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O compromisso arbitral e o momento de nomeação dos árbitros: por uma interpretação razoável do art. 10 da Lei de Arbitragem

Publicado na Revista Brasileira de Arbitragem nº 65 – Jan-Mar/2020

Marcelo Levitinas

Luisa Cabral de Mello Marques Coelho

Resumo: Consideradas as formalidades postas pela Lei de Arbitragem para a celebração de compromisso arbitral, propomos uma reflexão sobre as consequências de sua não-observância, no que toca àqueles que, acreditamos, não sejam requisitos substanciais do ato. A partir desse exercício concluímos pela conveniência de uma interpretação finalística e razoável do art. 10 da Lei de Arbitragem, prestigiando a arbitragem enquanto manifestação da vontade partes, quando suficientemente identificada sua opção pela jurisdição privada para a solução de um litígio presente.

 

Abstract: Given the formalities set forth in the Brazilian Arbitration Law for the execution of an arbitration agreement addressing an on-going dispute (“compromisso arbitral”), we propose a reflection on the consequences of their non-compliance with the latter, only with respect to the requirements we believe are not substantial for the agreement. Through the proposed exercise we come to the conclusion that a finalistic and reasonable approach to art. 10 of the Brazilian Arbitration Law is the more convenient alternative for favoring arbitration as the result of the parties’ will to arbitrate the on-going dispute , provided that such a will can be sufficiently identified.

 

Sumário: Contextualização do problema. Cláusula Compromissória e Compromisso Arbitral. A Nomeação de Árbitro ou de Entidade Delegatária como requisito de Validade do Compromisso Arbitral. Evolução Histórica do Compromisso Arbitral no Brasil e seu Regime de Nulidade. Interpretação razoável e finalística do art. 10 da Lei de Arbitragem.

 

Contextualização do problema

Pusemo-nos a pensar sobre o assunto por ocasião de controvérsia envolvendo duas companhias do setor de óleo e gás, decorrente de contrato de fornecimento de equipamentos especializados. O contrato, dada a conjuntura do tempo em que firmado, não continha cláusula compromissória. Anos mais tarde, quando da crise do contrato, as partes consentiam em que aquele determinado litígio, já presente, fosse solucionado por arbitragem. Queriam evitar a judicialização da questão, não só pelas somadas vantagens de se arbitrar o assunto (tempo, especialização dos árbitros, melhores condições para a prova técnica), como também por não ser viável conhecer o conflito sem que fossem levadas aos autos informações sensíveis, tidas por ambas as partes como segredos industriais – e conhecida a resistência teórica do Judiciário ao segredo de justiça, além da dificuldade de sua plena implementação prática. As circunstâncias recomendavam a imediata celebração de um compromisso arbitral, pois havia temor recíproco de que uma das partes iniciasse processo judicial. Não estavam prontas, porém, para escolher os árbitros. Cogitou-se de um aditamento ao contrato, para inclusão de cláusula compromissória, mas o contexto de beligerância entre as partes não lhes dava o conforto necessário a tanto – notadamente porque a negociação de uma cláusula compromissória de escopo amplo, que contemplasse todos os eventuais litígios decorrentes do contrato, suscitaria questões que as Partes não pretendiam discutir naquele momento. A outra opção viável – a inclusão de uma cláusula restrita, submetendo à arbitragem apenas as controvérsias de natureza similar à que havia se instalado – provavelmente levaria a impasses relevantes de redação, tendo em vista o risco de, em oportunidades futuras, interpretar-se a disposição contratual de modo extensivo, entendendo-se pela jurisdição arbitral em hipóteses não necessariamente desejadas inicialmente. Fato é que, naquele contexto, o compromisso bem servia aos interesses das partes.

Sabia-se, ademais, que, em casos pretéritos, uma das partes buscara (sem sucesso) a anulação judicial de sentenças arbitrais, sob fundamentos puramente formais.

Finalmente, consta que a discussão aqui proposta não se dá somente no plano paranoico-teórico, havendo notícia de ação de nulidade de compromisso arbitral, fundada na falta de qualificação suficiente do árbitro naquele instrumento.[1]

 

Cláusula Compromissória e Compromisso Arbitral

As partes interessadas em submeter um litígio, futuro ou presente, à arbitragem deverão fazê-lo através de convenção de arbitragem, que tomará a forma de cláusula compromissória vinculada a um contrato ou de compromisso arbitral.

A primeira hipótese vem definida no art. 4º da Lei 9.307/96 como a “convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”. O compromisso arbitral, por sua vez, é previsto no art. 9º da Lei 9.307/96, tratando-se de “convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial”.

Portanto, lança-se mão da cláusula compromissória para regular a submissão à arbitragem de litígio eventual e futuro, ao passo que o compromisso arbitral é destinado aos casos em que já haja litígio presente, sem previsão contratual de jurisdição privada. Nas palavras de José Alexandre Tavares Guerreiro, o compromisso arbitral “institui a arbitragem já com a determinação do litígio a ser dirimido”, enquanto “o núcleo da cláusula compromissória qualifica-se como o compromisso das partes em louvar-se em árbitros para dirimir controvérsias futuras”.[2]

A atualidade da disputa, assim, distingue essencialmente as duas espécies de convenção de arbitragem.

