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A proteção de matas ciliares e nascentes para a perpetuidade de cursos e reservatórios hídricos no Estado de São Paulo: a crise instalada e políticas ainda em implementação

A Crise Hídrica e o Direito: racionalidade jurídica a serviço da complexidade socioambiental. FILHO, Alexandre Jorge Carneiro da Cunha et alii (coord.). 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juirs, 2015. v. 1. 425p

 

Pedro Marino Bicudo *

 

Mariana Fernandes Miranda **

 

 

Resumo: A vegetação ao longo de rios e no entorno de nascentes é de fundamental importância para a preservação da qualidade e quantidade de recursos hídricos. Em que pese a legislação ambiental desde há muito proibir a sua supressão, a degradação dessas áreas ainda é muito grande. O Estado de São Paulo possui ampla legislação visando à proteção dessas áreas e recentemente editou normas com o objetivo de torná-las efetivas. O presente trabalho traz análise das normas aplicáveis, refletindo quanto à concretude das medidas para a recuperação e manutenção da qualidade dos mananciais do Estado.

 

Abstract: The riparian forest and the vegetation around riverheads are important for the preservation of the quality and quantity of water resources. The degradation of those areas is still very large despite the law forbids the vegetation suppression. The State of São Paulo has extensive legislation aiming to protect those areas, including recent precepts seeking to actually protect and recover the riparian forest. This paper briefly describes the applicable rules to the riparian forest conservation, pondering about concrete measures for the restoration and maintenance of the quality of the water resources in the State of São Paulo.

 

Palavras-chave: Recursos hídricos – Mata Ciliar – Nascentes – Vegetação – Estado de São Paulo Keywords: Water resources – Riparian Forest – Riverhead – Forest – State of São Paulo

 

 

Sumário

 

  1. Introdução. 2
  2. Proteção de mata ciliar e nascentes. 5

2.1       Função socioambiental da propriedade (rural e urbana) 5

2.2       Proteção de mata ciliar e nascentes no Código Florestal: a regra geral federal 9

2.3       A proteção de matas ciliares e nascentes em São Paulo. 14

2.3.1        Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais – APRM.. 15

2.3.2        A (in)aplicabilidade das normas permissivas do Código Florestal à APMR.. 18

2.3.3        Programa Mata Ciliar (ou Nascentes) – compensação ambiental 20

2.4       Área urbana – a preservação da cobertura florestal 21

  1. Instrumento econômico. 25
  2. Conclusão. 26

 

 

* Advogado. Mestre em Direito Urbanístico pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

 

** Advogada. Pós-graduada em Direito Ambiental pelo Instituto Superior do Ministério Público do Rio de Janeiro.

 

 

1.             Introdução

 

 

A assim chamada crise da água afeta diversos Estados brasileiros, especialmente na região Sudeste, e ilumina questões relacionadas à garantia da perpetuidade e qualidade dos reservatórios de água. Em São Paulo – Estado foco deste texto –, tal crise tem levado a dificuldades no abastecimento de algumas regiões do Estado[1] e à incerteza quanto à disponibilidade de recursos hídricos para usos humano e agrícola-industriais, tem como causas diversos fatores[2], dentre eles destaca-se para os fins deste trabalho a carência de cobertura florestal adequada em áreas de proteção de cursos d’água e recarga hídrica.

 

Tais áreas têm a primordial função[3] de, por um lado, preservar os corpos hídricos de assoreamentos, protegendo a flora e a fauna aquáticas, e, por outro, infiltrar a água da chuva no solo de forma a fortalecer as reservas subterrâneas, alimentando tanto nascentes, quanto o leito de rios e córregos.[4]

 

A disponibilidade da água em São Paulo passa pela questão da distribuição desse bem ambiental em território nacional. Segundo Maria Luiza Machado Granziera, apesar de o Brasil possuir cerca de 12% da água doce disponível do planeta,  “não há correspondência entre as regiões onde se encontra a maior parte dos rios e as áreas em que ocorre a demanda mais significativa”.  De fato, a região Sudeste do País, onde vive 43% da população brasileira, possui apenas 6% das águas superficiais.[5]

 

Esses dados indicam a necessidade de se recuperar e preservar a disponibilidade e qualidade dos recursos hídricos próximos ao local de consumo, que, no caso de São Paulo, têm se mostrado insuficientes. Uma das importantes soluções para o alcance desses objetivos é a preservação da vegetação ao longo dos cursos d’água (mata ciliar ou mata ripária) e no entorno de nascentes. À vista do (ilegal) uso de tais áreas para o exercício de atividades agrícolas e mesmo para moradia (hipótese em que se trava potencial conflito de direitos fundamentais), tal preservação não vem ocorrendo adequadamente, apesar das muitas e antigas normas nesse sentido.

 

Em relação ao Sistema Cantareira, por exemplo, informações recentes apontam que 17,5% da região no Estado de São Paulo possui cobertura florestal[6] e que 50% das áreas de proteção permanente nas margens de corpos d’água e no entorno de nascentes não possuem vegetação, sendo a situação mais crítica constatada na represa Jacareí (9% de áreas de proteção permanente com vegetação).[7]

 

O governo do Estado de São Paulo informa que os principais sistemas de abastecimento de água perderam mais de 70% de sua cobertura florestal original.[8]

 

À vista da sua importância para a proteção de recursos e prestação de serviços ambientais as florestas são de há muito objeto de proteção legal. Em relação à preservação da cobertura vegetal no entorno de cursos d’água e nascentes, merece destaque a previsão legal das áreas de proteção permanente como áreas especialmente protegidas.

 

As áreas de proteção permanente – APP, instituto que remonta ao Decreto no 4.421/1921 e ao Código Florestal de 1934[9], são definidas pela Lei no 12.651/2012 (Código Florestal) como “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas” (art. 3o, II). As APPs, portanto, são áreas protegidas por lei por sua função ambiental – inclusive a de preservar os recursos hídricos –, cuja vegetação deveria ser obrigatoriamente mantida preservada.

 

Nesse cenário, na linha do previsto em normas anteriores[10], o Estado de São Paulo recentemente editou conjunto de regras (v.g., Decreto nº 60.521/2014, Resolução Conjunta SMA/SSRH nº 1/2014, Decreto nº 61.137/2015 e Resolução SMA nº 19/2015), abaixo analisado, que visa incentivar a “recuperação de matas ciliares e a recomposição de vegetação nas bacias formadoras de mananciais de água”.  A questão central, entretanto, está em apurar se tais iniciativas – ainda em fase de implementação e teste social – serão capazes de verdadeiramente contribuir para a perpetuação da disponibilidade dos recursos hídricos.[11]

 

 

 

 

 

 

 

2.             Proteção de mata ciliar e nascentes

 

A Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei no 9.433/1993[12]) tem por fundamentos ser a água “bem de domínio público” e “recurso natural limitado, dotado de valor econômico” (art. 1º, I e II).

 

São objetivos da Política “assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos” e “a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais” (art. 2º, I e III).

 

Quanto à proteção dos bens ambientais, a Constituição Federal em seu art. 225 estabelece que “para assegurar a efetividade desse direito [ao meio ambiente ecologicamente equilibrado], incumbe ao Poder Público: I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas”.

