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O Seguro M&A

 

 

 

NATALIE SEQUERRA

Mestre em Direito pela Harvard Law School (LL.M.). Advogada.

GUILHERME LEPORACE

Mestre em Direito pela University of Chicago Law School (LL.M.). Advogado.

  

  1. Introdução: O que constitui uma operação de M&A.

 

A expressão Mergers and Acquisitions, frequentemente abreviada no jargão jurídico-financeiro como M&A, traduz gênero de operações societárias que têm por finalidade a aquisição de ativos ou direitos de participação no capital social de organização empresária.

 

Entre as modalidades mais comuns de operação de M&A, estão a compra e venda de ações (ou quotas de sociedade limitada), a incorporação de organização empresária e a aquisição de estabelecimento. Por vezes, as operações envolvem também a contratação de opções e a emissão de títulos de dívida, como, por exemplo, debêntures conversíveis em ações. As fusões não são usuais no Brasil.

 

As operações de M&A são realizadas pelas mais variadas razões, tais como a necessidade de capital para a expansão dos negócios ou reestruturação de dívidas, a obtenção de sinergias operacionais, a existência de vantagens fiscais, a conquista de maior participação em determinada indústria, a diversificação de empreendimentos, o retorno ao core business, etc.

 

Embora cada caso tenha as suas peculiaridades, as operações de M&A em geral – e, em especial, aquelas envolvendo a compra e venda de direitos de participação – seguem um script bastante semelhante, com a assinatura de non-disclosure agreement (NDA) no início das negociações preliminares, a realização de due diligence,[1] a assinatura de contrato e, finalmente, o closing, i.e., a consumação do negócio.

 

 

  1. Passivos conhecidos e passivos ocultos (atuais e potenciais).

 

Dentre os inúmeros aspectos considerados no âmbito de uma operação de M&A, a existência de passivo, atual ou potencial (esse último também chamado de contingência), é um dos mais relevantes, tendo importante papel nas negociações do preço e das garantias. A depender dos passivos e contingências declarados pela parte vendedora ou identificados por meio de due diligence (ou ainda, em certos casos, objeto de fundada suspeita), a operação pode até mesmo restar inviabilizada.

 

Há diversos mecanismos contratuais para lidar com passivos conhecidos, ainda que meramente potencias, tais como simples desconto no preço, pagamento parcelado do preço combinado com sistema de compensação ou indenização baseado em conta gráfica, escrow accounts e contratos de penhor ou fiança. Esses mecanismos são mais ou menos aconselháveis em vista das circunstâncias de cada caso concreto, como, por exemplo, forma de pagamento do preço, solvência da parte vendedora, custos de oportunidade[2] envolvidos, etc.

 

Mas nem sempre todos os passivos e contingências são conhecidos. Em determinadas hipóteses, a parte vendedora propositalmente omite ou camufla a existência de alguns passivos e contingências. Em outras, a parte vendedora simplesmente não tem conhecimento de certos passivos e o processo de due diligence não é capaz de identificá-los.

 

Quanto mais abrangente a due diligence, maior o custo e o tempo necessário para a sua conclusão, de modo que muitas vezes torna-se necessário estabelecer linhas de corte para o trabalho, i.e., definir itens que não serão examinados. Assim, por maior que seja o rigor na condução da due diligence, o estabelecimento de linhas de corte e a existência de restrições temporais, naturalmente, abrem brecha para que alguns passivos, sobretudo potenciais, não sejam descobertos.

 

Além disso, é muitas vezes difícil na prática identificar determinados tipos de contingência. A título ilustrativo, considere-se o seguinte caso: a companhia ‘A’, que atua no ramo alimentício, adquire da companhia ‘B’, que atua no setor químico, terreno contaminado e, sem saber da contaminação, posteriormente constrói sua fábrica em tal terreno. Lamentavelmente, não seria de todo improvável que essa contaminação – possível causa de expressivo passivo ambiental no futuro – passasse despercebida em processo de due diligence conduzido, anos depois, por terceiro interessado na aquisição do controle da companhia ‘A’.

 

Em vista desse risco, é comum a parte compradora em uma operação de M&A exigir a inclusão no respectivo instrumento contratual de declarações da parte vendedora atestando a inexistência de passivos ou contingências ocultos, assim entendidos quaisquer passivos ou contingências não listados no contrato de compra e venda (normalmente em documentação anexa). A seção de contratos de M&A ou protocolos de incorporação contendo tais declarações é habitualmente intitulada representations & warranties. Adicionalmente, também é usual a inclusão de cláusula de indenização, prevendo a obrigação de a parte vendedora indenizar a parte compradora pelos passivos e contingências ocultos que sejam identificados ou se materializem dentro de determinado espaço de tempo posteriormente à aquisição.