A Lei de Arbitragem estabelece requisitos para ambas as hipóteses. No entanto, se os requisitos da cláusula compromissória estão limitados à forma escrita – e, nos contratos de adesão, a elementos tipográficos e de certeza quanto ao consentimento específico – (art. 4º, §§ 1º e 2º), a Lei de Arbitragem é consideravelmente mais rigorosa quanto à celebração do compromisso arbitral. Com efeito, o art. 10 elenca em seus quatro incisos aspectos que deverão “obrigatoriamente” constar dessa espécie de convenção arbitral. É sobre esse (ao menos aparente) rigor que se pretende discorrer neste artigo, especialmente no que se refere à nomeação de árbitro, nos termos do inciso II do artigo em questão.

 

A Nomeação de Árbitro ou de Entidade Delegatária como requisito de Validade do Compromisso Arbitral

Como se dizia, o art. 10 da Lei de Arbitragem disciplina que constará obrigatoriamente do compromisso arbitral, entre outros requisitos, “o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros” (inciso II).

Nesse cenário, surge uma questão: ao firmar o compromisso arbitral, as partes estão mesmo obrigadas a, de imediato, nomear os árbitros ou, ainda, a facultar tal indicação a terceiro[3]? Não podem pactuar que elas próprias irão indicar os árbitros em momento posterior, conforme dinâmica de nomeação prevista no regulamento de determinada instituição de arbitragem ou por outro critério que estabeleçam, diante de tantas e criativas formas de indicação de árbitro?

Essas questões são especialmente importantes se considerado o potencial impacto negativo na validade do compromisso arbitral, decorrente da não observância de requisito de validade – sendo essa a conclusão – na sua formação, a redundar na ineficácia da opção das partes de afastar o mérito da disputa da intervenção do Poder Judiciário. Se nulo o compromisso, inexistiria o desejado efeito negativo da convenção de arbitragem.

Uma primeira leitura daquele dispositivo, à luz do princípio da autonomia da vontade que orienta a arbitragem, conduziria à conclusão de não haver motivo para impedir que as partes celebrem o compromisso, remetendo a controvérsia à solução arbitral e fixando regras para posterior escolha dos árbitros. Positivamente, é possível que, surgido o litígio, as partes desejem definir que o submeterão à arbitragem – afastando, imediatamente, a jurisdição estatal para análise do mérito da disputa –, mas, por razões várias, ainda não estejam aptas a indicar árbitros.

Carlos Alberto Carmona, contudo, ao comentar o art. 10 da Lei de Arbitragem afirma que, “tratando-se de ato solene, a falta de qualquer um dos dados relacionados nos quatro incisos do artigo resultará, em princípio, na nulidade do negócio jurídico de compromisso”.[4] Carmona refere-se a “requisitos essenciais do compromisso”, atestando que a consequência de nulidade pela falta de qualquer dos requisitos postos pelo art. 10 estaria alinhada com o art. 104 do Código Civil (cujo inciso III informa que “a validade do negócio jurídico requer […] forma prescrita ou não defesa em lei”).

No entanto, não nos parece que os requisitos postos pelo art. 10 da Lei de Arbitragem cuidem da forma do compromisso. Ao contrário, apenas o § 2º do art. 9º da Lei regula a forma dessa modalidade de convenção arbitral, prevendo que, se extrajudicial, “será celebrado por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público”. Se desatendidos tais preceitos (aqui, sim), haverá nulidade, nos termos do art. 166, IV, do Código Civil – espécie do gênero invalidade, prevista pelo art. 104, III. A forma prescrita em lei referida pelo Código “remete ao formato assumido pela manifestação de vontade, o que, em última análise, traduz o aspecto externo que a declaração de vontade assume”.[5]

Os requisitos obrigatórios elencados pelo art. 10 da Lei de Arbitragem, por outro lado, dizem com o conteúdo do compromisso; são intrínsecos – não os extrínsecos referidos pelo art. 9º e cuja ausência colhe de nulidade o ato, a teor do art. 166, IV, do Código Civil.

De toda sorte, tanto a forma que a lei prescreve quanto os requisitos materiais do ato por ela exigidos devem ser examinados pelo intérprete de modo a alcançar-se sua finalidade e não se prender meramente à sua literalidade. De fato, como bem destaca Carlos Maximiliano, “a norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais” devendo ser “interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesses para a qual foi redigida”[6]. Esse viés interpretativo igualmente conduz a que a ordem pública – mesmo na sua função balizadora da autonomia da vontade – deixe de rejeitar atos jurídicos que não violem preceito positivo cogente, desde que tenham objeto lícito.[7]

O compromisso arbitral é negócio jurídico[8] causal[9], pois, parece-nos, seu elemento essencial está no propósito das partes de solucionar certa disputa por arbitragem. O elemento categorial inderrogável do compromisso arbitral é a referência nele feita ao conflito e à escolha da jurisdição para submissão da lide (causas do negócio jurídico encetado[10]) – restringindo-se, nessa linha de raciocínio, ao requisito do inciso III do art. 10 da Lei de Arbitragem. É isso, então, que tipifica tal convenção como compromisso arbitral.