 

É, portanto, dever primordial do Estado como implementador da Política, mas também dos “usuários e das comunidades” como partícipes da gestão do uso da água (cf. art. 1º, VI), garantir o alcance de tais objetivos[13]. Uma das formas de alcançá-los, defendemos, é a proteção da mata ciliar, como visto, aquela ao longo de cursos hídricos, e da vegetação no entorno de nascentes, protetora e agente de recarga hídrica.

 

 

2.1          Função socioambiental da propriedade (rural e urbana)

 

 

Antes de aprofundar o tema da proteção de matas ciliares e nascentes, cabe destacar que as restrições ao direito de propriedade impostas pelas normas de proteção de mananciais – que levam à obrigatoriedade de manutenção e recuperação da vegetação em determinadas áreas – enquadram-se na efetivação do princípio da função socioambiental da propriedade.

 

Tal função decorre do disposto na Constituição Federal (art. 5º, XXII e XXIIII, art. 170, II, III e VI, art. 182, §2º e art. 186)[14], bem como do que prevê o art. 1.228, § 1º do Código Civil de 2002, que dá concretude às diretrizes ambientais apostas na Constituição Federal:

 

“o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.”

 

O entendimento do direito de propriedade justificado por função ambiental é compartilhado por Antônio Herman Benjamin ao colocar que “ao lado da funcionalização social da propriedade, com o novo texto constitucional deu-se também sua funcionalização ambiental”. Para o autor, “a propriedade privada, nos moldes da Lei Maior vigente, abandona, de vez, sua configuração essencialmente individualista para ingressar em uma nova fase, mais civilizada e comedida, onde se submete a uma ordem pública ambiental (…)”.[15]

 

Ainda no âmbito das considerações acerca da função socioambiental da propriedade, Eros Roberto Grau destaca seus aspectos positivos e negativos afirmando:

 

“A admissão do princípio da função social (e ambiental) da propriedade tem como consequência básica fazer com que a propriedade seja efetivamente exercida para beneficiar a coletividade e o meio ambiente (aspecto positivo), não bastando apenas que não seja exercida em prejuízo de terceiros ou da qualidade ambiental (aspecto negativo). Por outras palavras, a função social e ambiental não constitui um simples limite ao exercício do direito de propriedade, como aquela restrição tradicional, por meio da qual se permite ao proprietário, no exercício do seu direito, fazer tudo o que não prejudique a coletividade e o meio ambiente. Diversamente, a função social e ambiental vai mais longe e autoriza até que se imponha ao proprietário comportamentos positivos, no exercício do seu direito, para que a sua propriedade concretamente se adeque à preservação do meio ambiente.”.[16]

 

Tal sistemática, note-se, deve ser adotada com relação à propriedade rural e urbana. A definição da função socioambiental da propriedade urbana é resultado da conjugação de um complexo de normas técnicas e legais, que envolve as diretrizes genéricas oferecidas pela Constituição Federal quanto à propriedade em geral e à propriedade urbana em específico, a verificação do Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/01, do plano diretor municipal e, por fim, as normas ambientais que regulam o uso do espaço urbano.

 

A função socioambiental da propriedade urbana está ainda diretamente vinculada à função social das cidades. Para Odete Medauar, “nas funções sociais da cidade se entrevê a cidade como locus não somente geográfico e de reunião de pessoas, mas como o espaço destinado à habitação, ao trabalho, à circulação, ao lazer, à integração entre os seres humanos, ao crescimento educacional e cultural”. Ainda segundo a Autora, o desenvolvimento de cidades está intimamente ligado ao conceito de “cidades sustentáveis”, derivado do direito ambiental, por meio do qual se deve entender “aquelas em que o desenvolvimento urbano ocorre com ordenação, sem caos e destruição, sem degradação, possibilitando uma vida urbana digna para todos”.[17]

 

Em síntese, os elementos técnicos e legais indicativos da necessidade de preservação de rios, córregos e nascentes acabam por conformar o funcionamento das cidades e o uso do espaço urbano, e, assim, por também definir a função socioambiental da propriedade urbana.

 

 

Ainda sobre o tema manifesta-se Guilherme José Purvin Figueiredo:

 

“A implementação do princípio da função social da propriedade define os contornos da propriedade (pública e privada) e direciona as políticas públicas. Ele constitui a via para a implementação dos valores arrolados no caput do art. 225 da CF, e sem ele tais valores tornar-se-iam uma abstração. Por ele, pretende-se a adequação do exercício do direito de propriedade no sentido da proteção do meio ambiente, o que não reduz o conteúdo econômico da propriedade nem causa qualquer dano patrimonial”.[18]

 

Nessa linha já entendeu o Superior Tribunal de Justiça não caber indenização por impossibilidade do livre uso da propriedade em áreas de preservação permanente, que consistiria condicionamento do uso da propriedade, à luz do princípio da função socioambiental da propriedade, permitimo-nos complementar. Veja-se:

 

“Constatada a inexistência de apossamento administrativo ou de qualquer prejuízo dos autores e que os mesmos adquiriram o imóvel após a edição da Lei 4.771, de 1965 (Código Florestal), não se configura proibição, mas condicionamento do uso da propriedade e, consequentemente, há que ser reconhecida a ausência de interesse dos autores para a propositura da ação de indenização por desapropriação indireta”.[19]

 

O princípio da função socioambiental da propriedade, aplicável à propriedade rural e urbana, tem papel fundamental na proteção de florestas para a garantia da qualidade e perpetuidade dos mananciais.  Tanto a obrigação de preservação da mata ciliar e da vegetação no entorno de nascentes, quanto a de recuperação florestal – independentemente de ter sido o proprietário o causador de sua degradação – estão fundadas nesse princípio constitucional.

 

Assim, é sob a égide da função socioambiental da propriedade que se impõem as limitações ao uso da parcela dos imóveis que tenha a fundamental função ambiental de proteger rios, córregos e nascentes.[20]

 

 

2.2          Proteção de mata ciliar e nascentes no Código Florestal: a regra geral federal

 

 

Como esclarecido, as matas ciliares e a vegetação no entorno de nascentes são Áreas de Preservação Permanente – APP protegidas por suas funções ambientais[21], inclusive a de “preservar os recursos hídricos” (art. 3o, II, da Lei no 12.651/2012).

 

Ao tratar das áreas de mata ciliar, Maria Luiza Machado Granziera afirma que “essas áreas possuem fundamental importância na proteção dos corpos hídricos, à medida que impedem o assoreamento, pois ‘seguram’ as matérias que escorrem normalmente para a água, após a chuva, e protegem a fauna e flora aquáticas”.[22] Ana Maria Moreira Marchesan acrescenta: “chama-se ciliar porque, tal e qual os cílios que protegem os olhos, essa mata resguarda as águas, depurando-as, filtrando-as”.[23]

 

Tais áreas já eram objeto de proteção desde a legislação florestal da primeira metade do Século XX e, de modo semelhante à legislação atual, a Lei no 4.771/1965 (antigo Código Florestal) estabeleceu faixas a serem protegidas no entorno de cursos hídricos e nascentes.

O Código Florestal atual (Lei no 12.651/2012) prevê em seu art. 4o a regra geral para manutenção de mata ciliar, nos seguintes termos:

 

“considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

I – as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:

  1. a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
  2. c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
  3. d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
  4. e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros”.

 

Em relação às nascentes, o mesmo art. 4o estabeleceu serem APP “as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros”.

 

Note-se que restou pacificado[24] o entendimento de que tais limites de proteção de vegetação se aplicam tanto a áreas rurais quanto urbanas, eis que a justificativa para manutenção da vegetação encontra assento na sua função ambiental, e não na destinação da propriedade.