 

Contudo, cláusulas contratuais com declarações e obrigações de indenizar frequentemente não são suficientes para proteger a parte compradora contra passivos e contingências ocultos, sobretudo quando a parte vendedora (i) encontra-se em situação financeira delicada (ou seja, tem problemas de solvência), (ii) está encerrando suas atividades no Brasil, (iii) seja fundo de investimento com prazo para liquidação (como normalmente é o caso de fundos de private equity), ou (iv) seja formada por grupo de milhares de acionistas de companhia aberta cujo capital seja disperso. Isso porque, nessas hipóteses, a ausência de bens da parte vendedora, a dificuldade de encontrá-la ou até mesmo a cessação da sua existência podem tornar inviabilizar a cobrança de indenização.

 

Por outro lado, muitas vezes o negócio somente é viável ou faz sentido para a parte vendedora se, com o closing, encerrarem-se definitivamente todos os seus laços com a parte compradora e a organização empresária vendida. Nesses casos, a insistência na contratação de obrigações de indenizar ou de determinadas formas de garantia pode impedir a execução da operação.

 

Igualmente, os mecanismos em geral utilizados para lidar com passivos conhecidos, aos quais já se referiu acima, nem sempre funcionam adequadamente para passivos e contingências ocultos.

 

Por exemplo, a negociação da manutenção de parcela do preço em escrow account como garantia para passivos e contingências ocultos costuma gerar bastante desgaste. Por se tratar de perdas incertas, de difícil quantificação, não raro as partes divergem sobre a necessidade dessa garantia ou sobre o seu  valor  e o seu prazo de vigência, especialmente em vista do alto custo de oportunidade a ela relacionado. Do mesmo modo, a contratação de penhores e outras garantias reais e fidejussórias, além de nem sempre ser possível, em razão da ausência de bens do vendedor (ou seus controladores) no País, é por vezes objeto de controvérsia, pelas mais variadas razões.

 

Não bastasse isso, a parte vendedora, em regra, precifica essas garantias (assim como também o faz, mais claramente, com fianças bancárias) e repassa, ao menos parcialmente, o seu custo para a parte compradora, ainda que, na maioria das vezes, de forma embutida no preço da operação.

 

O seguro M&A, embora ainda incipiente no Brasil, é uma alternativa já amplamente utilizada nos Estados Unidos e na Europa para cobrir risco de passivos e contingências ocultos,[3] que, em determinados casos, pode ser mais eficiente e menos custosa.

 

 

  1. O seguro M&A: uma visão geral.

 

O seguro M&A, que pode ser contratado tanto pela parte compradora como pela parte vendedora, destina-se a cobrir as perdas eventualmente sofridas em razão da quebra de declarações contratuais pela parte vendedora. O objetivo é proteger contra passivos e contingências ocultos, de natureza ambiental, tributária, trabalhista, entre outras, que não puderam ser considerados na precificação do negócio.

 

A cobertura engloba, ainda, as despesas incorridas pelo segurado e pela organização empresária alvo com sua defesa em processos referentes a contingências ocultas, incluindo honorários advocatícios e custas judiciais. Por esse motivo, a apólice geralmente exige a prévia concordância da seguradora para a celebração de acordo ou confissão, conferindo à seguradora a faculdade de participar em qualquer processo ou negociação.

 

Passivos e contingências conhecidos pelo segurado por ocasião do fechamento da operação em regra não são incluídos na cobertura. Por isso, é frequente a exigência de declaração do segurado (e de seus prepostos envolvidos) no sentido de que todos e quaisquer passivos ou contingências de que ele tem conhecimento estão listados nos instrumentos referentes à operação ou foram de outra forma informados à seguradora.

 

Isso significa que, enquanto o seguro contratado pela parte compradora normalmente cobrirá perdas sofridas em função de quebras de declarações contratuais voluntárias e involuntárias, o adquirido pela parte vendedora se limitará àquelas decorrentes de quebras involuntárias.