Assim, o exame de sua validade deve estar norteado pela finalidade desejada (i) pela norma (em seu viés de prestígio aos métodos alternativos de solução de disputas[11]) e (ii) pelas partes (que, ao firmarem o compromisso, evidentemente querem arbitrar seu litígio). Ao mesmo tempo, ainda quanto ao exame da formação do compromisso, o princípio interpretativo da conservação dos atos jurídicosrecomenda que “em caso de dúvida, deve interpretar-se o ato no sentido de produzir algum efeito, e não no sentido contrário, de não produzir nada”.[12] Nas palavras de Antonio Junqueira de Azevedo, “o princípio da conservação consiste, pois, em se procurar salvar tudo que é possível num negócio jurídico concreto, tanto no plano da existência, quanto da validade, quanto da eficácia”, pois “para o sistema jurídico, a autonomia da vontade produzindo efeitos representa algo de juridicamente útil”.[13] Eduardo Nunes de Souza registra que “se impõe ao intérprete o dever – mais do que a simples faculdade – de tentar preservar o conteúdo negocial e impedir que o ato deixe de produzir ao menos parte de seus efeitos, sempre que possível.”[14]

Todos os conceitos acima parecem ser sintetizados por Carmona, ao concluir que só se deve decretar a nulidade do compromisso em caso de total impossibilidade de compreensão da intenção das partes, pois “há de imperar, em caso de dúvida quanto ao preenchimento dos elementos do compromisso, o princípio da salvação do pacto”.[15]

Nesse propósito, é relevante notar a opção legislativa pela substituição de conceitos – e, bem assim, de consequências. A nulidade, tal como referida por Carmona, vinha prevista no regramento anterior, especificamente no art. 1.074 do Código de Processo Civil (“o compromisso conterá sob pena de nulidade …  os nomes, profissão e domicílio dos árbitros, bem como os dos substitutos nomeados para o caso de falta ou impedimento”). O dispositivo, no entanto, foi revogado em 1996 com o advento da Lei de Arbitragem, de redação mais branda no que concerne aos requisitos do compromisso arbitral – afastou-se a previsão de nulidade, incorporando-se o conceito da obrigatoriedade de determinados elementos do compromisso.

A finalidade da norma – perseguida pela recomendável interpretação teleológica – parece ser a de facultar às partes a solução privada de uma disputa já presente. Adotada essa premissa, os dados que “obrigatoriamente” deverão constar do compromisso só podem condicionar a validade da convenção de arbitragem no que seja efetivamente essencial ao alcance eficiente daquela finalidade. Em outras palavras, apenas a ausência de elementos que impeçam a plena confirmação (i) da livre manifestação da vontade das partes de se submeterem à jurisdição privada e (ii) da definição do litígio poderia redundar na inaptidão do compromisso arbitral.

A tal respeito, Luis Fernando Guerrero, apesar de tratar a nomeação de árbitros como elemento indispensável do compromisso, consigna que “a ausência de um dos elementos obrigatórios não levará necessariamente à nulidade do compromisso de plano, como no sistema anterior, o revogado art. 1.074 do Código de Processo Civil, mas pode gerar impedimento à instauração da arbitragem”.[16] Em sentido semelhante, Wald informa que “o silêncio a respeito [da indicação da sede da arbitragem – art. 10, IV] não invalida a convenção de arbitragem se o regulamento da entidade especializada (à qual se refere o art. 5.º da Lei 9.307/1996) escolhida pelas partes contiver previsão a respeito da matéria, dando-lhe poderes para fixar o local no qual o processo deve ter a sua sede”.[17]

Ora, naturalmente que, sem a nomeação de árbitros, a arbitragem não haverá de se instaurar (Lei de Arbitragem, art. 19).

Isso não significa, porém, que o compromisso não seja plenamente válido e eficaz (inclusive em sua vertente negativa), nas hipóteses em que as partes tenham optado por se submeter ao método de nomeação de árbitros de determinado regulamento de arbitragem ou mesmo estabelecido um método próprio, que tenham definido de comum acordo. Nesse cenário, feita e aceita a nomeação, instituir-se-á a arbitragem. Entender o contrário, adotando-se uma interpretação literal do art. 10, II da Lei de Arbitragem, aumenta o risco de impasses à constituição do tribunal arbitral diante de situações facilmente solucionáveis por regras institucionais, como, por exemplo, nas hipóteses em que o árbitro indicado declina o encargo ou mesmo vem a falecer, o que certamente impacta de forma negativa a eficiência do instituto.

Caso, por exemplo, as partes convencionem que o tribunal deverá ser composto por três árbitros e optem por submeter a arbitragem – ou apenas o processo de nomeação de árbitros – às regras da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (“CCI”), elas deverão, nos termos do artigo 12.4 do regulamento daquela instituição, “designar no Requerimento e na Resposta, respectivamente, um árbitro para confirmação”. O terceiro árbitro será então designado pela própria Corte, constituindo-se o tribunal arbitral após as respectivas aceitações, não havendo, nessa hipótese, qualquer “impedimento à instauração da arbitragem”.