 

Quanto às faixas marginais, destaque-se que a largura da APP passou a ser delimitada a partir da borda da calha do leito regular (a calha por onde correm regularmente as águas do curso d’água durante o ano, cf. art. 3º, XIX), e não mais desde o nível mais alto do corpo hídrico, como dispunha a Lei nº 4.771/1965 (art. 4º, I).

 

Na sequência da fixação dos limites, o Código Florestal estabeleceu o regime de proteção das APPs obrigando à sua manutenção pelo “proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título” e à recomposição da vegetação no caso de eventual supressão (art. 7o).  Em regra, portanto, é proibida a supressão de vegetação em APP e obrigatório o replantio nos locais onde tal vegetação não esteja presente.

 

Na linha do entendimento jurisprudencial já estabelecido anteriormente à sua vigência[25], o Código Florestal estabeleceu que a obrigação de recomposição de APP tem natureza real e, portanto, ambulatorial, sendo transmitida ao sucessor no domínio ou posse do imóvel, independentemente de ter relação com a degradação.[26]

 

É importante observar que, de modo semelhante ao que já dispunha a Lei nº 4.771/65[27], é permitida a supressão de vegetação em mata ciliar nos casos de utilidade pública[28], de interesse social[29] ou de baixo impacto ambiental[30] previstos no Código Florestal (art. 8o), e, no caso de nascentes, apenas na hipótese de utilidade pública.

 

Tais disposições, sem menção ao necessário respeito à função ambiental estabelecida para a vegetação dessas áreas, traz brecha para que se ocupem ainda mais as matas ciliares e a vegetação no entorno de nascentes. Quanto a esta última, manifestou-se Paulo de Bessa Antunes no sentido de que “a hipótese [de supressão em caso de utilidade pública] não deveria ser autorizada, pois a proteção de mananciais é de altíssimo interesse público e não deveria admitir exceções, quando identificada a sua importância”.[31]

 

Além dessas hipóteses excepcionais de ocupação, o Código Florestal legitimou a ocupação em APP, realizada em absoluto desacordo com a legislação anterior, ao permitir em áreas rurais a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais cujas APPs estivessem já ocupadas em 22 de julho de 2008 (áreas rurais consolidadas). Nesses casos, prevê-se a obrigatoriedade de recuperar parcela da APP como condição para essa manutenção. A depender da extensão do imóvel rural, a recomposição de vegetação dá-se em limites inferiores aos determinados no art. 4º da Lei[32], admitindo-se a recomposição de faixas de até cinco metros (cf. art. 61-A), como resume o quadro abaixo.[33]

 

Extensão da propriedade[34] Mata Ciliar a recuperar/manter, sem considerar a largura do corpo hídrico Vegetação no entorno de nascentes a recuperar/manter
1 módulo fiscal 5 metros 15 metros
superior a 1 módulo fiscal e de até 2 módulos fiscais 8 metros 15 metros
superior a 2 módulos fiscais e de até 4 módulos fiscais 15 metros 15 metros
superior a 4 módulos fiscais 20 a 100 metros,

conforme PRA

15 metros

 

A ocupação, com as mesmas regras de recomposição da APP, é admitida também para assentamentos do Programa de Reforma Agrária (art. 61-C).

 

Note-se que, independentemente de qualquer recuperação de vegetação em APP, foi também admitida em áreas rurais consolidadas a manutenção (i) das residências e da infraestrutura associada às atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural, já construídas em APP quando da publicação da Lei, em 25.05.12 (art. 61-A, § 12[35]), e (ii) atividades florestais, culturas de espécies lenhosas, perenes ou de ciclo longo, bem como da infraestrutura física associada ao desenvolvimento de atividades agrossilvipastoris (art. 63).

 

Mesmo nesses casos, o § 17 do art. 61-A destaca a importância da proteção de mananciais ao dispor:

 

“Em bacias hidrográficas consideradas críticas, conforme previsto em legislação específica, o Chefe do Poder Executivo poderá, em ato próprio, estabelecer metas e diretrizes de recuperação ou conservação da vegetação nativa superiores às definidas no caput e nos §§ 1º a 7º, como projeto prioritário, ouvidos o Comitê de Bacia Hidrográfica e o Conselho Estadual de Meio Ambiente”.

 

Tal norma indica que a preservação das áreas de APP com especial função de proteção de mananciais deve se dar da forma mais ampla possível, observando-se a sua função ambiental.

 

Cabe observar, por fim, que as regras acima descritas revelam tratamento desigual dado pela Lei nº 12.651/2012 às propriedades rurais e urbanas, quanto à possibilidade de manutenção de atividades em APP, uma vez que as possibilidades previstas para as áreas rurais consolidadas não se aplicariam, em princípio, a áreas urbanas.

 

 

2.3          A proteção de matas ciliares e nascentes em São Paulo

 

 

Em matéria ambiental a competência legislativa é distribuída entre os entes federativos segundo critérios de predominância de interesse. A União teria competência para legislar sobre assuntos de interesse nacional, os Estados sobre os de interesse regional, e os Municípios sobre os de interesse local (inteligência dos arts. 24, VI e VII, e art. 30, I e II, da Constituição Federal). Para os fins deste trabalho, é importante o reconhecimento, abaixo abordado, de que tanto Estados quanto Municípios poderiam legislar de forma diversa do Código Florestal, porém não de forma menos protetiva da vegetação com especial função de proteção de mananciais.  Dito isso, passa-se à avaliação da legislação paulista quanto ao tema.

 

 

2.3.1     Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais – APRM

 

 

Desde 1997, o Estado de São Paulo tem legislação de proteção dos mananciais (Lei nº 9.866/1997)[36], que trata da proteção e recuperação da qualidade ambiental das bacias hidrográficas dos mananciais de interesse regional[37], com o intuito de garantir a disponibilidade de água necessária para o abastecimento e consumo das gerações atuais e futuras (art. 1º).[38]

 

Para alcançar tal objetivo, foram previstas as Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais – APRM, consistentes em “uma ou mais sub-bacias hidrográficas dos mananciais de interesse regional para abastecimento público” (art. 3o), que deveriam ser criadas por lei estadual.

 

Para essas áreas foram previstos os seguintes instrumentos de planejamento e gestão:

 

“I – áreas de intervenção e respectivas diretrizes e normas ambientais e urbanísticas de interesse regional;

II – normas para implantação de infraestrutura sanitária;

III – mecanismos de compensação financeira aos Municípios;

IV – Plano de Desenvolvimento e Proteção Ambiental – PDPA;

V – controle das atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente, capazes de afetar os mananciais;

VI – Sistema Gerencial de Informações; e

VII – imposição de penalidades por infrações às disposições desta lei e das leis específicas de cada APRM” (art. 11).

 

No pertinente ao presente estudo, destacam-se as áreas de intervenção, que, segundo a norma, podem ser de três tipos (i) Áreas de Restrição à Ocupação[39]; (ii) Áreas de Ocupação Dirigida[40]; e (iii) Áreas de Recuperação Ambiental[41].

 

A Lei no 9.866/1997 trouxe a previsão de infrações e penalidades para o seu descumprimento, incluindo a demolição de obras que potencialmente causem danos aos mananciais. Assim, a ocupação em desacordo com a previsão da lei instituidora da APRM, deve ser demolida.