 

Estão igualmente excluídos da cobertura danos decorrentes de atos dolosos do segurado ou seus representantes, bem como danos indiretos, salvo se tais danos indiretos tiverem sido objeto de condenação judicial imposta à organização empresária alvo no âmbito de ação judicial movida por terceiro, hipótese que, a depender da seguradora, pode ser objeto de cobertura. Outras exclusões, como, por exemplo, de riscos relacionados a passivos e contingências ocultos de natureza previdenciária, podem ser contratadas ou exigidas pela seguradora, o que, provavelmente, se refletirá no valor do prêmio – em geral, as seguradoras tendem a ser mais rigorosas com relação a exclusões de cobertura quando o segurado é a parte vendedora, em vista do risco de tal parte esteja propositalmente omitindo ou camuflando a existência de passivos ou contingências.

 

O valor máximo da cobertura é pré-definido, sendo praxe fixá-lo entre 10% a 30% do montante envolvido na operação.[4] Tal percentual, todavia, pode ser maior ou menor, a depender de negociação com a seguradora. Além disso, a cobertura é objeto de limitação temporal, a ser também ajustada com a seguradora, em geral não ultrapassando 3 a 5 anos, que é justamente o período dentro do qual prescreve ou caduca a maior parte das pretensões e direitos.[5]

 

O prêmio do seguro, por sua vez, costuma oscilar entre 3% e 7% do montante segurado, conforme os riscos e valores do negócio, bem como o prazo de cobertura, havendo, naturalmente, exceções.[6] É comum a cobrança de prêmio mínimo, independentemente das características da transação, o que muitas vezes torna o seguro M&A inviável em operações de menor porte.

 

Em razão do fenômeno comportamental conhecido no jargão econômico como moral hazard, que consiste, resumidamente, na tendência natural do segurado de aumentar sua exposição aos riscos cobertos por seguro,[7] bem como da possibilidade de fraude contra o seguro, a seguradora costuma se envolver pontualmente no processo de due diligence da organização empresária alvo da operação de M&A segurada.[8] E, independentemente da celebração ao final do contrato de seguro, a seguradora geralmente cobra uma underwriting fee para cobrir os custos desse seu envolvimento pontual.

 

Pelo mesmo motivo, é usual a previsão na apólice de sistema de franquia mínima e agregada. Esse sistema estabelece que os danos decorrentes de determinado sinistro (1) serão indenizáveis pela seguradora se e apenas na extensão em que o seu valor ultrapassar determinado limite, a franquia mínima, mas (2) somente serão indenizados a partir do momento e apenas na extensão em que o valor agregado dos danos indenizáveis superar um segundo limite, que corresponde à franquia agregada. A existência de franquias mínima e agregada, cujos valores variam conforme as características específicas de cada caso, faz com que o segurado suporte, ao menos em parte, com as consequências dos sinistros, mitigando os efeitos do moral hazard e reduzindo o incentivo para a prática de fraude.

 

O pagamento de indenização é invariavelmente condicionado à emissão de aviso de sinistro pelo segurado imediatamente após o seu conhecimento de qualquer passivo ou contingência e ao cumprimento de todas as orientações transmitidas pela seguradora na sequência, inclusive no que diz respeito ao fornecimento de documentos e informações.

 

Vistas as características gerais do seguro M&A, passa-se à análise de suas vantagens e desvantagens.

 

 

  1. Vantagens e desvantagens do seguro M&A.

 

Sob o ponto de vista da parte compradora, entre os mais importantes pontos positivos do seguro M&A estão:

 

  • a clareza quanto ao seu custo, que corresponde, essencialmente, ao valor do prêmio cobrado pela seguradora;

 

  • o menor desgaste com a parte compradora (o que é especialmente importante na hipótese de aquisição parcial haja vista que a parte compradora continuará lidando com a vendedora, na qualidade de sócios, após a operação);

 

  • a segurança de que, independentemente de a parte vendedora ainda existir, ser encontrada e estar solvente, as perdas decorrentes de quebras de declarações contratuais e despesas com litígios serão indenizadas (dentro, naturalmente, dos limites da apólice);

 

  • a agilidade no recebimento de indenização, com o afastamento da necessidade de ingresso de ação judicial ou arbitragem contra a parte vendedora (ou seu fiador);

 

  • a possibilidade de apresentação de oferta de compra mais atraente, com o pagamento de maior parcela do preço à vista e sem (ou menor) exigência de outras garantias, como penhor e fiança;

 

  • a maior facilidade para a obtenção de financiamento para a operação de M&A e, posteriormente, para as atividades da organização empresária adquirida (afinal, com o seguro M&A, o risco de desembolsos futuros e imprevistos é menor e, consequentemente, há maior segurança quanto ao fluxo de caixa, com base no qual os empréstimos e seus encargos são pagos) ; e

 

  • o double check do processo de due diligence pela seguradora.