Evolução Histórica do Compromisso Arbitral no Brasil e seu Regime de Nulidade

Ainda a propósito da interpretação teleológica da Lei de Arbitragem, e na mesma linha do exame comparativo que se fez acima entre o art. 1.074 do antigo Código de Processo Civil de 1973 e o art. 10 da Lei de Arbitragem, vale uma breve nota acerca do desenvolvimento histórico, no Brasil, do instituto do compromisso arbitral. O compromisso arbitral foi positivado com contornos mais próximos aos atuais pelo Decreto 3.900 de 26.06.1867, que regulava “o Juízo Arbitral do Commercio”.[18] O art. 3º do vetusto Decreto já prestigiava a autonomia da vontade, estabelecendo que “o Juizo Arbitral só póde ser instituído mediante o compromisso das partes”. Seu art. 8º eivava de nulidade o compromisso que não contivesse (i) o nome dos árbitros e (ii) o objeto do litígio (“o objecto da contestação sujeita a decisão dos árbitros”). Tais eram tidos pelo art. 10 do Decreto como “requisitos essenciaes” do compromisso arbitral. A omissão quanto à nomeação dos árbitros redundava em que o compromisso não valesse “senão como promessa”, condicionada a que as partes celebrassem novo ajuste, para sua execução (art. 9º).

Mesmo que o Decreto 3.900/1867 se referisse à nulidade do compromisso em que faltasse a nomeação dos árbitros (art. 8º), vê-se que o instrumento ainda conservava alguma eficácia, na medida em que era recebido como negócio jurídico válido, com natureza de promessa que obrigava as partes. Não se tratava de nulidade, portanto.

Com o advento do Código Civil de 1916, seu art. 1.039 passou a dispor que “o compromisso, além do objeto do litígio a ele submetido, conterá os nomes, sobrenomes e domicilio dos árbitros, bem como os dos substitutos nomeados para os suprir, no caso de falta ou impedimento”. A referência à nulidade pela ausência daqueles requisitos foi suprimida.

Apesar de o Código de 1916 não prever a nulidade do compromisso a que faltasse qualquer dos elementos intrínsecos, J.M. de Carvalho Santos expressava visão formalista fincada na premissa de que o instituto se tratava “de medida excepcional”. Entendia o respeitado advogado que “um requisito que falte, dos acima enumerados, e o compromisso estará nulo”.[19] Vai além o autor:

“A nulidade deve atingir não só o compromisso, senão também o escrito público ou particular, que lhe serve de prova.

Daí a consequência forçada de que se no ato escrito falta ou a designação dos árbitros, ou a determinação da controvérsia, não pode a falta ser suprida por outro gênero de prova e o ato deve considerar-se como inexistente”.

O rigor com que Carvalho Santos tratava os requisitos do compromisso era tamanho que chegava a atestar que sua nulidade poderia até mesmo “ser decretada, no caso de chegar às mãos do juiz ordinário para homologação da sentença dos árbitros” – hipótese, portanto, em que as partes teriam de fato se submetido ao juízo arbitral, reafirmando, assim, sua vontade de afastar seu litígio da jurisdição estatal.

Foi precisamente essa noção – de prevalência da forma sobre a substância – que, mais de cinco décadas depois, o Superior Tribunal de Justiça rechaçou, quando, em 1990, no julgamento do memorável Caso Ivarans (REsp 616/RJ), a 3ª Turma, em acórdão conduzido pelo voto do Ministro Gueiros Leite, fez incidir, em conjunto com o regramento previsto no Protocolo de Genebra[20], os preceitos dos arts. 244 do CPC/73 (atual art. 277),[21] prestigiando “a prevalência do princípio da boa-fé sobre a idolatria da forma”.[22] Naquela oportunidade – julgava-se a validade de laudo arbitral proferido sem que tivessem sido observados os requisitos formais do compromisso (isso, ainda sob a égide do regramento anterior à Lei de Arbitragem). Em voto-vista, de lavra do Ministro Eduardo Ribeiro, fez-se pertinente ponderação:

“O acórdão recorrido firmou-se em que não houve o termo de compromisso, mas apenas a cláusula compromissória e, quando tivesse havido, faltaria qualificação do terceiro árbitro, e assinatura de testemunhas. […] Entretanto, dando cumprimento à cláusula compromissória, as partes, mediante peças escritas, constituíram Tribunal Arbitral. Tenho para mim que é suficiente. Formou-se por escrito, com observância do substancialmente exigível, de maneira a possibilitar a apresentação regular dos laudos.”

. E, como se dizia acima, são da substância do compromisso arbitral apenas (i) a livre manifestação da vontade das partes de se submeterem à jurisdição privada e (ii) a definição do litígio. Assim, apesar de o precedente ter examinado a dinâmica entre cláusula compromissória e compromisso arbitral sob a perspectiva do Protocolo de Genebra[23] e do regime anterior à Lei de Arbitragem (i.e., conforme os arts. 1.072 e ss. do CPC/73 – em sua redação original), a essência do pensamento é a mesma aqui defendida: o “substancialmente exigível” deve mesmo servir de norte na definição de fronteiras entre o ato válido e o ato nulo.