 

Apenas em 2006 foi estabelecida a primeira APRM tal como previsto na Lei no 9.866/1997: a da Bacia Hidrográfica do Guarapiranga (cf. Lei no 12.233/2006 e Decreto no 51.686/2007). Posteriormente foi editada a Lei nº 13.579/2009, (regulamentada pelo Decreto no 55.342/2010), que definiu a APRM da Bacia Hidrográfica do Reservatório Billings. E, mais recentemente, a Lei nº 15.790, de 16.04.2015, estabeleceu os limites da APRM do Alto Juquery, que integra o sistema Cantareira.[42]

 

Essas normas previram que as Áreas de Restrição à Ocupação – ARO, de especial interesse para a preservação, conservação e recuperação dos recursos naturais da Bacia, compreendem as áreas de preservação permanente definidas no Código Florestal (cf. art. 11, I; art. 18, I e art. 10, I, respectivamente). As APPs nas APRM, portanto, têm a especial função ambiental de garantir a perpetuidade dos recursos hídricos.

 

As normas relativas à represa Billings e ao Alto Juquery também definiriam como ARO a faixa de 50 m de largura, medida em projeção horizontal, a partir da cota máximo maximorum dos reservatórios Billings, Paiva Castro e Águas Claras (cf. art. 18, III e art. 10, II, respectivamente).

 

Tal regra é especialmente importante à vista de o Código Florestal ter estabelecido que a APP para as faixas de reservatórios artificiais decorrentes do represamento de recursos naturais, seria definida no licenciamento ambiental (art. 4º, III, da Lei nº 12.651/2012). No caso de implantação de novos reservatórios artificiais destinados ao abastecimento público, devem ser respeitadas as faixas (i) mínima de 30 metros e máxima de 100 metros em área rural, e (ii) mínima de 15 metros e máxima de 30 metros em área urbana (art. 5º). Entretanto, “para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente Medida Provisória 2.166-67/01, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum” (art. 62 do Código Florestal).

 

A norma relativa à represa Billings e aos reservatórios Paiva Castro e Águas Claras é bastante mais rigorosa.

 

Tais previsões protetoras das matas ciliares e da vegetação no entorno de nascentes se coadunam com os objetivos estabelecidos na Política Nacional de Recursos Hídricos e na legislação paulista de proteção de mananciais. Entretanto, cabe avaliar a interessante questão de se as possibilidades de ocupação de APP previstas no Código Florestal, especialmente a admitida em áreas rurais consolidadas e assentamentos de reforma agrária, seriam aplicáveis à APRM.

 

 

 

2.3.2     A (in)aplicabilidade das normas permissivas do Código Florestal à APMR

 

 

Conforme já detalhado, o Código Florestal estabeleceu regime de manutenção de atividades em áreas rurais consolidadas (aquelas ocupadas antes de 22.07.2008), com possibilidade de recuperação de apenas parte dos limites estabelecidos como regra geral em seu art. 4o.

 

A legislação de São Paulo apenas prevê que nas APRMs já criadas (relativas às Bacias do Guarapiranga, Billings e do Alto Juquery) as APP, tal como previstas no Código Florestal, são consideradas Áreas de Restrição à Ocupação – ARO.

 

A Lei nº 15.790/2015 (Alto Juquery) estabelece os usos admitidos nas ARO[43], aplicáveis a imóveis urbanos ou rurais:

 

“Artigo 11 – São admitidos nas ARO desta lei:

I – atividades de recreação e lazer, educação ambiental e pesquisa científica que não exijam edificações;

II – instalações dos sistemas de drenagem, abastecimento de água, coleta, tratamento e afastamento de cargas poluidoras, quando essenciais para o controle e a recuperação da qualidade das águas e demais obras essenciais de infraestrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia;

III – intervenções de interesse social em ocupações pré-existentes em áreas urbanas, para fins de recuperação ambiental e melhoria das condições de habitabilidade, saúde pública e qualidade das águas, desde que incluídas em PRIS[44] e acompanhadas de mecanismos de controle de expansão, adensamento e manutenção das intervenções;

IV – instalação de pequenas estruturas de apoio a embarcações, respeitada a legislação vigente;

V – instalação de equipamentos removíveis para dar suporte a eventos esportivos ou culturais temporários, desde que não aportem efluentes sanitários aos corpos d’água;

VI – manejo sustentável da vegetação, desde que autorizado pelo órgão licenciador competente.

  • 1º – Serão admitidos, ainda, os usos e intervenções excepcionais de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental conforme legislação vigente.
  • 2º – Os eventos a que se refere o inciso V deste artigo, a serem definidos por regulamento, poderão ocorrer desde que autorizados, previamente, pelo órgão competente”.

 

Vê-se que a norma pretende o mínimo uso dessas áreas, com o objetivo de abrandar os impactos humanos negativos sobre os recursos hídricos, admitindo a ocupação de APP nas hipóteses também previstas no Código Florestal de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental.

 

Ademais, é objetivo da Lei[45]manter a integridade das Áreas de Preservação Permanente[46], dos remanescentes de Mata Atlântica e Unidades de Conservação de forma a garantir a proteção, conservação, recuperação e preservação da vegetação e da diversidade biológica natural” (art. 3º, XII).

 

Nesse contexto, poder-se-ia admitir a ocupação ambiental com atividades agrossilvipastoris (portanto, potencialmente sem a vegetação que teria a função ambiental de preservar os corpos d’água) nas áreas rurais consolidadas em APRM? Ou, ainda, aplicando-se irrestritamente o Código Florestal, poderia haver ocupação na faixa de 50 metros além da cota máxima nos casos em que essa faixa é definida como ARO pela legislação que instituiu APRM?

 

Parece-nos que, apesar de ser questão sujeita a muita controvérsia, tal ocupação não poderia ser admitida, sob pena de esvaziar-se o sentido e os objetivos das normas de proteção a mananciais em estado crítico. No caso das áreas rurais consolidadas inseridas em APRM, deveria ser recomposta a vegetação na integralidade dos limites previstos no art. 4º do Código Florestal[47], sem que se admita a sua recuperação apenas parcial.

 

 

2.3.3     Programa Mata Ciliar (ou Nascentes) – compensação ambiental

 

 

No âmbito do conjunto de esforços para a recuperação de vegetação em APP, o Estado de São Paulo, por meio do Decreto 60.521/2014, instituiu o Programa Mata Ciliar (ou Nascentes[48]), nos seguintes termos:

 

“Fica instituído o Programa de Incentivos à Recuperação de Matas Ciliares e à Recomposição de Vegetação nas Bacias Formadoras de Mananciais de Água – Programa Mata Ciliar, com o objetivo de ampliar a proteção e conservação dos recursos hídricos e da biodiversidade, por meio da otimização e direcionamento de investimentos públicos e privados para:

I – proteção e recuperação de matas ciliares, nascentes e olhos d’água;

II – proteção de áreas de recarga de aquífero;

III – ampliação da cobertura de vegetação nativa em mananciais, especialmente a montante de pontos de captação para abastecimento público;

IV – plantios de árvores nativas e melhoria do manejo de sistemas produtivos em bacias formadoras de mananciais de água” (art. 1º).