 

Já na ótica da parte vendedora, são exemplos das principais vantagens do seguro M&A:

 

  • o maior poder de barganha para negociar a não contratação ou redução de retenção de parcela do preço, com o consequente afastamento ou mitigação do custo de oportunidade;

 

  • o maior poder de barganha para negociar a não contratação de constrições sobre bens seus ou de fianças de seus controladores ou partes relacionadas; e

 

  • o gerenciamento do risco de expressivas perdas futuras.

 

Tanto para a parte compradora como para a parte vendedora, os aspectos do seguro M&A que podem causar maior desconforto são a obrigação de pagamento do prêmio e a direta ingerência da seguradora na condução de litígios relacionados a quebras de garantias contratuais.

 

Além disso, a contratação do seguro M&A pela parte vendedora, em determinados casos, pode eventualmente passar para a parte compradora a impressão de que há receio pelo próprio vendedor da existência de volume expressivo de passivos e contingências ocultos.[9] Contudo, essa impressão pode igualmente resultar, entre outros, de tentativa da parte vendedora em limitar sua responsabilidade ou de sua negativa em oferecer as garantias solicitadas pela parte compradora.

 

 

  1. A decisão sobre contratar o seguro M&A: uma análise de custo e benefício.

 

O seguro M&A funciona como substituto ou complemento a outros mecanismos existentes para a garantia de perdas decorrentes de passivos e contingências ocultos, como, por exemplo, escrow account, fiança bancária, contrato de fiança, contrato de alienação fiduciária de bens, penhor de ações, de créditos, de equipamentos, entre outros.

 

Como cada alternativa (e combinação de alternativas) tem suas próprias peculiaridades, não é possível afirmar, objetivamente, que o seguro M&A seja sempre melhor do que qualquer outra forma de garantia e vice-versa. A opção pelo seguro M&A, ou pela sua utilização em conjunto com outro meio de garantia é, sobretudo, uma questão de comparação de custos e benefícios, que deve ser feita à luz das circunstâncias do caso concreto.

 

Nessa comparação, é importante considerar que, se o prêmio do seguro M&A representa despesa certa e normalmente de valor significativo, o custo de uma escrow account não se limita às reduzidas taxas referentes à abertura e manutenção de conta bancária, assim como tampouco é negligível o custo de outros sistemas de retenção de recursos e de garantias reais ou fidejussórias.

 

Em regra, como já dito, os mecanismos de proteção contra passivos e contingência ocultos usualmente contratados em operações de M&A são precificados pela parte vendedora e o seu preço é acrescido, ainda que parcialmente, ao valor total do negócio. Evidência disso é que, não raro, a parte vendedora está disposta a conceder maior ou menor desconto no valor do negócio se a parte compradora, por exemplo, abrir mão de escrow account e concordar em efetuar a integralidade o pagamento à vista. A realidade, pois, é que, embora oculto, esse preço existe.

 

Acresça-se a isso o fato de que, como também já mencionado anteriormente, tais mecanismos frequentemente não conferem proteção suficiente para parte compradora contra passivos e contingências ocultos, enquanto causam inúmeros inconvenientes para parte vendedora, havendo ainda, em caso de pagamento parcelado do preço, o receio da parte vendedora quanto à solvência da parte compradora. Por isso, é usual que as garantias sejam fonte de longas e difíceis negociações entre as partes.

 

Essa tensão entre os interesses e preocupações da parte compradora e da parte vendedora com relação às proteções contra passivos e contingências ocultos fica bem caracterizada, entre outros, nos casos da escrow account, do penhor de direito creditório ou de outros bens e da fiança, que, em caráter ilustrativo, são expostos a seguir.

 

  1. A) Escrow account

 

A escrow account é uma conta bancária vinculada que somente pode ser movimentada com a autorização da parte vendedora e da parte compradora. Nos casos em que o sistema de escrow account é contratado, a parte compradora, em regra, deposita entre 10% a 20% do valor do negócio na conta vinculada, a fim de que a importância depositada fique retida e funcione como garantia  obrigações contratuais da parte vendedora, inclusive no que diz respeito a passivos e contingências ocultos.