Para além desse aspecto, adotando o entendimento de que também se deve – para fins de reconhecimento de validade de um ato  –  investigar se a sua finalidade foi ou era passível de ser alcançada, o Ministro Gueiros Leite consignou: “a validade do compromisso, (…), não sofre qualquer ameaça pertinente à instituição do juízo arbitral, mediante a troca de correspondência, pois assim foi pactuado: ‘os árbitros serão nomeados na forma acordada pelas partes’”.

O repositório de decisões da CCI revela interessante sentença a esse respeito, na qual, ainda em 1984, o tribunal então formado para examinar disputa entre partes de Brasil, Panamá e EUA deparou-se com resistência à instauração do procedimento pela parte brasileira, que sustentava não ter a cláusula arbitral inserida no contrato validade e eficácia no ordenamento nacional, na medida em que não fora sucedida por compromisso firmado nos moldes dos arts. 1.073 e 1.074 do CPC/73. A discussão passava, então, pela ausência de nomeação dos árbitros na convenção de arbitragem. O tribunal resolveu a controvérsia confirmando a regularidade do procedimento, vez que presentes os elementos substancialmente indispensáveis do compromisso:

“And in this case, the arbitration clause itself in all the agreements provides that the arbitrators shall be ‘appointed in accordance with the Rules of Conciliation and Arbitration of the International Chamber of Commerce’, and that ‘each arbitration shall be initiated and conducted in accordance with said Rules’.

If the principles of the autonomy of the will of the parties, and that of good faith in complying with the engagements undertaken, have the effect attributed to them with respect to the choice of Brazilian law as the substantive law of the contract, those principles must have the same effect with respect to the ICC Rules concerning the appointment of arbitrators and the initiation of proceedings.

The fact that the ICC Rules are not officially issued by a public authority is irrelevant, since their source of validity lies in both cases in the choice of the parties.

This specific and explicit choice of the ICC Rules in respect of those procedural matters which concern the constitution of the arbitral tribunal and the initiation of proceedings, necessarily excludes, in respect of an international commercial contract, the application of certain procedural requirements contained in Arts. 1073 and 1074 of the Brazilian Code of Civil Procedure, which are incompatible with the ICC Rules and were obviously designed to apply only to purely Brazilian or domestic arbitrations.”[24]

Assim como ocorreu no antes referido Caso Ivarans, o tribunal constituído sob as regras da CCI considerou, adicionalmente, que qualquer defeito formal foi suprido pela própria ata de missão, da qual, claro, constou o objeto do litígio e a completa indicação dos árbitros: “it must be observed that the ‘terms of reference’ which have been adopted in accordance with the ICC Rules comprise all the essencial requirements contained in Art. 1.039 of the Civil Code of Brazil”.

A evolução do pensamento doutrinário e pretoriano a respeito do compromisso, que concorreu para a positivação do instituto da arbitragem como atualmente conhecido e aceito, demonstra que o rigor de Carvalho Santos era compreensível no contexto histórico de então, mas, com as óbvias vênias das opiniões divergentes, hoje não se justifica.

Por um longo período até a edição da Lei de Arbitragem, em 1996, coexistiram duas normas de regência sobre o compromisso arbitral: o Código Civil de 1916 e o Código de Processo Civil de 1973. O CC/16, como se viu, deixara de cuidar da nulidade expressa do compromisso arbitral – persistia, naturalmente, a nulidade decorrente da inobservância da forma do ato. Em 1973, porém, o Código de Processo Civil reconduziu ao Direito positivado a expressa consequência de nulidade do compromisso que deixasse de conter a indicação dos árbitros escolhidos pelas partes (art. 1.074, II).

Tal oscilação legislativa, no entanto, resolveu-se com a promulgação da Lei 9.307/96, que, dizíamos, expurgou do ordenamento a remissão à nulidade, substituindo-a pelo conceito mais brando de obrigatoriedade, a desaconselhar interpretação que penda para o indesejado formalismo onde a lei não o prevê e a finalidade não o recomenda. Ainda comentando o aludido art. 10 da Lei de Arbitragem, Carmona complementa seu raciocínio, consignando justamente que “a comparação, porém, do texto (revogado) do Código de Processo Civil com o da nova Lei revela o interesse do legislador de evitar nulidades do compromisso com excesso de formalismo”.[25]

 

Interpretação razoável e finalística do art. 10 da Lei de Arbitragem

À vista do quanto se expôs até aqui, retornemos à indagação inicial e objeto de nossa reflexão: poderiam, então, as partes indicar uma câmara de arbitragem, a cujo regulamento queiram submeter sua disputa, inclusive no que toca ao procedimento de nomeação do Tribunal Arbitral, sem que essa expressão de sua autonomia implique a nulidade do compromisso? Poderiam, ainda, definir elas mesmas um método de escolha futura dos árbitros?