 

Cuida-se de importante instrumento para viabilizar a efetiva recuperação de vegetação que propicie a manutenção e a produção de recursos hídricos nos mananciais.[49]

 

Os recursos para o alcance desse objetivo pode ser advindo de compensação[50] por supressão de vegetação para uso alternativo do solo ou licenciamento ambiental de atividades, projetos de incentivo econômico, fundos públicos e conversão de multa simples por infração ambiental em serviços de melhoria da qualidade ambiental (art. 4º do Decreto nº 60.521/2014).

 

Para o cálculo das obrigações de recomposição florestal (compensação) no âmbito do Programa, foi criada a unidade “árvore-equivalente”, cuja metodologia de cálculo leva em conta a qualidade da vegetação a ser suprimida e a vulnerabilidade do aquífero (cf. Resolução SMA nº 70/2014).

 

As áreas prioritárias de intervenção do Programa são justamente as “margens de cursos d’água e nascentes” das bacias do Alto Tietê; Piracicaba, Capivari e Jundiaí; e Paraíba do Sul (vide Resolução conjunta SMA/SSRH nº 1/2014 e Decreto nº 61.137/2015), a demonstrar a necessidade da implantação de ações urgentes para a recuperação dessa vegetação e consequente melhora da qualidade e quantidade dos recursos hídricos.

 

 

2.4             Área urbana – a preservação da cobertura florestal

 

 

Em área urbana, todo o arcabouço normativo comentado acima ganha relevo e dificuldades adicionais de implementação, à vista da realidade de ocupação das margens de corpos hídricos, especialmente para fins de moradia, e da potencial inaplicabilidade das disposições de proteção e recuperação das bacias hidrográficas dos mananciais.

 

O Código Florestal (art. 3o, XXVI c/c art. 47 da Lei no 11.977/2009) assim definiu área urbana consolidada:

 

“parcela da área urbana com densidade demográfica superior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare e malha viária implantada e que tenha, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a) drenagem de águas pluviais urbanas; b) esgotamento sanitário; c) abastecimento de água potável; d) distribuição de energia elétrica; ou e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos”.

 

Entretanto, diferentemente do disposto em relação às áreas rurais consolidadas, não estabeleceu regime específico de manutenção de atividades em APP e recuperação ambiental mais flexível nessas áreas urbanas consolidadas.

 

Nessas áreas, aplica-se a regra geral (art. 8o) que permite a supressão de vegetação nativa em APP nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental.  Dentre essas, destaca-se ser de interesse social, passível de ocupação de APP, portanto, a “regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei no 11.977/2009” (art. 3o, IX, d, do Código Florestal).[51]

 

Cabe avaliar se, ante a competência dos Municípios para “I – legislar sobre assuntos de interesse local; II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber” (cf. art. 30 da Constituição), poderiam ser criadas regras que diminuíssem a proteção de matas ciliares e vegetação no entorno de nascentes.[52]

 

O Supremo Tribunal Federal já esclareceu que em matéria ambiental a competência municipal é a de suplementar normas editadas por outros entes federativos, respeitando as suas disposições:

 

“A teor dos disposto nos arts. 24 e 30 da Constituição Federal, aos Municípios, no âmbito do exercício da competência legislativa, cumpre a observância das normas editadas pela União e pelos Estados, como as referentes à proteção das paisagens naturais notáveis e ao meio ambiente, não podendo contrariá-las, mas tão somente legislarem circunstâncias remanescentes.”[53]

 

Apesar dos questionamentos levantados em relação ao tema na vigência do antigo Código Florestal[54], a possibilidade de os Municípios estabelecerem limites menores para a proteção de matas ciliares e vegetação no entorno de nascentes parece vedada à luz do atual Código Florestal.

 

Assim já entenderam Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida e Vicente de Abreu Amadei, “doravante, em face da atual disciplina constante do art. 4º, caput, da Lei 12.651/2012, é forçoso concluir que os patamares mínimos do art. 4º, I, a – incluso o da faixa marginal mínima de 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura – valem para toda zona urbana e não podem ser reduzidos por lei municipal (Plano Diretor ou Lei de Uso do Solo).”.[55]

 

Como visto, a interpretação restritiva das possibilidades de intervenção em APP têm ainda maior importância e justificativa em áreas de proteção e recarga hídrica de cursos d’água, como as APRM paulistas.

 

Entretanto, a Lei nº 15.684/2015 do Estado de São Paulo trouxe regra especial para a APP em área urbana, permitindo a supressão de vegetação nativa nessas áreas para uso alternativo do solo[56], desde que respeitadas (i) as APPs previstas pela legislação em vigor à época da implantação do empreendimento (cf. art. 40 da Lei Estadual); e (ii) legislação especial, como a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/06), se aplicável.

 

Além disso, resta assegurado o direito de construir em lotes oriundos de parcelamento do solo urbano devidamente registrado, desde que respeitadas as APPs exigidas pela legislação vigente na data da implantação do licenciamento ambiental e do registro do parcelamento do solo para fins urbanos (art. 40, parágrafo único).

 

Será necessário também nesses casos aplicar com parcimônia tais regras possivelmente mais permissivas em APRM, à conta da sua especial função de proteção de mananciais.

 

Ainda quanto a essas áreas, a Lei no 9.866/1997 previu que para cada APRM serão estabelecidas diretrizes e normas ambientais e urbanísticas (art. 16), inclusive quanto às condições de ocupação, devendo a legislação de planejamento e uso e ocupação do solo municipais previstas no art. 30 da Constituição incorporar tais diretrizes (art. 19).  Dá-se aqui a orientação estadual – eis que as APRMs são criadas por leis estaduais – do uso e ocupação do solo, que pode ser questionada por ter a Constituição atribuído aos Municípios legislar sobre temas de interesse local, planejando o ordenamento do solo e o desenvolvimento urbano (art. 182).[57]

3.             Instrumento econômico

 

Ainda em reforço a todas as normas de proteção de mananciais no Estado de São Paulo, foi criado pela Resolução SMA nº 19/2015 o projeto de Pagamentos por Serviços Ambientais Mata Ciliar.

 

Aplicável a agricultores familiares, com o objetivo de proteger, restaurar e ampliar matas ciliares, o projeto envolve o pagamento anual a esses proprietários para apoiar a manutenção da vegetação.

 

O pagamento por serviços ambientais é mecanismo econômico de política ambiental, fundamentado no princípio do provedor-recebedor, também chamado de usuário-pagador, assim definido por Édis Milaré:

 

“(…) aquele que preserva ou recupera os serviços ambientais, geralmente de modo oneroso aos próprios interesses, tornar-se-ia credor de uma retribuição por parte dos beneficiários desses mesmos serviços, sejam pessoas físicas ou jurídicas, seja o Estado ou a sociedade como um todo”.[58]

 

Trata-se da possibilidade de remuneração das externalidades positivas geradas para toda a sociedade pela preservação das áreas de mata ciliar. Como afirma Ana Maria Nusdeo, no caso dos serviços associados à proteção de bacias hidrográficas, “transaciona-se sobre práticas geradoras de impactos positivos estimados sobre a quantidade e qualidade da água”.[59]

 

O instrumento ora previsto nas normas paulistas, portanto, é adequado ao indigitado princípio e pode vir a ser importante medida complementar às demais ações para a preservação de vegetação que preste o serviço de proteger e incrementar cursos d’água.

 

 

4.             Conclusão

 

 

Os mecanismos apresentados acima são de fundamental importância e estão de acordo com o previsto na ordem Constitucional quanto à preservação de bens ambientais, como o são as águas. Entretanto, no Estado de São Paulo, que já enfrenta escassez de recursos, muitas das normas que pretendem dar efetividade e concretude à recuperação de mata ciliar e vegetação no entorno de nascentes são muito recentes (notadamente de 2014 e 2015).

