junto com o empreendimento, acabam desempenhando papel importante na defesa da comunidade e de suas características, inclusive ingressando em juízo para garantir, por exemplo, o respeito às restrições urbanísticas impostas pelo loteador supletivamente à legislação. Daí a importância de constituição de tais associações.

Em outras, revela-se essencial que o empreendedor reserve para si a propriedade, administração ou uso de determinadas edificações tidas como âncoras para o projeto, tais como centros comerciais.

Deve-se cogitar, ainda, da importância de integração do loteamento ao restante da mancha urbana e ao planejamento urbano municipal, evitando-se a segregação de espaços e a criação de vazios urbanos.

E, em qualquer caso, a elaboração de um bom projeto urbanístico, cercado das indispensáveis cautelas jurídicas, é o primeiro passo para tentar assegurar o sucesso na implantação de uma comunidade planejada.

Os complexos multiuso.

A aprovação de um complexo multiuso enfrenta menos dificuldades, na medida em que acaba sendo implantado em lote já urbanizado. Uma questão que merece atenção, contudo, consiste no aproveitamento dos índices edilícios e urbanísticos pelos diferentes empreendimentos que compõem o complexo.

A eventual segregação dos empreendimentos em diferentes lotes limitaria a possibilidade de que, caso um empreendimento não utilizasse todo o correspondente coeficiente de aproveitamento, outro pudesse aproveitá-lo.

Se, por um lado, a implantação em um único lote permite o intercâmbio desses índices urbanísticos, traz dificuldades para o funcionamento do complexo.

Será preciso, por exemplo, garantir que o adquirente de um apartamento residencial não tenha ingerência no funcionamento do mall ou do hotel ali implantados. Por outro lado, torna-se indispensável assegurar ao operador do mall ou do empreendimento hoteleiro o direito de interferir na manutenção da torre de apartamentos, evitando-se que a falta de cuidados com as fachadas e áreas comuns interfira na imagem do complexo como um todo, afastando-se consumidores e hóspedes.

A solução para tais questões está na correta atribuição de frações ideais do conjunto entre os diferentes empreendimentos ao ensejo da instituição do condomínio – frações estas com base nas quais as decisões condominiais serão tomadas – e, também, no cuidado com a elaboração da convenção de condomínio.

Tais documentos devem ser pensados para, por um lado, permitir a independência na administração de assuntos internos de cada empreendimento, mas, por outro, assegurar a desejada interferência daqueles empreendimentos âncoras nos demais.

 



Profissional(is) relacionado(s)

Pedro Marino Bicudo

Data de Publicação

03/05/2016