Pelas já declinadas razões, pondera-se interpretação alinhada com a autonomia da vontade, que deve informar os atos jurídicos relacionados à arbitragem. Se as partes têm a faculdade de convencionar, por exemplo, a lei aplicável ao litígio, a quantidade de árbitros a serem nomeados e, até mesmo, os próprios árbitros que comporão o tribunal arbitral, não parece razoável que elas não possam, de comum acordo, eleger o momento da nomeação dos árbitros, sem que isso conduza à nulidade do compromisso. Ponto de vista contrário – e respeitável –redundaria em indesejado (pelo sistema e pelas partes) óbice à instauração da arbitragem, mesmo quando perfeitamente viável a constituição do tribunal arbitral.

O reconhecimento de validade e eficácia plenas de compromisso em que as partes não tenham nomeado árbitros tampouco indicado entidade que o pudesse fazer é coerente com parecer concedido por Arruda Alvim, no qual (i) atesta a natureza de compromisso arbitral do negócio que estabelece a jurisdição privada, identificando um litígio presente, e (ii) confirma a validade da convenção arbitral em que as partes haviam eleito as regras da CCI para governar a arbitragem, sem, contudo, delegarem a essa entidade a nomeação do tribunal – tampouco, claro, tendo nomeado os árbitros:

“O que se verifica do compromisso, em discussão, é que há uma obrigação certa, inequívoca e, em nosso sentir, sobre a qual não pode pairar dúvida, ou seja, quando aí se lê que foi ajustada ‘(…) uma arbitragem, segundo as regras da Câmara Internacional de Comércio, (…)’. Parte dessa cláusula é de tal clareza que é utilizada como exemplo em obra doutrinária: ‘se ocorrer um litígio, realizaremos uma arbitragem, em conformidade com o Regulamento de Arbitragem da Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional’. No exemplo citado, falta o objeto do litígio, que existe na cláusula 3.6, por isso que, neste processo, passa a cláusula a constituir-se em compromisso”.[26]

A sentença final de Arruda Alvim reafirma a noção de que a característica central do compromisso arbitral está na atualidade e na definição do litígio – é isso que faz da convenção compromisso; este é seu elemento essencial; todos os demais elencados no art. 10 são periféricos, acessórios.

Finalmente, vale destacar que a interpretação mais liberal – e, repita-se, finalística – do referido dispositivo, aqui advogada, também estaria fundada no princípio da conservação dos atos/negócios jurídicos como se viu acima. Afinal, por que não conservar a validade de um ato (perfeitamente lícito) que tem o potencial de alcançar seu propósito fundamental – afastar a jurisdição estatal em benefício da arbitral – quando as partes simplesmente optam por diferir a escolha dos árbitros?. Novamente, o importante é que as partes possam, com base no compromisso firmado, dar início à arbitragem na forma da vontade nele declarada[27].

Propõe-se, aqui, portanto, olhar finalístico e substancial, que respeite, antes de tudo, a vontade das partes quanto à escolha de jurisdição, em detrimento de interpretação restritiva e formalista – e, também por isso, divorciada da sistemática pertinente.

 

[1] PINTO, José Emilio Nunes; FILHO, Emir Calluf. Comentários ao Acórdão Proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 693.219/PR. RBAr nº 10, Abr-Jun/2006; pp. 110/118.

[2] Fundamentos da arbitragem do comércio internacional, Saraiva, São Paulo, 1993, p. 51.

[3] Anote-se logo que a delegação referida na parte final do inciso II não soluciona a questão, dado se tratar de autorização das partes para que um terceiro – normalmente, uma instituição de arbitragem – nomeie os árbitros. Não sendo essa a intenção das partes – mas a de elas próprias escolherem o tribunal arbitral, porém no futuro e ainda que conforme regras institucionais –, aquela delegação não afastaria os problemas aqui estudados. Dando conta de que é essa a interpretação literal que se deve dar ao inciso II, confira-se comentário do Prof. Carlos Alberto Carmona sobre a delegação: “Os interessados em delegar a nomeação de árbitros a determinadas entidades devem certificar-se de que tais órgãos tenham essa função institucional (o que evitará, portanto, recusa na indicação de árbitro em caso de necessidade) ou então que a entidade (pessoas física) delgada aceite o encargo previamente. Vale lembrar que ninguém está obrigado a fazer indicação de árbitros, e tal obrigação somente surgirá na medida em que a entendida ou pessoa física manifestarem prévia anuência. Aceito o encargo, a recusa em indicar árbitro pode resolver-se em perdas e danos, sem prejuízo de instituir-se a arbitragem. Aí, porém, surgirá o impasse, já que, apesar da existência do compromisso arbitral formalmente vinculante não se consegue instaurar a arbitragem por falta de indicação de árbitro. Esta circunstância especial – caso as partes não consigam, de comum acordo, decidir sobre a composição do tribunal arbitral – autorizará a propositura da demanda para a formalização judicial da arbitragem.” CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 201.

[4] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.197.

[5] Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza, Maria Celina Bodin de Moraes, Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República, v. I. Renovar: Rio de Janeiro, 2004, p. 217. A esse respeito, também, Caio Mário da Silva Pereira: “A forma do negócio jurídico é o meio técnico, que o direito institui, para a externação da vontade. É a projeção ambiental da elaboração volitiva, a expressão exterior do querer do agente.” (Instituições de Direito Civil, v. I, 18ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1997, p. 376 – grifo do original)

[6]     Carlos Maximiliano. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 16ª Edição. Ed. Forense: Rio de Janeiro, 1996, p. 152

[7]    Almeida, Ricardo Ramalho. Arbitragem Comercial Internacional e Ordem Pública, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 35.