 

Como visto, apesar de a proteção de mananciais ter sido objeto de especial preocupação legislativa deste 1997 e, em última análise, desde o Código de Águas de 1934 já se falar em manutenção e recuperação de mananciais, a criação de instrumentos de implementação só ocorreu recentemente.

 

Cabe indagar se os benefícios que certamente advirão dessas ações para a perpetuidade dos mananciais trarão seus efeitos a tempo[60] de contribuir para a reversão da crise.

 

Ademais, normas federais, estaduais e municipais quanto à proteção dessas áreas florestais coexistem, trazendo dificuldades de compatibilização. Como exemplo, defendemos que, à  conta da especial função da vegetação ciliar e no entorno de nascentes nas Áreas de Proteção e Recuperação de Mananciais do Estado de São Paulo, restariam afastadas as regras federais que permitiriam a ocupação humana dessas áreas (áreas rurais consolidadas) em substituição da vegetação com a função de proteger e produzir recursos hídricos.

 

A ordem constitucional vigente impõe a preservação dos recursos ambientais, como a água, em adequadas condições de uso para as presentes e futuras gerações. Considerando que já se está diante de crise, urge aplicar os princípios da solidariedade intergeracional e do desenvolvimento sustentável, como forma de proporcionar a felicidade dos seres, que deve ser o fim último do Estado Democrático Ambiental de Direito. Nesse contexto, as normas que garantam a preservação da vegetação com a função de manutenção de recursos hídricos devem ser aplicadas de forma ampla, garantindo o efetivo desempenho da função ambiental.

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[1] A Sabesp, empresa de economia mista responsável pelo fornecimento de água, coleta e tratamento de esgotos de 364 municípios do Estado de São Paulo, instituiu sistema de redução de pressão à vista da indisponibilidade hídrica (disponível em: http://site.sabesp.com.br/site/reducao/reducaopressao.html, acesso em 06.05.2015). Ainda segundo a Sabesp, o Sistema Cantareira possui volume negativo de armazenamento de 91,7 milhões de m³, em relação ao volume disponível (acessível sem bombeamento).

[2] Pode-se apontar a má gestão do uso e da infraestrutura associada aos recursos hídricos, falta de transparência e participação nessa gestão, falta de chuvas, e a degradação dos mananciais e fontes de água (vide Relatório Água@SP, disponível em http://aguasp.com.br/app/themes/onepage-agua-sp/files/Agua_SP_PropCurto_29Out.pdf, acesso em 02.05.15).  A média de chuva no sistema Cantareira reduziu drasticamente. Em 2013/2014 foram registrados 417 mm em média, enquanto entre 2004 a 2014 a média foi de 825 mm. O acumulado de 2014 a janeiro de 2015 não ultrapassava os 229,8 mm (disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/infograficos/2015/01/118572-20-respostas-sobre-a-crise-da-agua.shtml, acesso em: 02.05.15).

[3] São listados como serviços ambientais relacionados à água a proteção da qualidade da água, a regulação do lençol freático, a proteção do habitat aquático, e o controle da contaminação do solo. WHATELY, Marussia, HERCOWITZ, Marcelo. Serviços ambientais : conhecer, valorizar e cuidar : subsídios para a proteção dos mananciais de São Paulo. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2008, p. 69.

[4] “Se conoce como recarga hídrica, al proceso por el cual se incorpora a un acuífero, agua procedente del exterior, además se define este fenómeno como un proceso por el cual el exceso de agua por infiltración sobre la evapotranspiración drena desde la zona radicular y continua circulando en dirección descendente a través de la zona no saturada, hasta la capa freática (Faustino, 2011)”. LUGO, Pedro Pérez Álvarez et al. Determinación De La Recarga Hídrica Potencial En La Cuenca Hidrográfica Guara, De Cuba. In Aqua-LAC – Vol. 6 – Nº 2 – Set. 2014. p. 58-70.

[5] GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Sustentabilidade do Abastecimento de Água No Brasil. In Anais do 19o Congresso Brasileiro de Direito Ambiental, 2014, p. 145.

[6] Inventário Florestal, disponível em http://www.ambiente.sp.gov.br/sifesp/mapas-da-vegetacao-natural-dos-municipios-do-sistema-cantareira/, acesso em 02.05.15.

[7] Relatório Água@SP, disponível em http://aguasp.com.br/app/themes/onepage-agua-sp/files/Agua_SP_PropCurto_29Out.pdf, acesso em 02.05.15.

[8] Disponível em http://www.ambiente.sp.gov.br/blog/2014/11/27/acordo-ira-ampliar-a-restauracao-de-florestas-nas-areas-de-mananciais-do-cantareira-e-do-alto-tiete/, acesso em 02.05.15.

[9] No que toca ao tema aqui abordado, o Decreto no 4.421/21 tratou de florestas protetoras como aquelas que servissem para  “§ 1º Beneficiar a hygiene e a saude publica. § 2º Garantir a pureza e abundancia dos mananciaes aproveitaveis á alimentação. § 3.º Equilibrar o regimen das aguas correntes que se destinam não só ás irrigações das terras agricolas como tambem ás que servem de vias de transporte e se prestam ao aproveitamento de energia” (art. 3o, I), e, na mesma linha, estabeleceu o art. 4o do Código Florestal de 1934.

[10] Lei Estadual nº 9.866/1997, que estabelece diretrizes e normas para a proteção e recuperação das bacias hidrográficas dos mananciais de interesse regional do Estado de São Paulo.

[11]Numa determinada região ou bacia, a quantidade de águas superficiais ou subterrâneas, disponíveis para qualquer uso” (DNAEE – Departamento de Águas e Energia Elétrica. Glossário de Termos Hidrológicos. Brasília, 1976).

[12] A PNRH trouxe sistemática de proteção adicional àquela já prevista no Código de Águas de 1934

(Decreto nº 24.643/1934), antiga e importante lei de proteção de bem ambiental.

[13] “(…) as ações de gestão das águas deixaram de ser unicamente governamentais, para contar com a participação dos cidadãos.” POMPEU, Cid Tomanik. O direito de águas no Brasil. In Revista dos Tribunais, Ano 98, Volume 889, 2009, p. 47-77.

[14] STJ, Recurso em MS nº 8.766/ PR, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 17 mai. 1999. “Uso do solo urbano submete-se aos princípios disciplinadores da função social da propriedade evidenciando a defesa do meio ambiente e do bem estar comum da sociedade.”

[15] BENJAMIN, Antônio Herman V. Dano Ambiental: Prevenção, Reparação e Repressão, 1993, p. 79.

[16] GRAU, Eros Grau. Princípios fundamentais de direito Ambiental, 1997.

[17] MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de (coord.). Estatuto da Cidade – Lei 10.257, de 10.07.2007 – Comentários. São Paulo: RT, 2004, p. 25-26.

[18] FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A propriedade no Direito Ambiental. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 126.

[19] STJ. Embargos de Declaração no Resp. 161.545/SP. 2ª Turma. Rel. Min. Francisco Peçanha Martins. j. 25.12.01.