 

A rentabilidade oferecida por escrow account, normalmente, corresponde à de uma CDB. E a parte vendedora somente é autorizada a levantar  a totalidade ou o saldo dos recursos depositados, conforme o caso, após determinado prazo. Durante esse prazo, a parte vendedora fica impossibilitada de (1) aplicar os recursos em outra oportunidade de investimento cuja taxa de retorno esperada seja superior à rentabilidade oferecida pelo banco depositário ou (2) utilizar tais recursos para a quitação de dívidas sujeitas a encargos mais elevados do que os rendimentos da escrow account.

 

Assim, enquanto a parte compradora frequentemente insiste no depósito de maior valor em conta vinculada e na sua retenção por mais tempo, a parte vendedora, a depender de seu custo de oportunidade específico, tende a resistir a tal pretensão.

 

Entre os casos em que a negociação de escrow account costuma ser mais problemática, pode-se citar (1) o de fundo de private equity como parte vendedora, em razão da necessidade de se liquidar o fundo dentro de prazo que, por vezes, não é compatível com o da garantia desejada pela parte compradora, e (2) o de a parte vendedora ser organização empresária se desfazendo de negócio lateral para investir o produto da venda em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias relacionadas ao seu core business, cujo risco e a expectativa de retorno sejam elevados.

 

  1. B) Contrato de penhor

 

O contrato de penhor consiste na constituição de direito real em favor da parte compradora sobre direitos creditórios ou de bens da parte vendedora (ou de terceiros, desde que com o seu consentimento). Esse direito real confere à parte credora o direito de executar a garantia em caso de default pela parte devedora, ainda que o respectivo objeto tenha sido transferido para terceiro, bem como o direito de preferência no recebimento dos recursos referentes à excussão do objeto da garantia, em caso de concurso geral de credores.

 

O que ocorre, na prática, é que a celebração de contrato de penhor, além de não ser alternativa das mais atraentes para a parte compradora, na medida em que a execução do penhor costuma levar tempo, durante o qual o valor do bem objeto da garantia pode se deteriorar, acaba inviabilizando o desconto bancário ou securitização do direito creditório oferecido em penhor, a alienação a terceiros do bem objeto da garantia, bem como a utilização do direito creditório ou do bem para garantir financiamentos. Essas providências, no entanto, em muitos casos são convenientes para a parte vendedora em função do mesmo problema de custo de oportunidade já mencionado quando se tratou da escrow account, gerando semelhante conflito..

 

Como exemplo de hipótese em que a contratação de penhor pode enfrentar maiores dificuldades, mencione-se o em que a parte vendedora é organização empresária em processo de reestruturação financeira para o saneamento de dívidas, cujo objetivo com a venda seja arrecadar recursos para a imediata quitação de dívidas e que já tenha ou esteja planejando oferecer seus direitos creditórios e bens em garantia a novos empréstimos necessários à reestruturação.

 

  1. C) Fiança:

 

O contrato de fiança consiste na constituição de garantia pessoal do controlador da parte vendedora ou de qualquer terceiro quanto ao cumprimento das obrigações contratuais da parte vendedora. A fiança tem como consequência a extensão das responsabilidades da parte vendedora ao fiador, expondo-o aos mesmos riscos incorridos pela parte vendedora.

 

Além de trazer grande insegurança para o fiador, a fiança especialmente quando o afiançado não é titular de patrimônio expressivo, impacta a capacidade do fiador de obtenção de investimento e financiamento, aumentando o custo do dinheiro.

 

Desse modo, embora a parte compradora muitas vezes deseje ter acesso ao deep pocket do controlador da parte vendedora (ou outras partes relacionadas) para assegurar a sua indenidade, a extensão de responsabilidade inerente à fiança é normalmente vista como gravosa e tratada com relutância pela parte vendedora.

 

Problemática na maioria dos casos, a negociação de fiança é especialmente difícil quando o grupo empresarial da parte vendedora está realizando a venda com a finalidade de se desfazer de negócio que apresente riscos sob o ponto de vista ambiental ou de qualquer outra natureza e deseje limitar sua exposição a tais riscos.

 

Enfim, como se vê, o seguro M&A pode ser instrumento muito útil para a solução de impasses nas negociações de certas operações, fornecer maior segurança às partes contra os riscos inerentes a passivos e contingências ocultos e reduzir custos reais e de oportunidade.

 

 

  1. Conclusão.

 

Como qualquer outro tipo de seguro, a contratação do seguro M&A importa, essencialmente, em uma troca: o segurado transfere para a seguradora (dentro de determinados limites) o risco de perdas futuras e de extensão desconhecida (decorrentes de quebra das declarações contratuais), assumindo, em contrapartida, uma perda certa e de valor conhecido (o prêmio do seguro).