[8]   “In concreto, negócio jurídico é todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide.” (AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico: Existência, Validade e Eficácia. 4ª ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002), São Paulo: Saraiva, 2002, p. 16)

[9]     AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico: Existência, Validade e Eficácia. 4ª ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002), São Paulo: Saraiva, 2002, p. 140.

[10]   Mais uma vez, conforme Antônio Junqueira de Azevedo, na sua acepção de “sentido objetivo … pelo qual se vê, na causa, a função prático-social ou econômico-social do negócio” (Negócio Jurídico: Existência, Validade e Eficácia. 4ª ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002), São Paulo: Saraiva, 2002, p. 153).

[11]   “Cultivar a arbitragem no Brasil implica, porém, uma reflexão sobre o descompasso entre, de um lado, hábitos arraigados, preconceitos e desconfianças em relação à arbitragem e, de outro, o franco favorecimento que a Lei reservou à arbitragem. O legislador brasileiro gosta da arbitragem, deseja que ela floresça e tudo fez para que assim seja na teoria e na prática, de forma eficaz e coerente.” (Almeida, Ricardo Ramalho. Arbitragem Comercial Internacional e Ordem Pública, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 6 – grifos do original)

[12]   Amaral, Francisco. Direito Civil: Introdução. 8ª edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 577.

[13]   Azevedo, Antonio Junqueira de. Negócio Jurídico: Existência, Validade e Eficácia. 4ª ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002), São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 66/67.

[14]   Teoria Geral das Invalidades do Negócio Jurídico: nulidade e anulabilidade no Direito Civil contemporâneo. São Paulo: Almedina, 2017 (Edição Kindle).

[15] “A comparação, porém, do texto (revogado) do Código de Processo Civil com o da nova Lei revela o interesse do legislador de evitar nulidades do compromisso com excesso de formalismo. Por isso mesmo, a interpretação dos incisos deverá ser feita tendo-se em conta que os árbitros, em caso de dúvida, devem valer-se do adendo de que trata o art. 19, parágrafo único, sendo de decretar-se a nulidade do pacto apenas em caso de total impossibilidade de depreender-se e delimitar-se razoavelmente a vontade dos compromitentes. Em outros termos: há de imperar, em caso de dúvida quanto ao preenchimento dos elementos do compromisso, o princípio da salvação do pacto.” (Carlos Alberto Carmona. Arbitragem e Processo: Um Comentário à Lei nº 9.307/96. 3ªed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 198)

Em outra passagem da mesma obra, ao comentar a delegação prevista na parte final do inciso II do art. 10, Carmona igualmente parece admitir que a salvação do compromisso seja buscada, ainda que não tenha sido viável a indicação de árbitros na forma originalmente pretendida pelas partes: “Aceito o encargo, a recusa em indicar árbitro pode resolver-se em perdas e danos, sem prejuízo de instituir-se a arbitragem. Aí, porém, surgirá o impasse, já que, apesar da existência do compromisso arbitral formalmente vinculante, não se consegue instaurar a arbitragem por falta de indicação de árbitro. Esta circunstância especial – caso as partes não consigam, de comum acordo, decidir sobre a composição do tribunal arbitrai – autorizará a propositura de demanda para a formalização judicial da arbitragem.” (p. 201)

Na mesma linha orientativa, Eduardo Nunes de Souza: “Não se trata aqui, portanto, da impossível reconstrução de uma vontade psicológica das partes, mas da síntese de interesses e efeitos objetivamente depreensível dos termos negociais e das circunstâncias de formação do ato.” (Teoria Geral das Invalidades do Negócio Jurídico: nulidade e anulabilidade no Direito Civil contemporâneo. São Paulo: Almedina, 2017 (Edição Kindle)

[16] Convenção de Arbitragem e Processo Arbitral, Atlas, São Paulo, 2009, pp. 21/22.

[17]   WALD, Arnoldo. Os meios judiciais do controle da sentença arbitral. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 1/2004, pp. 40/66, Jan – Abr/2004.

[18] Antes disso, a Constituição de 1824 e o Código Comercial também trataram da arbitragem.

[19] Código Civil Brasileiro Interpretado, v. XIV, 4ª edição, Livraria Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1951, p. 47.

[20] Não se olvida do fato de que o voto condutor fundou-se majoritariamente no Protocolo de Genebra (dado que o contrato sob o exame, que previa a cláusula compromissória, tinha caráter internacional) e na ausência de uma previsão que distinguisse a cláusula do compromisso arbitral, o que tornava dispensável a confirmação, pelas Partes, da escolha em arbitrar determinado litígio quando de seu surgimento. No entanto, o Ministro Gueiros Leite também se socorre de outras normas positivadas em nosso ordenamento. Confira-se: “Esses contratos têm por fim a eliminação da incerteza jurídica. Os figurantes se submetem a respeito do direito, pretensão, ação ou exceção, à decisão do árbitro. Sendo assim, o juiz poderá considerar válido o ato de, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade (CPC. 244). Por que a finalidade atingida não agradou à recorrida, que parece não desejar pagar a sua dívida (fls. 415), as suas arguições deveriam ser recebidas com cautela”. STJ, REsp n. 616/RJ, 3ª Turma, j. em 24.04.1990, voto do Ministro Gueiros Leite.