[20]Os bens dotados de relevante valor ambiental, como o são, dentre outros, as matas ciliares, as encostas de morros as nascentes, estão sujeitos a um regime jurídico que deve atentar ao interesse público, devido às importantes funções que desempenham (…)”. MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Áreas de “Degradação Permanente”, escassez e riscos. In Revista de Direito Ambiental, Ano 10, abril-junho de 2005, p. 23-49.

[21] Comentando o tema, Paulo de Bessa Antunes afirma que “para que possam ser consideradas de preservação permanente, [as APPs] devem ostentar os requisitos disciplinados pelo inciso II do artigo 3o, II [função ambiental].” e continua esclarecendo que os limites estabelecidos pelo Código Florestal para as APPs consistiriam em “presunção legal em favor do meio ambiente que, se não absoluta, demanda do interessado a produção de prova no sentido de que a função ambiental não se faz presente em determinada área”. Comentários ao Novo Código Florestal. 2a ed. São Paulo: Atlas, 2014.

[22] GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito de Águas: disciplina jurídica das águas doces. São Paulo: Atlas, 2001.

[23] MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Áreas de “Degradação Permanente”, escassez e riscos. In Revista de Direito Ambiental, Ano 10, abril-junho de 2005, p. 23-49.

[24] Sobre a discussão que se travava no âmbito da Lei no 4.771/1965 (antigo Código Florestal), inclusive com posições no sentido da inaplicabilidade de limites de APP às áreas urbanas, vide MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Áreas de “Degradação Permanente”, escassez e riscos. In Revista de Direito Ambiental, Ano 10, abril-junho de 2005, p. 23-49.

[25] A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está pacificada nesse sentido: “Faixa ciliar. Área de preservação permanente. Reserva legal. Terreno adquirido pelo recorrente já desmatado. Impossibilidade de exploração econômica. Responsabilidade objetiva. Obrigação propter rem” (REsp. 343741/PR, 2ª Turma, , Rel Min. Franciulli Netto, j. 04.06.02 – acórdão paradigma); e “A jurisprudência desta Corte está firmada no sentido de que os deveres associados às APPs e à Reserva Legal têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse, independente do fato de ter sido ou não o proprietário o autor da degradação ambiental. Casos em que não há falar em culpa ou nexo causal como determinantes do dever de recuperar a área de preservação permanente” (AgRg no AREsp 327687/SP, 2ª Turma, , Rel. Min. Humberto Martins, j. 15.08.13); e, no mesmo sentido, REsp. 201001256665, 1ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 08.02.11.

[26] O art. 7º, § 2º faz referência às transmissão da obrigação apenas para o imóvel rural. Entretanto, à luz do entendimento pacificado nos Tribunais e na função ambiental de tais áreas, tal distinção não faz sentido, sendo a obrigação de recomposição transmitida também ao adquirente de imóvel urbano.

[27] O art. 4º da Lei nº 4.771/1965 dispunha que “a supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto”.

[28] Nos termos do art. 1º-A, por atividades de utilidade pública entendem-se: “a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária; b) as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios, saneamento, gestão de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, bem como mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho; c) atividades e obras de defesa civil; d) atividades que comprovadamente proporcionem melhorias na proteção das funções ambientais referidas no inciso II deste artigo; e e) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal”.

[29] Nos termos do art. 1º-A, IX, por atividades de interesse social entendem-se: “a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas; b) a exploração agroflorestal sustentável praticada na pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades tradicionais, desde que não descaracterize a cobertura vegetal existente e não prejudique a função ambiental da área; c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais ao ar livre em áreas urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas nesta Lei; d) a regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009; e) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e de efluentes tratados para projetos cujos recursos hídricos são partes integrantes e essenciais da atividade; f) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente; e g) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional à atividade proposta, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal”.

[30] Nos termos do art. 1º-A, X, por atividades de baixo impacto ambiental entendem-se: “a) abertura de pequenas vias de acesso interno e suas pontes e pontilhões, quando necessárias à travessia de um curso d’água, ao acesso de pessoas e animais para a obtenção de água ou à retirada de produtos oriundos das atividades de manejo agroflorestal sustentável; b) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando couber; c) implantação de trilhas para o desenvolvimento do ecoturismo; d) construção de rampa de lançamento de barcos e pequeno ancoradouro; e) construção de moradia de agricultores familiares, remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em áreas rurais, onde o abastecimento de água se dê pelo esforço próprio dos moradores; f) construção e manutenção de cercas na propriedade; g) pesquisa científica relativa a recursos ambientais, respeitados outros requisitos previstos na legislação aplicável; h) coleta de produtos não madeireiros para fins de subsistência e produção de mudas, como sementes, castanhas e frutos, respeitada a legislação específica de acesso a recursos genéticos; i) plantio de espécies nativas produtoras de frutos, sementes, castanhas e outros produtos vegetais, desde que não implique supressão da vegetação existente nem prejudique a função ambiental da área; j) exploração agroflorestal e manejo florestal sustentável, comunitário e familiar, incluindo a extração de produtos florestais não madeireiros, desde que não descaracterizem a cobertura vegetal nativa existente nem prejudiquem a função ambiental da área; e k) outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventuais e de baixo impacto ambiental em ato do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA ou dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente”.

[31] ANTUNES, Paulo de Bessa. Comentários ao Novo Código Florestal. 2a ed. São Paulo: Atlas, 2014.

[32] 30 metros, para os cursos d’água de menos de 10 metros de largura;

50 metros, para os cursos d’água que tenham de 10 a 50 metros de largura;

100 metros, para os cursos d’água que tenham de 50 a 200 metros de largura;

200 metros, para os cursos d’água que tenham de 200 a 600 metros de largura; e

500 metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 metros.

[33] A recomposição dar-se-á por meio da adesão ao Programa de Regularização Ambiental – PRA (art. 59, caput, da Lei nº 12.651/2012 – no Estado de São Paulo, vide Lei nº 15.684/2015), no âmbito do qual serão firmados termos de compromisso para o fim de recuperar a área degradada (Art. 2º, III, do Decreto nº 7.830/2012), devendo para tal o imóvel rural estar inscrito no Cadastro Rural Ambiental – CAR (art. 59, § 1º, da Lei nº 12.651/2012).

[34] Nos termos do § 8º, do art. 61-A, do Código Florestal, “será considerada, para os fins do disposto no caput e nos §§ 1º a 7º, a área detida pelo imóvel rural em 22 de julho de 2008”.

[35]Será admitida a manutenção [em APP] de residências e da infraestrutura associada às atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural, inclusive o acesso a essas atividades, independentemente das determinações contidas no caput e nos §§ 1º a 7º, desde que não estejam em área que ofereça risco à vida ou à integridade física das pessoas”.

[36] A região metropolitana da grande São Paulo já possuía legislação de proteção de mananciais, as Leis no 898/1975 e no 1.172/76.

[37]Para efeito desta lei, consideram-se mananciais de interesse regional as águas interiores subterrâneas, superficiais, fluentes, emergentes ou em depósito, efetiva ou potencialmente utilizáveis para o abastecimento público” (art. 1º, parágrafo único).

[38]Artigo 2º – São objetivos da presente lei: (…) II – compatibilizar as ações de preservação dos mananciais de abastecimento e as de proteção ao meio ambiente com o uso e ocupação do solo e o desenvolvimento socioeconômico; (…) V – integrar os programas e políticas habitacionais à preservação do meio ambiente”.