 

Essa troca, que não envolve mistério algum, pode fazer sentido ou não dependendo das circunstâncias do caso concreto, caracterizando-se em mais uma importante ferramenta à disposição da indústria de M&A para a implementação eficiente de operações, que pode ser utilizada isoladamente ou em conjunto com outros mecanismos usualmente adotados para a proteção contra passivos e contingências ocultos.

 

A sua larga utilização em mercados mais desenvolvidos, como o norte-americano e o europeu, confirma a utilidade e eficiência do seguro M&A, razão pela qual é oportuno que empresários e advogados conheçam as suas vantagens e desvantagens em comparação aos outros meios de garantia disponíveis.

 

 

 

 

[1] Due diligence é o processo, conduzido por especialistas de diversas disciplinas, de auditoria da empresa que se pretende adquirir, que inclui exame de suas operações, instalações, contabilidade, direitos e obrigações contratuais e reais, livros societários e fiscais, registros trabalhistas e previdenciários, processos judiciais e administrativos, entre outros, com o objetivo de se apurar os ativos, passivos e contingências de uma organização empresária alvo, bem como traçar um panorama dos riscos envolvidos na aquisição de ativos ou de direitos de participação no seu capital social.

[2]The economic concept of cost (opportunity cost) is the second fundamental principle of economics. (…) Here are two examples of opportunity cost: (1) The principal cost of higher education is not tuition; it is the forgone earnings that the student would have if he were working rather than attending school. (…) (2) Suppose the labor, capital, and materials costs of a barrel of oil are only $2, but because low-cost oil is being rapidly depleted, a barrel of oil is expected to cost $20 to produce in 10 years. The producer who holds on to his oil for that long will be able to sell it for $20 then. That $20 is an opportunity cost of selling the oil now – although not a net opportunity cost, because if the producer waits to sell his oil, he will lose the interest he would have earned by selling now and investing the proceeds.” (POSNER, Richard. Economic Analysis of Law. 8ª ed. Nova Iorque: Aspen, 2011. p. 131).

[3] Em 2012, o seguro M&A cobriu transações envolvendo cerca de US$ 4 bilhões em todo o mundo, sendo que, desse total, mais da metade foi contratada na Europa e nos EUA (cf.: http://blogs.law.harvard.edu/corpgov/2013/05/01/ma-representations-and-warranties-insurance-tips-for-buyers-and-sellers/),

[4] Cf.: http://blogs.law.harvard.edu/corpgov/2013/05/01/ma-representations-and-warranties-insurance-tips-for-buyers-and-sellers/.

[5] Convém lembrar, no entanto, que a ação para reparação de danos ambientais é imprescritível.

[6] Cf.: http://blogs.law.harvard.edu/corpgov/2013/05/01/ma-representations-and-warranties-insurance-tips-for-buyers-and-sellers/.

[7] SHAVEL, Steven. On Moral Hazard and Insurance. The Quarterly Journal of Economics, edição de novembro de 1979. p. 541 (disponível em: http://www.law.harvard.edu/faculty/shavell/pdf/92_Quart_J_Econ_541.pdf).

[8] Em tese, a contratação do seguro M&A poderia levar, por exemplo, (1) à redução do investimento da parte compradora em due diligence, eis que ela não internalizará totalmente as consequências de sua ação (moral hazard), bem como (2) à realização de declarações contratuais falsas pela parte vendedora, com a omissão de passivos e contingências de seu conhecimento, com a finalidade de obter cobertura indevida (fraude). A participação da seguradora no processo de due diligence, embora não evite a ocorrência de moral hazard e fraude, reduz o risco de ambos, pois em alguma medida compensa o menor cuidado da parte compradora com a due diligence e possibilita a identificação de passivos e contingências eventualmente omitidos pela parte vendedora. O moral hazard e a fraude não são fenômeno que se verificam exclusivamente no seguro M&A, sendo um problema comum a essencialmente todos os tipos de seguro, com o qual as seguradoras estão habituadas a lidar (um bom exemplo é o caso do motorista que se torna menos cuidadoso com os locais em que estaciona seu automóvel e que, quando da contratação do seguro, omite da seguradora a existência de problemas em seu veículo).

[9] Sobre os efeitos das ações de um indivíduo no comportamento daqueles que com ele negociam, veja-se: BAIRD, Douglas G.; GERTNER, Robert H.; PICKER, Randal C. Game Theory and the Law. Cambridge: Harvard University Press, 1998. pp. 80-83.



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29/04/2017