[21] Art. 244. Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.

[22] Carlos Augusto da Silveira Lobo, A Pré-história da Arbitragem no Brasil. RDR 41/46.

[23] Que não distingue entre aqueles dois tipos de convenção: “Article 1 – Each of the Contracting States recognises the validity of an agreement whether relating to existing or future differences between parties subject respectively to the jurisdiction of different Contracting States by which the parties to a contract agree to submit to arbitration all or any differences that may arise in connection with such contract relating to commercial matters or to any other matter capable of settlement by arbitration, whether or not the arbitration is to take place in a country to whose jurisdiction none of the parties is subject.

[24] Case 4695, novembro de 1984, in KluwerArbitration, Yearbook Commercial Arbitration 1986 – Volume XI (Van den Berg (ed.); Jan 1986) – grifou-se.

[25] Ob. cit., p. 198.

[26]Cláusula Compromissória e Compromisso Arbitral – Efeitos, in RP 101/191; destaques do original. A cláusula 3.6 referida no parecer tinha o seguinte teor: “Se, de qualquer forma, não puderem alcançar um consenso, se obriga a se sujeitarem a um arbitragem, segundo as regras da Câmara Internacional de Comércio, ou outra entidade de igual renome e tradição que as Partes venham, por mútuo acordo, a indicar, tudo nos termos, forma e efeito da referida Lei 9.307, de 23.09.1996, tomando por base econômico-financeira o laudo arbitral (na verdade, o Laudo Pericial) e, por base jurídica o Protocolo firmado em 27.01.1996 e as razões jurídicas que as partes puderem então demonstrar de forma consistente e por escrito” – destaques do original.

[27] Na qualidade de negócio jurídico processual, caso o compromisso fosse celebrado, por exemplo, no âmbito de uma ação ajuizada com base no art. 7º da Lei de Arbitragem, eventual defeito processual que pudesse macular sua validade deveria também ser avaliado à luz do regime das nulidades processuais, aplicando-se o art. 277 do CPC (como feito pelo Ministro Gueiros Leite em seu voto no REsp 616/RJ, ainda que em contexto diverso) e a máxima de que não há nulidade sem prejuízo. Veja-se,  a respeito da natureza do compromisso arbitral, Carlos Alberto Carmona: “Em conclusão, o compromisso é o negócio jurídico processual por meio do qual os interessados em resolver um litígio, que verse sobre direitos disponíveis, deferem a sua solução a terceiros, com caráter vinculativo, afastando a jurisdição estatal, organizando o modo através do qual deverá se processar o juízo arbitral.” (CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.189). Quanto à aplicabilidade do regime de nulidades processuais a negócios jurídicos processuais Antônio Pereira Gaio Júnior, Júlio César dos Santos Gomes, Alexandre de Serpa Pinto Fairbanks: “No que concerne ao controle jurisdicional, o negócio jurídico processual pode ser invalidado pela decretação de nulidade em ato do próprio magistrado. Atento à licitude e disponibilidade do objeto convencionado, bem como à forma e à capacidade civil dos sujeitos envolvidos, o juiz controla o conteúdo da convenção com vistas a promover o equilíbrio das partes, atendendo o princípio do devido processo legal em sua potencialidade máxima. Os termos do negócio jurídico processual só produzirão efeitos após o pronunciamento judicial, que validará ou não o ato praticado. Constatando irregularidades, o julgador deverá observar o regime das nulidades processuais, sendo relevante destacar o entendimento constante no Enunciado 16 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: ‘O controle dos requisitos objetivos e subjetivos de validade de convenção de procedimento deve ser conjugado com a regra segundo a qual não há invalidade do ato sem prejuízo’. Assim, o controle jurisdicional objetivará, sempre, a manutenção da ordem pública processual.” (Antônio Pereira Gaio Júnior, Júlio César dos Santos Gomes, Alexandre de Serpa Pinto Fairbanks. NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS E AS BASES PARA A SUA CONSOLIDAÇÃO NO CPC/2015. Doutrinas Essenciais – Novo Processo Civil, vol. 2/2018, p. 1069 – 1098).

No mesmo sentido: “Entretanto, no caso de se constatar algum defeito processual, o magistrado deve observar todos os princípios inerentes ao regime das nulidades processuais, em especial o da instrumentalidade das formas e o do prejuízo. Nesse sentido, aliás, foi formulado o seguinte enunciado no FPPC: ‘O controle dos requisitos objetivos e subjetivos de validade da convenção de procedimento deve ser conjugado com a regra segundo a qual não há invalidade do ato sem prejuízo’” (Trícia Navarro Xavier Cabral, CONVENÇÕES EM MATÉRIA PROCESSUAL, Revista de Processo, vol. 241/2015,  p. 489 – 516, Mar/2015).

 



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Marcelo Levitinas

Publication Date

19/08/2020