[39]Artigo 13 – São Áreas de Restrição à ocupação, além das definidas pela Constituição do Estado e por lei como de preservação permanente, aquelas de interesse para a proteção dos mananciais e para a preservação, conservação e recuperação dos recursos naturais”.

[40]Artigo 14 – São Áreas de Ocupação Dirigida aquelas de interesse para a consolidação ou implantação de usos rurais e urbanos, desde que atendidos os requisitos que garantam a manutenção das condições ambientais necessárias à produção de água em quantidade e qualidade para o abastecimento das populações atuais e futuras”.

[41]Artigo 15 – São Áreas de Recuperação Ambiental aquelas cujos usos e ocupações estejam comprometendo a fluidez, potabilidade, quantidade e qualidade dos mananciais de abastecimento público e que necessitem de intervenção de caráter corretivo”.

[42] Tal Lei é originária do Projeto de Lei no 272/2010, tendo sido realizada audiência pública em 2011 (cf. http://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=282895, acesso em 02.05.2015), entretanto só agora – no auge da crise hídrica – vem a ser editada a Lei.

[43] Na mesma linha preveem o art. 12 da Lei nº 12.233/2006 (Guarapiranga) Lei nº 13.579/2009 (Billings).

[44]Programa de Recuperação de Interesse Social – PRIS: conjunto de medidas e intervenções em assentamento habitacional precário de interesse social, preexistente, localizado em ARA 1, com o objetivo de melhoria das condições, associadas ou não, de saneamento ambiental, de regularização ou de remoção” (art. 4º, XV).

[45] Veja-se em sentido assemelhado o disposto no art. 3º, III e IX, da Lei nº 12.233/2006 (Guarapiranga) e no art. 3º, XIII, da Lei nº 13.579/2009 (Billings).

[46] A referência a APP, a nosso juízo, é limitada à sua definição geral, e não significa o transporte automático de todas as disposições quanto a tais áreas contidas no Código Florestal.

[47] 30 metros, para os cursos d’água de menos de 10 metros de largura;

50 metros, para os cursos d’água que tenham de 10 a 50 metros de largura;

100 metros, para os cursos d’água que tenham de 50 a 200 metros de largura;

200 metros, para os cursos d’água que tenham de 200 a 600 metros de largura; e

500 metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 metros.

[48] O Governo do Estado assim tem chamado o Programa. Disponível em: http://www.ambiente.sp.gov.br/programanascentes/, acesso em: 03.05.2015.

[49] Para dar concretude ao Programa foram editados a Portaria SMA nº 26/2014 (comissão de avaliação de projetos), a Resolução conjunta SMA/SSRH nº 1/2014 (define áreas de intervenção do Programa), e o Decreto nº 61.137/2015 (cria comitê gestor).

[50] Demonstrando a viabilidade da aplicação dos recursos de compensação na recuperação de mananciais, foi firmado, em 25.11.2014, entre a organização ambiental global The Nature Conservancy, apoiada pela Aliança de Fundos de Água da América Latina, e a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São um convênio de cooperação para destinar investimentos especialmente advindos da compensação ambiental de até R$ 300 milhões para a restauração de florestas em trechos prioritários das bacias hidrográficas dos sistemas Cantareira e Alto Tietê. Disponível em: http://www.ambiente.sp.gov.br/blog/2014/11/27/acordo-ira-ampliar-a-restauracao-de-florestas-nas-areas-de-mananciais-do-cantareira-e-do-alto-tiete/, acesso em 28.04.15.

 

[51] Os arts. 64 e 65 do Código Florestal tratam da regularização ambiental de tal regularização fundiária em APP.

[52] Tal análise envolve, em linhas gerais, a controvérsia questão da prevalência da norma ambiental mais restritiva, à vista da garantia do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado (art. 225 da Constituição Federal), versus a eventual existência de condições locais específicas que justifiquem normas diversas das federais e estaduais ainda que menos protetivas do meio ambiente (autonomia federativa – art. 18, da Constituição Federal).

[53] STJ, 1ª Seção, AR nº 756-PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 27.02.08

[54] O art. 2º, p. único desse Código previa que: “No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas  regiões  metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo”.

[55] MACHADO, Paulo Afonso Leme; MILARÉ, Édis (coord.). Novo Código Florestal: comentários à Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, à Lei 12.727, de 17 de outubro de 2012 e do Decreto 7.830, de 17 de outubro de 2012. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

Art. 4º, § 9º: “Em áreas urbanas, assim entendidas as áreas compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões  metropolitanas e aglomerações urbanas, as faixas marginais de qualquer curso d’água natural que delimitem as áreas da faixa de passagem de inundação terão sua largura determinada pelos respectivos Planos Diretores e Leis de Uso do Solo, ouvidos os Conselhos Estaduais e Municipais de Meio Ambiente, sem prejuízo dos limites estabelecidos pelo inciso I do caput.” § 10. “No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas  regiões  metropolitanas e aglomerações urbanas, observar-se-á o disposto nos respectivos Planos Diretores e Leis Municipais de Uso do Solo, sem prejuízo do disposto nos incisos do caput.”

[56] Art. 3º, VI, do Código Florestal: “uso alternativo do solo: substituição de vegetação nativa e formações sucessoras por outras coberturas do solo, como atividades agropecuárias, industriais, de geração e transmissão de energia, de mineração e de transporte, assentamentos urbanos ou outras formas de ocupação humana”.

[57] Fernando Alves Correia, ao tratar dos planos urbanísticos ou territoriais, identifica quatro funções a eles inerentes: a identificação da realidade ou da situação existente, a conformação do território, a conformação do direito de propriedade do solo e, por fim, a gestão do território (CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo – vol. 1. 3ª ed. Coimbra, Portugal: Almedina, 2006, p. 328-333). Merece destaque a primeira função. Os planos urbanísticos se prestam a realizar um levantamento da situação existente, identificando os usos e ocupações já implantados, bem como as necessidades daqueles que habitam o território, inclusive do ponto de vista socioambiental. A partir da identificação de tais elementos, é que se pode elaborar um plano urbanístico mais vinculado à realidade. Caso contrário, estar-se-ia diante de um plano urbanístico concebido como “mera expressão das idéias e dos desejos do seu autor ou autores”. A competência do Município, pois, para conformar o uso do território esbarra, a rigor, na necessidade de vinculação dos planos urbanísticos à realidade, a qual indica, como visto, a importância de preservação de rios, córregos e nascentes. O conflito, portanto, tende a ser apenas aparente.

[58]  MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 864.  Também sobre o tema comenta Paulo Affonso Leme Machado: “O uso dos recursos naturais pode ser gratuito, como pode ser pago. (…) Em matéria de proteção do meio ambiente, o principio do usuário-pagador significa que o utilizador do recurso deve suportar o conjunto dos custos destinados a tornar possível a utilização do recurso e os custos advindos de sua própria utilização. (…) O órgão que pretenda receber o pagamento deve provar o efetivo uso do recurso ambiental (…)”. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 90-92.

[59]  Nusdeo, Ana Maria de Oliveira. Pagamento por Serviços Ambientais: sustentabilidade e disciplina jurídica. São Paulo: Atlas, 2012, p. 33.

[60]  USSAMI, Mieko Ando. Gestão dos Recursos Hídricos para o Desenvolvimento Sustentável. In Revista de Direitos Difusos, Volume 6, São Paulo: ADCOAS, abril de 2001, p. 805-818.



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Mariana Fernandes Miranda Pedro Marino Bicudo

Data de Publicação

27/04/2015